Poema de agora: Observação – Valoroso Cão  (Em homenagem ao meu velho cão, outrora feroz e aguerrido) – Luiz Jorge Ferreira

Foto: Luiz Jorge Ferreira

Observação – Valoroso Cão

Por cima do peitoral da janela
Olha o tempo sentado na calçada defronte.
Fareja seu cheiro azedo de Ontem.
Sobe e desce várias vezes as escadas imóveis.
Olha as janelas…ouve sons vindo do nada, e escuta os Anjos passando para Viena entre Valsas suaves e agitados Carimbós…
Por fim vencido pelo sonho anterior do sono da primeira parte da noite…
Tomba derrotado então pela sonolência da segunda parte…em plena a madrugada de Osasco.

Fotografo…e mando para que se reproduza o empenho de um cão.
Cujo os latidos acompanham os anos que passam a galope pela frente da porta, na quietude da Rua Virgínia Marcucci Garcia …1998.

Luiz Jorge Ferreira  (em homenagem ao meu velho cão, outrora feroz e aguerrido)

 

*Osasco (SP) – SP – 15.09.2021

11 de setembro: A Torre e o Dragão da Contemporaneidade (20 anos do atentado) – Por @fernando__canto

Por Fenando Canto
 
“Quando o Terror chegar (e ninguém nega que ele chegará)/ degradando, exaltando/ quando a terra tremer/ e as montanhas se desmoronarem/ convertidas em pó disperso,/ então serás três grupos – Companheiros da Direita, Companheiros da Esquerda e os Vencedores (“Alcorão”. LVI, 1-55).
 
Por certo os prédios do World Trade Center não foram inspirados nos zigurates mesopotâmicos, que por sua vez inspiraram a torre de Babel. Os zigurates eram construções que simbolizavam a pretensão dos homens em igualar-se aos deuses, e que se imaginavam capazes de subir ao céu por meios materiais. Algumas dessas construções chegavam a cem metros de altura, elevando-se em até sete patamares cada vez mais estreitos. Elas facilitariam tanto a descida dos deuses à terra como a subida dos homens ao Céu. O simbolismo do zigurate tem relação com a montanha onde o peregrino que nela sobe busca a purificação espiritual gradual até encontrar a luz.
 
A torre de Babel foi construída com betume e tijolo cozido, mas apesar da aparente fragilidade sua fundação prolongava-se solo adentro, representando ainda a união de três “mundos”: Céu, Terra e Mundo Subterrâneo. Babel é a “Porta do Céu”, talvez a maior entre as tantas torres que dominavam as cidades babilônicas. Como eram sinais de politeísmo foram condenadas pelo monoteísmo hebraico. E foi Jeová, que a partir daí acabou com a uniformidade universal da língua dos homens, para confundi-los e dispersa-los no espaço, formando o caos da comunicação entre eles.
 
A Nova Iorque cosmopolita que abrigava o World Trade Center absorvia diariamente milhões de frases em centenas de idiomas, embora nas famosas torres gêmeas a linguagem prevalecedora tenha sido sempre a dos computadores vorazes, a do dinheiro e a do poder.
 
Nessa ótica, Babel existia na modernidade substituindo a necessidade de buscar o divino pela procura do poder incomensurável, aquele que decide a vida de milhões de seres humanos do planeta, no simples digitar de códigos num teclado de computador.
 
Os tristes episódios que marcaram a vida americana pelo terrorismo em 11 de setembro não só representam uma assumida “morte” simbólica do capitalismo e do poder bélico universal, como também apontam para uma espécie de tentativa de “frear” ações heréticas do ocidente em que tentam “igualar-se” a Deus, quando o homem ocidental constrói para a infinitude do Céu.
 
Como cada moeda tem duas faces, o outro lado da destruição das torres é a arma que a destruiu: o avião. Para Jung, nos sonhos dos homens contemporâneos os aviões substituem os animais fabulosos e os monstros dos tempos remotos. O avião pode ser o Pégaso, o cavalo alado dos mitos gregos que está relacionado à água e cuja significação simbólica leva em conta no seu eixo interpretativo ser “a nuvem portadora da fonte fecunda”.
 
O avião, ao decolar (no sonho), conduz ao êxtase, à “la petite mort”, antiga expressão coloquial que as mulheres usavam para o “orgasmo total”. Entre tantos aspectos analíticos, digamos, bastante complexos, o avião elevando-se também se assemelha ao comportamento da vida, sua aventura iniciática, tendo ou não carga ou combustível e mesmo ao chocar-se com outro avião ou obstáculo.. Nesse caso a análise revela tendências opostas ou choque de contrários. É Dialética, é ideologia povoando o inconsciente e o significado do “sonho”, registrado na memória histórica dos homens.
 
O avião, por pertencer ao domínio do ar, pertence ao domínio das idéias, do espírito e do pensamento. Quem nele vai pertence a Terra (Matéria) e quer se lançar em sonho ao Céu (Espírito). Ele tem a força materializada no elemento ar.
 
O avião é um dragão. O dragão é o guardião dos tesouros ocultos. Como símbolo do mal e das tendências demoníacas identifica-se com a serpente. Na realidade é um símbolo ambivalente. Para a doutrina hindu ele é o Princípio. Produz o soma, que é a bebida da imortalidade. Para os chineses os dragões voadores são Montaria de Imortais, eles os elevam até o Céu. É, ainda, associado ao raio (cospe fogo) e à fertilidade (traz a chuva), trata das funções e ritmos da vida que garantem ordem e prosperidade. Enquanto relâmpago simboliza o espírito e o esclarecimento da inteligência: é a fonte da verdade. Quando é raio desencadeado representa a cólera de Deus, a punição, o castigo, a autoridade ultrajada: é o justiceiro.
 
Obviamente que o fato ocorrido nos EUA. proporcionou uma grande soma de interpretações. Não é demais juntar a elas mais uma informação para se somar aos motivos gerais que moveram os suicidas na destruição do WTC e do Pentágono. É bem verdade que o mundo ainda está atônito com o acontecimento. Quem sabe um dragão não está imbricado nessa história, posto que faz parte de todas as culturas e religiões conhecidas, aparecendo das mais variadas formas, inclusive no materialismo dialético, simbolizando a luta de classes.
 
A torre foi destruída, mas o dragão é feito do elemento ar. Pode ressurgir. Do mesmo modo a nação atingida e suas aliadas também ousarão quando vestirem a armadura e a lança de São Jorge na eterna luta do bem contra o mal.
 
Texto de Fenando Canto. O escrito também faz parte do livro de crônicas “Adoradores do Sol”, Ed. Scortecci, 2010.

Quantas recordações (texto lindão da Ana Paula Padrão)

 

foto-maquina-de-escrever-02
Tenho muita saudade da máquina de escrever. Bater nas teclas com força e ouvir o tec, tec, tec. No fim da linha empurrar o braço mecânico pra esquerda e começar de novo. A, S, D, F, G. A, S, D, F, G.

Tenho saudade do telefone de disco. Eu tinha uma prima que usava três dedos pra discar os seis números. Ela tinha unhas longuíssimas cobertas de esmalte vermelho e entre o indicador e o médio ainda segurava o cigarro. Elegantérrima. Tenho saudades do tempo em que fumar não era politicamente incorreto, apenas fazia mal pra saúde. E do cheiro do óleo bronzeador que também entrou na lista dos vilões sociais. Óleo de urucum, Rayito de Sol e outros menos cotados.download

Tenho saudades da agenda de papel. Todos os telefones anotados com letra caprichada. Tenho saudade até de perder tempo passando a agenda a limpo quando a lista de amigos ficava maior que o número de páginas. Ou quando era preciso apagar alguns nomes. Nunca deletá-los.

pipocaTenho saudade de fazer pipoca na panela. O milho estourava no óleo quente soltando aquele cheiro de sala de cinema. Poc, poc, poc. Também sinto falta do ovo batido em ponto de neve no braço. Sem parar pra não desandar a receita. E tenho saudade da vitrola, da agulha e do vinil girando em três rotações: 33, 46 e 78. Do chiado do velho LP, do drama de um disco arranhado.download (2)

Tenho saudade da manga espada, buraquinho aberto na casca pra beber o caldo. Da goiaba de vez colhida no pé, na primeira mordida vinha metade do bicho que morava lá dentro. E do morango suculento e com gosto de morango. Os morangos de hoje são lindos, mas não têm caldo nem sabor. Tenho saudade de esperar um mês inteiro pela próxima edição do meu gibi preferido e de colecionar figurinhas no álbum. Coladas com cola Tenaz. Cole e descole se for capaz.

download (3)E, acima de tudo, tenho saudade de esperar uma semana inteira pra que as fotos fossem reveladas. Ah, como eram bacanas as máquinas fotográficas não digitais e os rolos de filme rebobinados. Saudade de chamar as coisas de bacanas. Saudade de quando as lembranças não eram instantâneas.

Dito isso, devo confessar que não sou muito boa de memória. Esqueço nomes e fisionomias. Só decoro instantaneamente números e letras de música. E cheiros. E sons. E dores. Mas lembro-me destas últimas pela sensação que produziram, quase nunca pelos personagens que as provocaram. Hoje agradeço essa falha como um dom.download (4)

Tenho saudade do Neutrox amarelo, do pac man, da agenda Cassio, do Leite de Rosas, do sabonete Phebo, chiquérrimo. E ter saudade não é querer ter tudo isso de volta. É apenas a confortável sensação de ter idade pra ter saudade do que não está na moda, do que já passou, do que não existe mais e ainda assim era bom simplesmente porque me fazia bem. É ter experimentado todas as mudanças e ter aprovado algumas, detestado outras.

Tenho saudades do boana paulam português, do romance bem escrito publicado em edição de capa dura. Dos políticos que tinham vergonha de serem tachados de corruptos, ainda que fossem. Dos eletrodomésticos que duravam tanto quanto um casamento, quase a vida inteira. De andar de carro com a janela aberta. Ter saudade é um privilégio. Minha memória não é lá muito boa, mas é sábia. Guarda com nitidez as delícias e arquiva os rancores em gavetas trancadas que eu nunca me lembro de abrir.

Ana Paula Padrão, jornalista e apresentadora de TV.

Estique o olhar – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Há 24 anos eu chegava a Macapá, exatamente num primeiro de setembro de 1997. Esta crônica tem a ver com isso e com ela festejo a minha vinda para cá, o que me deu, entre tantas coisas legais, a oportunidade de avistar o maior do mundo (como me refiro carinhosamente ao rio Amazonas). Desde aquele dia, não deixo de contemplar esse rio, que é uma gigantesca síntese do meu amor por este lugar. A crônica tem também a ver com um papo que tive com a minha mana Socorro numa recente viagem que fiz a Belém. Com vocês, a crônica.

Estique o olhar pelo rio até que ele bata no horizonte. Cuidado para não abalroar alguma embarcação pelo caminho. Há saudade de luares refletida na calma do rio. Há promessas de palmeiras crescendo ao largo. Cada vez que as gaivotas passam, as tempestades se abrem, se alvoroçam e se acalmam no sorriso das sereias.

Estique o olhar até pegar carona nos papagaios soltos pelo céu azul, nas linhas que não têm cerol, o que é mais bacana. Flagre as folhas bailando ao vento até que a infância seja devolvida numa tarde assim, de sol e lembranças, sem sombra de rancor.

Estique o olhar de manhã, deixe que a brisa invada as janelas dos poros e se tatue em brasa na pele da nossa já conhecida madrugada, que ficou para trás e ainda virá. Saiba que está a caminho da morada da luz aquele que foi anunciado há milhares de séculos, quando havia a possibilidade de primaveras. Ele vem afirmar que a aurora benfazeja é, mais do que possível, inevitável.

Estique o olhar até atingir, sem pressa, as emanações que se elevam do asfalto e se espalham pelo céu, pintando de nuvens a paisagem, que se derrama em chuva, a doce chuva que embala o sono e invade os sonhos desde quando eu menino, esticado na rede no fundo do quintal, imaginava a vida que haveria bem pra lá do portão.

Esticar o olhar. Um exercício que deveria ser estimulado pelas autoridades científicas, receitado pela medicina e ensinado nas academias (literárias e de ginástica). Poderia até virar lei. Lei não, que ninguém respeita. Mas faça isso: aproveite o rio Amazonas (o maior do mundo) e deixe seu olhar se alargar, se alongar, chegar até as ilhas, passar das ilhas, passar da linha do horizonte e ir além, além, sempre além.

Faz bem pra vista e pra vida. Experimente.

Ele voltou, o cronista voltou novamente – Crônica de retorno do Ronaldo Rodrigues (tomara)

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Já faz algum tempo que não venho por aqui. O dono da casa já deve ter esquecido ou desistido de mim. Ele nem cobrou mais a minha visita, nunca mais me fez lembrar que minha presença reforça os alicerces desta casa. Ou será que só eu pensei isso, num momento de falta de modéstia?

Em todo caso, escrevi este bilhete me desculpando pela longa ausência. Vou deixar aqui no pátio e sair devagarinho. Vai que ele está zangado com minha falta de notícias. Ou se ajustou à ausência e cancelou o contrato, ainda que o nosso contrato seja não verbal, mais baseado em afeto do que em cobrança, disciplina, prazo etc.

Espero que me desculpe e, nem se importando com o vasto tempo corrido, ele coloque este singelo bilhete no mural digital que tem na internet.

A minha ausência já foi explicada (entressafra de ideias, muito trampo rolando, falta de tempo etc.), mas nem ele nem eu ficamos satisfeitos com essas pausas prolongadas. Quem escreve sempre encontra, inventa, descola um tempo de escrever algo fora das exigências profissionais de quem vive de criar textos.

Pois bem, Elton. Aí está o meu bilhete junto com um abraço e um P. S.: vou manter a periodicidade. Desta vez é pra valer (rsrsrsrs).

Obrigado por continuar acreditando e me dando este espaço. Valeu! E abre logo essa cerva!

Tempos pandêmico e a Era do Rivotril – Crônica de Anne Pariz – @annepariz

Crônica de Anne Pariz

Andava na rua e notava a mudança no andar e nos olhares, afinal as máscaras escondem o rosto, mas intensificam os olhares.

Pessoas sorriem com os olhos, não só o olhar nos mostra tristeza e preocupação.

Em tempos assim a sobrecarga psíquica aponta uma realidade alarmante na saúde da população, sobretudo a mental. O crescimento nas vendas de medicamentos para transtornos de ansiedade, insônia e depressão denuncia uma população em sofrimento psíquico maior do que se imagina, segundo dados da Organização Mundial de saúde.

Conversava com um rapaz e ele relatava tranquilamente que com esse tempo pandêmico seu maior amigo, companheiro de cabeceira é o Rivotril, utilizado para problemas de insônia.

Não muito distante ouço a conversa de duas amigas confidenciando que não vivem hoje sem seus “remedinhos” para dormir. Algo preocupante, visto que, o Rivotril é um medicamento que deve ser receitado por médico especialista e em uso contínuo leva ao vício.

Que sociedade estamos nós tornando que temos que utilizar meios para adormecer diante da crise em que estamos vivendo, não só pandêmica, da crise da fome, do desemprego, da dor e do desamor.

A Era do Rivotril é perigosa mas afirmo que mais perigosa é a Era da descrença de uma sociedade mais justa, igualitária, equânime para toda nossa população.

PS: consulte um médico para consumo responsável de medicamentos

*Anne Pariz é cronista, fisioterapeuta e ativista social – 27 de agosto de 2021.

Da vez que pensaram em trocar o nome do Teatro das Bacabeiras – Crônica de Elton Tavares

De acordo com o sociólogo, escritor, jornalista e compositor Fernando Canto, a alcunha “Teatro das Bacabeiras”, pelo fato de trazer o nome que supostamente originou a palavra Macapá, foi escolhida democraticamente pelos artistas amapaenses para nomear o principal teatro de Macapá. Portanto, a denominação se identifica com a nossa terra.

Em 2015, foi cogitada a possibilidade da mudança do nome do Bacabeiras para que o teatro recebesse o acréscimo do nome do ator, humorista e radialista Pádua Borges, que faleceu em 2014.

Pádua era brilhante, ícone da cultura local e um cara porreta. Ele merece mesmo uma homenagem póstuma, mas não essa.

A questão da modificação do nome do teatro público do Estado iria além da questão de prestar uma homenagem ao importante representante da cultura amapaense. A mudança envolve a construção da identidade cultural do Amapá, processo que se constitui e é defendido a muito custo por nossos artistas e agentes culturais.

Mudar o nome do teatro, cuja escolha parte da construção histórica do amapaense seria descaracterizar uma parte daquilo que temos como memória, elemento agregador (fundamental!) da cultura.

Homenagear Pádua, o eterno e amado “Lurdico” da dupla “Os Cabuçus”? Sim! Com a criação de novos espaços, que poderão beneficiar a comunidade e agregar conhecimento e arte ao nome daqueles que produziram cultura nesse Estado e que ficaram em nossa história.

Ainda bem que desistiram da ideia. É isso.

Elton Tavares

O dono do Cabaré – Crônica porreta de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Depois de receber uma bolada do “PDV” do Governo Federal, onde trabalhou por quase 20 anos, Zé Ramos não sabia nem como nem onde investir o dinheiro. Mas queria ser comerciante. Como também era boêmio inveterado, frequentador de inúmeros botecos, bares e lupanares, alguém lhe falou que um cabaré estava à venda no subúrbio da cidade. A ideia de comprar um estabelecimento comercial já pronto despertou-lhe a cobiça e o sentimento de poder, pois comandaria pessoas e ainda aproveitaria os produtos da casa. Ou seja, uniria o útil e lucrativo negocio ao agradável hábito do bem bom.

Visando o lucro, Zé Ramos investiu toda a sua fortuna na compra do tal lupanar. Porém, despreparado (Naquele tempo não existiam programas de empreendedorismo a pequenas empresas assessorados pelo Sebrae), nosso herói foi levando o negocio com a barriga. Era mais cliente do que dono.

Quatro meses depois o único garçom roubou o caixa e fugiu; dois empregados, encarregados da limpeza e da cozinha, e um segurança o colocaram na justiça do trabalho e as cinco trabalhadoras sexuais da casa apareceram grávidas o acusando de ser o pai das crianças, pois ele às vezes, quando estava doidão, expulsava os clientes e fechava o estabelecimento, para seu usufruto pessoal.

Acabou vendendo o negocio por uma ninharia para um cearense, dono de um minibox que lhe fornecia mercadoria no fiado. Quase não dava para pagar as indenizações dos empregados e as outras despesas que ficaram da sua gestão.

Mesmo assim, Zé Ramos é um cara feliz da vida. Viveu a sua experiência de empresário como um xeique árabe. E diz, sempre rindo, com o maior orgulho: – Já fui dono de puteiro. Não ganhei, mas também não perdi.

Esse é o Zé Ramos com suas histórias.

* PDV: Plano de Demissão Voluntária, implementado nos anos 90.

O tempo – Crônica de Elton Tavares (com ilustração de Ronaldo Rony)

Ilustração de Ronaldo Rony

Há anos, após breve conversa com a amiga, ela disse: “o tempo também é burocrático. Nós é que sempre queremos tudo pra ontem”, comecei a devanear sobre o tempo. Verdade, nem sempre dá tempo.

Aliás, o tempo nos ilude quando jovens, em nome da inexperiência e da que nunca morre, a esperança. Sim, o tempo, com pouco tempo de análise, às vezes engana, confunde e conduz pelo caminho errado. Mas nunca omite, no final, sempre mostra quem é quem e como seria. É, o tempo.

A Bíblia, livro mais vendido da história (para muitos mitologia cristã) diz: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3:1).

Desconfio há tempos que existe uma conspiração que faz do tempo uma espera quase interminável para os que sofrem e um período muito curto para bons momentos. Ah, tempo, dê um tempo!

O velho astro do Rock, David Bowie disse: ‘o tempo pode me mudar, mas eu não posso reconstituir o tempo’. Verdade! Afinal, tudo há seu tempo. O tempo costuma despachar lentamente quando queremos que seja rápido e o contrário, quando é o inverso disso.

O tempo traz méritos, vivências, leva e traz amigos, irradia e ceifa vidas. O tempo sabe coisas que a gente não sabe. Sim, ele flui, voa e dá tapas com luvas, mas não de pelica e sim de boxe. Mas o tempo também faz esquecer e, às vezes, até cura dores. Sobretudo, o tempo nos ensina a entender mais sobre o amor.

Enfim, o tempo passa, nós aprendemos e mudamos com ele. Eu até poderia falar mais sobre a loucura e sapiência atemporal do tempo, mas agora não. Meu amigo Fernando Canto lembrou da filosofa María Zambrano, que dizia: “O tempo é o único caminho que se abre ao inacessível absoluto”. E a Camila, com quem o diálogo originou esse devaneio, falou algo que me faz encerrar aqui: “o tempo é o remédio e a agonia de todos nós”.

Ah, só mais uma coisa: é tempo de ser feliz e assim estou fazendo, enfim, em tempo. Pois não mais tenho tempo a perder. É isso. Ótimo sábado pra todos nós!

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bençãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Invasão Bárbara – Crônica de Evandro Luiz

Crônica de Evandro Luiz

A vida na vila Solimões com os seus 180 habitantes, parecia ter parado no tempo. Os habitantes daquela região viviam da caça, pesca e de uma agricultura de subsistência. Dificilmente saíam da comunidade. Quando isso era necessário, era apenas para fazer compras de remédios, e material para pescaria. De Solimões para Jacaréacanga, o município vizinho mais próximo, em condições normais era uma viagem de uma hora e meia. Mas no verão quando os ventos chegam a bater até 40 quilômetros por hora, o tempo de viagem dobrava e tinha que contar com a habilidade dos marujos.

Para cumprir a missão são chamados os mais experientes que possam cumprir a jornada. E assim a vida transcorria em ritmo de preamar. Mas um certo dia, os moradores começaram a ouvir barulhos estranhos, eram iguais a explosões vindo de longe, Isso começou a preocupar os moradores já que cada dia ficavam mais intensos. Mais assustados ficaram quando apareceu um objeto com um formato oval passando bem devagar por cima da vila. Tinha cerca de 120 metros de cumprimento.

Uns falavam que tinha formato de uma baleia. O ano era de 1941. O estranho objeto ia na direção de onde vinham os grandes barulhos. E a cada dia o movimento ficava mais intenso. Em um fim de tarde, não mais tão tranquilo como antes, uma embarcação nunca vista pelos moradores da vila, atracava no porto. Um senhor aparentando 60 anos, com uma roupa verde, armado, vinha na frente. Dava sinais claros que ele era o comandante da expedição. Falou alguma coisa, mas ninguém entendeu nada.

Um outro homem foi chamado para servir como intérprete. Ele disse que estava sendo construída uma Base Aérea ali perto. E a Vila Solimões seria um ponto de apoio, e que o governo brasileiro estava de acordo. A tranquilidade era agora coisa do passado. Quando chegavam informações da presença de submarinos alemães na costa brasileira, aviões saíam da base aérea e passavam levando com eles o patriotismo do moradores da vila.

Base Aérea no município de Amapá (AP) – Foto: acervo do jornalista Edgar Rodrigues

No retorno da missão, os militares faziam festa. Com o fim da guerra, os americanos entregaram a Base Aérea para o governo brasileiro. Mas nem tudo era festa. Nove meses depois da partida dos gringos, uma geração de crianças loiras de olhos azuis chegavam para marcar um tempo de amor e guerra.

Olimpíada despertando o que há na memória de uma quase atleta de voleibol – Crônica porreta de Gilvana Santos

A então jogadora de vôlei Gilvana Santos, de camiseta branca, do lado esquerdo da foto – Imagem: arquivo familiar.

Crônica de Gilvana Santos

As Olimpíadas de Tóquio chegaram ao final neste domingo (8), e para nós brasileiros a participação do país podia ter sido fechada com chave de ouro, mas não foi possível. A nossa última chance de ganhar a medalha mais cobiçada tinha que ser em um esporte que caiu no gosto popular, o voleibol. Não deu ouro para a seleção feminina de vôlei, ficou na prata, mas valeu para reavivar nas memórias as minhas incursões e tentativas vãs de me tornar uma atleta de vôlei.

O gosto pela modalidade começou na minha adolescência, nos anos 80, por influência dos meus irmãos Clemerson e Girlane, jogavam vólei. Eu sonhava em ser da Seleção Amapaense de Vôlei para disputar os Jogos Escolares Brasileiros (JEBs).

À época, pensar em viajar para outro Estado era quase impossível, devido às dificuldades financeiras. Meu pai Marçal Batista trabalhava no INCRA e minha mãe Maria Juracy era costureira, para ajudar no sustento dos cinco filhos, porque a grana nunca sobrava, pelo contrário. Nossa vida só melhorou depois que mamãe passou no concurso público da Justiça Federal, de onde é aposentada.

Então, passei a enxergar no vôlei um meio de conhecer outras cidades, com pessoas e culturas diferentes. A prática era incentivada nas aulas de educação física do extinto Território Federal do Amapá.  Clemerson e Girlane estudavam no CA, enquanto que eu e Girlei estudávamos no GM, onde por sorte, tinha uma das melhores treinadoras de vôlei do Amapá, a professora Marli Gibson. Com ela aprendi as técnicas do esporte, o difícil era colocar em prática (risos), mas ainda consegui participar de alguns jogos (foto).

A então dançaria Gilvana Santos, de preto, no centro da foto – Imagem: arquivo familiar.

Nesse período, também houve um grande impulso com a inauguração das quadras de voleibol e basquete na Praça do Barão, no Centro. Era perto de casa, no Laguinho, e todo final de tarde eu ia com minhas irmãs Girlane e Girlei, sempre acompanhadas do Clemerson para tentar uma vaga em um dos times formados para as disputas que se formavam naquele espaço. Meu irmão era da elite, junto com o Bianor, Alcinão e Negrão, só pra citar os que eram mais próximos da família. Era uma festa, juntava os melhores jogadores de todos os bairros. Na “grade” iam formando os times para disputar com os vencedores, e eu, claro, nunca era escolhida porque não tinha domínio da bola (ô coisa difícil essa tal recepção do saque).

Gente, já deu para perceber que eu fui uma péssima jogadora de vôlei, mas tentei, tentei muito. Entrei na escolinha da Marli, que treinava seu time no Ginásio Avertino Ramos. Os treinos eram um sobe e desce interminável das arquibancadas e muita repetição, mas apesar de ser uma levantadora mediana, eu era péssima na recepção, daí não tinha jogo. E o saque? Meu Deus, o meu saque era horrível, dando soquinho embaixo da bola kkkkkkkkkkkk Era tão ruim que a Marli, que também era professora e organizadora das apresentações de dança, na qual eu era beeemmmm melhor, chegou ao ponto de pedir, quase implorando, que eu permanecesse somente no grupo de dança.

Mesmo com esse desempenho sofrível, eu insisti, e ainda consegui ganhar uma medalha, foi no Torneio de Calouros do Cesep – atual Unama, em Belém-PA. Eu organizei o time das alunas do Curso de Economia e também era a capitã. Fizemos a final contra as meninas de Arquitetura, um monte de patricinha, e nós éramos meras mortais, que com humildade levamos o torneio. Claro que para ganhar eu tive que me colocar na reserva e fiquei só administrando de fora do campo.  Não tenho fotos, mas tenho uma testemunha de Macapá, a querida Jacira Gomes, uma das atacantes que fez a diferença nessa conquista.

É meus amigos, vida de atleta não é fácil, ainda mais quando não se tem o talento para a coisa. Então, que esse artigo ajude na reflexão que a Olimpíada de Tóquio deixa, não julgue aqueles que não tiveram êxito, pois só de chegar na disputa já é uma grande conquista. Parabéns aos nossos representantes, e especialmente parabéns às meninas do vôlei, que mesmo desacreditadas, subiram no pódio e ganharam a medalha de prata. Eu? Bem, vou continuar me aventurando, sempre que possível, a bater uma bolinha.

*Gilvana Santos é jornalista, assessora de comunicação e querida amiga medalhista de ouro nas olimpíadas dos corações de seus amigos como eu. (Elton Tavares). 

Meu céu – Crônica bem humorada sobre o paraíso de cada um (Por Elton Tavares) – Ilustrada por Ronaldo Rony

Há anos, escrevi uma crônica sobre como seria o meu “Inferno”. Hoje vou falar/escrever um pouco de como seria o meu céu. Não sei se baterei na porta do céu como Bob Dylan. Nem se vou achar o lugar igualzinho ao paraíso, como sugeriu o The Cure, mas estou atrás da “Stairway To Heaven” do Led Zeppelin. Só não vale ter “Tears In Heaven”, do Eric Clapton. Mas vamos lá:

Meu céu é em algum lugar além do arco-íris, bem lá no alto. Bom, lá, ao chegar ao meu recanto celestial, eu falaria logo com ELE, sim, Deus ou seja lá qual for o nome dele (God; Dieu; Gott; Adat; Godt; Alah; Dova; Dios; Toos; Shin; Hakk; Amon; Morgan Freeman ou simplesmente “papai do céu”) e minha hora já estaria marcada.

Ah, não seria qualquer deusinho caça-níquéis (ou dízimos) não. Seria o Deus de Spinoza, que como disse Einstein: “se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”.

Após este importante papo com o manda chuva do paraíso (tá, quem manda chuva mesmo é o seu assessor, São Pedro, mas eu quis dizer mesmo é do chefão celestial), daria um rolé e encontraria todos os meus amores que já viraram saudade. Ah, como seria sensacional esse reencontro!

Bom, meu céu é todo refrigerado e chove. Chove muito, mas nunca inunda as vielas do paraíso e nem desabriga ninguém por lá. Ah, abaixo dele chove canivetes nos filhos da puta (que não são poucos) que encontrei durante a jornada pré-celestial. Óquei, pode soar meio lunático, mas é o meu céu, porra!

No meu céu não tem papo furado, como no capítulo 22, versículo 15, do livro de Apocalipse. Lá entrarão impuros sim ou seria uma baita hipocrisia EU estar neste céu. No meu céu não toca brega, pagode e sertanejo sem parar, afinal, isso é coisa do inferno. Ah, no meu céu não entra corrupto, pastor explorador, padre pedófilo ou escroques de toda ordem, esses tão lá no meu inferno e eu ainda teria o direito de cobri-los de porrada!

No meu céu as pessoas se respeitam, não tentam a todo o momento tirar vantagens do outro. No meu céu, serviços prestados são pagos na hora, chefes são justos e não rola fofoca. Lá não tem puxa-sacos, apadrinhados ou seres infetéticos desse naipe que a gente, infernalmente, convive na terra diariamente.

No meu céu tem churrasco, pizza, sanduba, entre outras comidas deliciosas e que nunca, nunca mesmo, nos engordam (pois é infernal o preconceito fitness). Lá também não sentimos ressaca. No meu céu tem show de rock o tempo todo, com todos os monstros sagrados que já embarcaram no rabo do foguete e a gente curte pela eternidade.

Lá no meu plano celestial não existe a patrulha do politicamente correto, nem gente falsa, invejosa, amarga, e, muito menos, incompetentes. Se tá no céu, se garante, pô!

Não imagino o céu como um grande gramado onde todo mundo usa branco, ou um local anuviado onde anjos tocam trombetas e harpas. Não, o céu, se é que ele existe (pois já que o inferno é aqui, o céu também é) trata-se de um local aprazível para cada visão ímpar de paraíso, de acordo com nossas percepções e escolhas. Bom, chega de ficar com a cabeça nas nuvens. Uma excelente semana para todos nós!

“Eu acho que há muitos céus, um céu para cada um. O meu céu não é igual ao seu. Porque céu é o lugar de reencontro com as coisas que a gente ama e o tempo nos roubou. No céu está guardado tudo aquilo que a memória amou…” – escritor Rubem Alves (que já foi para o céu).

Elton Tavares (que graças à Deus, tem uma sorte dos diabos).

*Do livro “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Meu inferno – Crônica infernal, mas bem humorada, de Elton Tavares – Ilustrada por Ronaldo Rony

Acho que se existir inferno, coisa que duvido muito, cada alma pecadora tem um desses locais de pagamento de dívidas de acordo com suas ojerizas. Nada como no clássico da literatura “A Divina Comédia”, o inferno do escritor italiano Dante Alighieri, que escreveu sobre os nove andares até a casa do “Coisa Ruim”.

Quem nunca imaginou como seria o Inferno? Como seríamos castigados por nossos pecados? Volto a dizer, pra mim o inferno é aqui mesmo. Mas vou pontuar algumas coisas que teriam no meu, se ele está mesmo a minha espera.

Bom, meu inferno deve ser quente. Não tô falando das labaredas eternas com o Coisa Ruim me açoitando pela eternidade. Não. Esse é o inferno mitológico e ampliado da imaginação religiosa. Falo de calor mesmo, tipo Macapá de agosto a dezembro, com quase 40° de temperatura (a sensação térmica sempre ultrapassa isso no couro da gente) e sem ar-condicionado.

Neste inferno, todo mundo é fitness, come coisas saudáveis e é politicamente correto. Meu inferno tem gente falsa, invejosa, amarga, que destila veneno por trás de sorrisos. Ah, meu inferno tem incompetentes, puxa-sacos, gente de costa quente que conta do padrinho que o indicou. E pior, neste inferno sou obrigado a conviver com elas diariamente.

No meu inferno tem gente que atrasa, que me deixa esperando por horas. Ah, lá tem caloteiros e enrolões, daqueles que demoram a pagar serviço prestado por várias razões inventadas.

Neste inferno moldado a mim tem parente pedinchão, “amigo” aproveitador, filas e mais filas para tudo. Tem também muita etiqueta e formalidades hipócritas. E também todo tipo de “ajuda” com segundas intenções. De “boas intenções” o inferno tá cheio.

Neste lugar horrendo só vivo para trabalhar, estou sempre sem dinheiro, sem sexo, sem internet e sem cerveja. Nó máximo Kaiser, aquela cerva infernal de ruim. No meu inferno toca brega, pagode e sertanejo sem parar.

Eu sei, leitor, que devo agora estar lhe aborrecendo. Mas perdoe-me, esta alma é chata e sentimental. Às vezes vivemos infernos mesmo no cotidiano, pois vira e mexe essas coisas aí rolam. Por isso dizem que o inferno é aqui. Ou como explicou o filósofo francês Jean-Paul Sartre, na obra “O Ser e o nada”: o inferno são os outros. É por aí mesmo.

Ainda bem que tenho uma sorte dos diabos e Deus é meu brother, pois consegue me livrar dos perigos destes possíveis infernos cotidianos e nunca fará com que tudo isso descrito acima ocorra por toda a eternidade. No máximo, de vez em quando, para que eu pague meus pecadinhos neste plano (risos).

Esse devaneio deve ser por conta do “inferno astral”, vivido sempre próximo de meu aniversário. Mas volto a dizer, este seria mais ou menos o MEU inferno. Como seria o seu?

Elton Tavares

*Do livro “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Corra riscos e viva! – Crônica de Elton Tavares

Podem até me chamar de tolo, mas corro riscos. A prudência é necessária, mas em algumas situações da vida, se jogar é fundamental. Pior é se arrepender do que não fez, do que não tentou.

Não guarde os sonhos e os desejos na gaveta. Se envolva, encare, caia dentro, se exponha, corra o risco de viver algo intenso. Se fracassar, paciência. Melhor do que viver com medo de tentar ser feliz de verdade.

Sofrimentos, raiva, desilusões, e daí? Correr riscos faz parte da coisa toda chamada vida. O maior perigo é não arriscar nada e viver pela metade.

Tem gente que vive e tem gente que só existe. Quem não corre riscos vive. É melhor que ser um covarde acomodado. Não, verdade, não é nada. Às vezes, demora, mas a gente entende.

Como disse Vinícius de Moraes: “quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu”. Portanto, corra os riscos e viva!

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.