Apresentado pelo poeta paraense Renato Gusmão, hoje rola “Sarau Encharcado de Poesia” com a poetisa Patrícia Andrade

O Sarau Encharcado de Poesia, desta segunda-feira, 17 de maio, feito todos os saraus acontecidos durante 1 ano e pouco, junto de tantos poetas que ajudaram imensamente este evento receberá com honras a poeta Patrícia Andrade para nos alegrar com suas palavras.

Pat Andrade é uma poeta/artista plástica/produtora cultural amazônida. Paraense de nascimento, atualmente, vive em Macapá.

Poeta Patrícia Andrade – Foto: arquivo pessoal.

Há pelo menos 14 anos, divulga seus poemas em publicações que ela mesma produz. São mais de 30 livrinhos artesanais, dos quais cinco são virtuais – produzidos em tempos de pandemia. A autora é colaboradora do Site De Rocha!; tem poemas publicados na coletânea Jaçanã – Poética Sobre as Águas, na Revista LiteraLivre e na Agenda Cultural, além de várias coletâneas virtuais, organizadas durante a pandemia.

Membro do coletivo Urucum, Pat se considera uma militante da Literatura: quando pode visita escolas, universidades e participa de eventos literários e culturais, os mais diversos. A poesia é arma/refúgio/conforto.

Vai assim, semeando a palavra, colhendo brisa e plantando tempestades.

Poema de agora: Filosofia barata – Pat Andrade

Filosofia barata

organizar as ideias
em ordem alfabética
e arrumar na estante
para quando precisar

essa a prioridade
do homem que sonha
do indivíduo que escreve
que faz poesia

imaginar o que sente
o eletricista
adivinhar o que pensa
o carteiro
divagar sobre morte e vida

arriscar a sorte na loteria
pagar a conta de luz
(mesmo sem energia)
dez por cento para jesus

oferta canalha
promessa vazia

Pat Andrade

Poema de agora: Ilê – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Ilê

sem energia
mufina
com o ânimo macambúzio
recomendaram-me uma mãe de santo
e com o espírito confuso
fui ver se ela me benzia
[enquanto jogava búzios

— Minha filha, seu pai, Oxalá
o maior dos orixás
deixa uma lição:
tem que cuidar do ori
tem que cuidar de orá
não tema:
só fazer uma obrigação
para Iemanjá
[flores brancas e alfazema
que o mal vai desamarrar

saindo do terreiro
instantâneo encanto:
esbarrei com teu aroma de banho de cheiro
[recém-tomado
e com esses olhos-quebranto
que me fariam atravessar o Amazonas a nado

eu, até então cética
vazia
& charlatã
de repente,
passei a ter fé em meus guias
caboclos, pretos-velhos, pombas-giras
e em meu coração-xamã

padecendo ainda em frangalhos,
te convidei para me acompanhar nos trabalhos
e a partir daí tornei-me crente
desde quando observei esvair-se
com o nascer de uma estrela cadente
o-que-existe-de-ruim
o veneno de Circe
que sugaste de dentro de mim

tudo que havia de vil
sumiu
quando de manhã cedo
meu (dantes) infértil ventre
foi preenchido pela semente
deixada pelos teus dedos
ao redor de meu quadril

não resta suspicácia
sobre a origem dupla da eficácia
na cicatrização de minhas fraturas
se hoje estou bem melhor
foi graças ao ebó
e aos teus lábios de pitanga
nessa conjuntura
o que importa é a cura
tanto pelas mãos da umbanda
quanto pelas tuas mãos em minha cintura

Lara Utzig

Poema de agora: LIÇÕES – Pat Andrade

LIÇÕES

ensina-me a ser
amor de novo
quero aprender
o que te satisfez

ensina-me a sorrir
mesmo na dor
preciso esquecer
o que o tempo fez

[e se houver tempo]

ensina-me a
voar também
preciso de algo
mais que o talvez

ensina-me a viver
nesse mundo
quero nascer
mais uma vez

Pat Andrade

Poema de agora: O pescador do por do sol – Júlio Miragaia (@juliomiragaia)

Foto: Júlio Miragaia

O pescador do por do sol

Puxa, na verdade,
O crepúsculo que espelha
De outro mundo,
Da fundura solitária das águas

Puxa, na verdade,
Partículas de luz
E algumas horas
Entregues ao fim,

Fim que ainda não é
Fim que veio e está,

Puxa, na verdade,
Objetos fluviais
Não identificados
Do ventre idoso
Do velho Araguari

Puxa
O ômega da fome,
Erupções
E rios inteiros
De desamor

Ao certo,
Puxa cardumes
De garrafas de cachaça
E saudades
Que não sabem nadar

Puxa também,
Tempos inteiros de mortandade,
Expostos em inundações
E no progresso
Que sopra para uns

Puxa, na verdade,
Da imensidão de poesia,
O cio do abandono,
Iluminado e temperado
Por turbinas e comportas,

Modernidade longínqua
Da mesa de jantar
De um jovem pescador
Que puxa do vazio de peixes
Nada além que o pôr do sol

Júlio Miragaia

Poema de agora: EMBUSTE DE LIBERDADE – Arilson de Souza

EMBUSTE DE LIBERDADE

Oh, ansiada liberdade!
com asas de Ícaro [rumo ao sol] voaste!
Perpetuada pelos pigmentos da Carta Áurea,
te fizeste pseudo, e à própria sorte nos jogaste.

Oh, cobiçada liberdade!
Por quanto nosso povo te clamou,
Mas vieste em des[vida]
e às mínguas nos largou!

Porém, quem nos deu des[esperança]
em seu pre[conceito] se afogou
Pois, NEGRO é vida em abundância!

Viva, NEGRO!
NEGRO,viva!
Viva a liberdade, na sua essência viva!

Arilson de Souza

Poema de agora: Colagem – Luiz Jorge Ferreira

Colagem

Com certeza ela amarrou o cão com seus cabelos.
Pois ele espalha seu cheiro até nas pegadas que deixa pela areia.
Com um balde de cor neutra carrego água do mar
E tento por nas minhas veias para tingir-me de azul.

Eu tenho sobre a cabeça o amarelo do Sol,
meu cão finge que não vê, e morde a minha sombra para sacudir o passado que eu carrego impregnado nela.

Atiro minha chinela cheia de passos para o Oeste,
para o Sul espalho minhas cicatrizes,
para mim guardo as mãos para um adeus e a água do mar que espalhei na alma.

A ela… deixo o cão.
O cão na late.
Optou por escrever Canções com uivos e rosnados.
Escolheu correr sem destino pelas ruas dando voltas ao redor de si mesmo.

Será que é isso, que faço
a vida inteira, e não sei ?

Luiz Jorge Ferreira

*Osasco (SP) – São Paulo – 13.05.2021.

Poema de agora: Roldão – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Roldão

este é um poema torto
ou, quem sabe, um poema sem forma
este poema é dedicado a todas as coisas
que nunca consegui organizar
dentro de mim

este poema é um quarto bagunçado
em visível caos
mas que, apesar da desordem,
encontro às cegas aquilo que preciso

este poema é sobre a (não) necessidade de arrumar
o que quer que seja
para ninguém além de nós mesmos
[quem quiser nos visitar que se acostume com a baderna]
também é sobre se aquerenciar
com os quadros enviesados na parede

este poema é uma ode à balbúrdia
à algazarra que me habita
e à indolência que me circunda:
a limpeza para terceiros.

este poema é sobre o alheio
sobre o estranho, sobre o outro
cuja anarquia também é própria
e não me diz respeito

este poema é, enfim, barulho;
uma confissão em tons de tumulto:
este poema é sobre sinônimos
que refletem nossa confusão interior.

Lara Utzig

EquiNO/cio – A voz dos leitores – Por Fernando Canto

eu VENHO CINTILANTE e áspero calor eqüINO sobre o mundo ARAUTO que sou de um novo tempo desde a hora em que as ONDAS do Amazonas rebentaram o alúvio das encostas na primeira MANHÃ

eu VENHO CAVALGANTE no cerrado e nos estirões inebriado com o bramIDO das cachoeiras e com o ronco dos MACAréus CavALGO sim em banzeiros caudatários de uma pororoca enorme – estro sem fim – sacralizando vôos vindOUROs além desta procela que se instaura incompreensível no meu tempo

passará A VEZ do ÁZIMO pão posto bruto que agora é tempo de pousio da espera da nova fertilização da terra quando deveremos ARAR novas angústias e colher o juSTO fruto e descascá-lo e cortá-lo à lâMINA afiada na curva dos varadOUROs

(Canto, Fernando. EquinoCIO, Textuário do Meio do Mundo. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA. 2004.)

Poema de agora: MUDEZ – Pat Andrade

MUDEZ

me faltam palavras
mesmo que o coração
fale aos berros
dentro do peito

minha boca se cala
ainda que meu corpo
grite e sinta o arrepio
em cada pelo

me falta a voz
ainda que o sentimento
se manifeste em mim
meio sem jeito

e sem conseguir
dizer o que quero
sigo assim muda
a te olhar pelo espelho

Pat Andrade

Poema de agora: A POSE [em morte] – Marven Junius Franklin

A POSE [em morte]

um busto gótico
à esconder-se pudico
do olhar estrábico
do um público[estático]
um busto dúbio
à mostrar-se ambíguo
em flash mudo
cadavérico [em cântico]
oh, um busto!
à insinuar-se mórbido
em libido lógico
no pórtico [átrio]
em arroubo único [em pose]
em morte

Marven Junius Franklin

Poema de agora: Oito Ilhas – Aline Monteiro – @Alyne_Monteiro (Vídeo e voz de Áquila Almeida – @manudosertao)

OITO ILHAS

Não há luta entre margem e rio
Em doces encontros, água e encosta se beijam
navegam-se noite a dentro
Bailando as ilhas se reconstroem

Mas onde era campo cerrado hoje é rio
e seu gosto doce já não molha a sede das bocas
A boca já não canta novenas de santo

A cidade assoreada já não fala mais
assim que a maré subir…
A cidade já não vê a cidade.

Aline M. – Vídeo e voz de Áquila Almeida

Poema de agora: Restauração – Patrícia Andrade

Restauração

nas noites insones
o olho arde e grita
a dor antiga

[violência instituída]

não há polícia que a contenha
não há Estado que a evite

na memória do corpo
a marca profunda
o abuso inconcebível

[irremediável ferida]

não há xarope que cure
não há pomada que cicatrize

mas é carne dura; resiste
constrói pontes interiores
pra vencer os abismos
rasgados pelo tempo

[vai sorrindo seu riso triste]

recolhe estilhaços
procura conserto
pro coração aos pedaços

[acredita que é possível
colar os cacos]

esbarra no limite da vida
chega ao limiar da morte
mas ainda persiste

sabe que nada sai de graça
e se refaz bem devagar

usa amor como argamassa

Patrícia Andrade

Poema de agora: BEM QUERER – Pat Andrade (para sua mãe, Assunção Andrade)

Patrícia e Assunção. Amor de mãe e filha.

BEM QUERER

quero derramar
poesia no teu cotidiano
declamar meu amor

quero dar cor às palavras
pra alegrar teu canto
e secar teu pranto

quero capturar raios de sol
que te iluminem
os dias cinzentos

quero movimentar os ventos
pra soprar as tuas dores
para onde não te alcancem

quero te oferecer
jardins etéreos
te desenhar mil flores

quero te fazer sorrir
te fazer sonhar
com dias melhores

quero que toda a palavra
nos sirva para fazer o bem
pra ti e pra mim também

Pat Andrade, para sua mãe, Assunção Andrade.