Poema de agora: Um dia chamado hoje…um momento chamado agora – Luiz Jorge Ferreira

Um dia chamado hoje…um momento chamado agora

Meu coração é uma Melodia com asas.
Muda o ritmo das suas incursões aladas…mas termina quase sempre no chão.
Meu coração é um desenho fosco.
Sem detalhes coloridos,
Cheio de entalhes mal definidos.
Que apenas ocupa a meia metade do esquerdo peito…que carrego comigo a um tempão.
Há dentro de mim e perto dele um espelho para que ele se veja, e não se sinta só.
Ele se reflete a si mesmo.
Quando o encontro vermelho, é sinal que chorou.
Aí, eu declamo Pessoa, ele imagina que sou eu, e zomba.
É quando saio para chorar tristonho , junto aos Anjos da terceira esquina.

Luiz Jorge Ferreira

Poema de agora: Tatuagens do tempo – Fernando Canto – @fernando__canto

Tatuagens do tempo

Quando minha pele for caindo pela força da gravidade
Quando o tempo abrir avenidas corporais
E o brilho das rugas inevitáveis,
Minhas tatuagens ficarão flácidas e ilegíveis
Pois não terão mais o desenho esticado na epiderme
Contudo, amor, o teu nome gravado permanecerá legível sob meus olhos lassos do uso de lentes,
Eles que são observadores da linha do tempo
E do tempo que as linhas costuram minhas memórias
Em cirurgias perdidas nas cerrações
Da paisagem.

Fernando Canto

Hoje é o Dia Internacional do Livro #diainternacionaldolivro

Hoje, 23 de abril, é o Dia Internacional do Livro. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no ano de 1995, em Paris (FRA), durante o XXVIII Congresso Geral. O objetivo é encorajar as pessoas – especialmente os jovens – a descobrirem os prazeres da leitura, disseminar a cultura e fazer com que o maior número de pessoas conheçam a contribuição dos autores de livros através dos séculos. Hoje também é celebrado o Dia dos Direitos de Autor.

Origem do Dia Internacional do Livro

A Unesco escolheu a data do Dia Internacional do Livro, por ser o dia da morte de três grandes escritores da história: William Shakespeare, Miguel de Cervantes, e Inca Garcilaso de la Vega. Essa é também a data de nascimento ou morte de outros autores famosos, como Maurice Druon, Haldor K.Laxness, Vladimir Nabokov, Josep Pla e Manuel Mejía Vallejo.

Uma tradição catalã ligada aos livros já existia no dia 23 de abril, e parece ter influenciado a escolha da Unesco, pois tradicionalmente, no dia de São Jorge (23 de abril), é costume dar uma rosa para quem comprar um livro. Trocar flores por livros já se tornou costume em outros países também.

Há alguns anos, quando perguntavam qual a minha profissão, dizia que era jornalista, assessor de comunicação e editor de um site. Mas que, um dia, gostaria de ser escritor. Então me tornei escritor. Tenho dois livros impressos publicados, “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias” e “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”. Também participo de duas antologias on-line e já penso em uma terceira obra.

É a velha máxima: “ler para ser”. Pois sei que é fundamental para fertilizar as ideias, principalmente na minha profissão. Que tal começar ou terminar um livro hoje?

Elton Tavares
Fonte: Calendar Brasil

A Santa Inquisição do Fofão – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Lembro-me bem, no início dos anos 90, do pânico em Macapá causado por um boato “satânico”. Espalhou-se que teria uma adaga ou punhal dentro do boneco do personagem Fofão, por conta de um suposto pacto demoníaco com o “Coisa Ruim”, feito pelo criador do personagem.

Iniciou-se uma caça, sem precedentes, aos brinquedos. Uma espécie de “Santa Inquisição”. De certa forma, parte da população embarcou na nova lenda “modinha” e os fofões foram trucidados por conta de um mero boato.

Meu irmão e eu vitimamos alguns fofões que pertenciam às nossas primas (prima sempre tinha Fofão, boneca da Xuxa ou Barbie). Na época, muitos diziam que ouviram do vizinho do “fulano”, que uma pessoa tinha sido assassinada por um dos então apavorantes bochechudos de brinquedo.

O Fofão tinha uma cara enrugada, era tosco, usava uma roupa parecida com a do Chucky (o Brinquedo Assassino), e dentro ainda tinha uma haste (punhal) de plástico, que era usado para manter o seu pescoço em pé.

Realmente os fatos estavam contra ele.

Houve até queima dos portadores do mal, em praça pública. Sim! Naquela praça que ficava em frente ao cemitério São José, que hoje abriga a Catedral, homônima ao espaço reservado aos que já passaram desta para melhor.

Na verdade, comprovou-se que o fato não passou de um golpe de marketing, pois muita gente comprou só para conferir e, em seguida, destruir o brinquedo. Coisas como o lance das músicas da Xuxa que, como se falou na mesma época, se tocadas ao contrário, continham mensagens do diabo.

Hilário!

Foi muito divertido, confesso. Ateei fogo em vários fofões, e foi muito melhor do que a época junina. A maioria dos moleques adorou e grande parte das meninas chorou a partida daquele tão querido brinquedo.

Concordo com o dramaturgo inglês, William Shakespeare, quando disse: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que explica a nossa vã filosofia”, mas não neste caso. Porém, o episódio do Fofão foi uma histeria generalizada entre a molecada e virou mais uma piada verídica da nossa linda juventude, uma espécie de Santa Inquisição dos brinquedos.

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

Há exatos 48 anos, a banda Ramones lançava “Ramones”, seu disco de estreia – Por Marcelo Guido – @Guidohardcore

Há 48 anos, os Ramones lançavam “Ramones”, seu disco de estreia. Um dos mais importantes da história do punk e do rock em geral, o álbum de “Blitzkrieg Bop” e outros clássicos foi gravado em sete dias, com orçamento de 6,4 mil dólares. Por conta da data, republico aqui a crônica rocker do jornalista Marcelo Guido, maios fã da banda que conheço:

Discos que formaram meu caráter (parte 11) – Ramones – Ramones (1976)

Por Marcelo Guido

E ai amiguinhos, como vão vocês? Espero que bem.

Bom sem muitas delongas, vamos ao que interessa, de forma crua, visceral e como pede a rapidez e a simplicidade dos três acordes lhes apresento: RAMONES, disco homônimo da grande banda de New York, percursora do punk que foi gravado em 1976.

Na corrida desde 1974, fazendo shows pelo underground nova-yorkino, mas precisamente no histórico “pub” CBGB, não demoraria muito para os Ramones começarem a chamar atenção da indústria fonográfica. Os caras assinam em 1975 com a obscura Syre Records e já em 76 nos brindam com o primeiro registro do punk rock.

Com 29 minutos de duração e um orçamento pífio algo em torno de U$ 6.400 (naquela época as grandes bandas gastavam milhões de dólares nas produções de seus álbuns), é um dos discos mais influentes da história do rock em todos os tempos.

Dado como uma incerteza comercial por não ter feito sucesso nenhum nos EUA, o disco tem como principal particularidade mostrar, que o rock é cru, e não erudito. O rock estava chato, com muitos solos intermináveis de guitarra, o caminho poderia ser tenebroso, é como costumo dizer, “Progressivo falhou, graças ao Ramones, em seu nefasto objetivo de acabar com o rock”. Graças a esse Lp (saudosismo por minha conta) os caras foram parar em Londres. E bandas como The Clash e Sex Pistons chegaram à conclusão que não estavam sozinhas e puderam dar a cara tapa.

Uma simplicidade básica caracteriza o disco do começo ao fim, coisa difícil em uma época onde histórias de dragões solos intermináveis de guitarra (oh, coisinha chata) e epopeias épicas eram uma constante no cenário (Chupa Led Zeppelin). Os caras simplesmente desmontaram tudo e deixaram somente oque realmente interessava. Ou seja, atitude e bom som. Apesar da curta duração das musicas, a lembrança tocante que nos faz lembrar o rock dos anos 50 dão certo ar polido e saudosista e por que não uma dose de “doçura” nas melodias. As letras falam de coisas banais, que poderiam acontecer comigo ou com qualquer um de vocês, por isso é tão mágico, que chega ate a ser comum.

Dissecando a bolacha:

O calhamaço ferrenho é agressivo começa com Joey berrando na sensacional “Blitzkrieg Bop”, que fala dos ataques nazistas na segunda grande guerra, nos apresenta ao velho e bom “Hey ho, lest go” grito de chamada para batalha, vai para insanidade juvenil de “Beat On The Brat”, quem nunca quis bater em um moleque com um taco?

Chega em “Judy is Punk”, história de amor deveras bizarra, de um punk e uma anã, trava tudo e um relaxada em “I Wanna Be Your Boyfriend”, baladinha de amor, o cara só queria uma namorada, nos leva a “Chain Saw”, o que o tédio e uma serra elétrica não podem produzir no Texas? Fala sobre o prazer de cheirar cola (ops) em “Now I Wanna Snif Some Glue”, avisa que existe algo obscuro em porões na singela “I Don`t Wanna Go Down To The Basement”.

Segue com Babacas e mais babacas em “Loudmouth”, esculhambando com CIA (temida central de inteligência americana) em “Havana Affair”. “ Listen to My Heart”, nos apresenta ao velho e bom 1,2,3,4… (Dee Dee, berrando), “53rd And 3rd”, biográfica, fala dos tempos que Dee Dee Ramone teve que se virar como michê nas ruas de Nova York, “Let`s Dance”, um clássico de David Bowie nas voz de Joey. Joey grita oque não quer em “I Don`t Wanna Walk Around With You”, e chega ao final com “Today Your Love, Tomorrow The Word”, como podemos dizer, uma coisa de cada vez.

Com todo esse universo, juvenil e caseiro, os caras abriram as portas para muita gente. Confesso que o Punk Rock me atrai nisso, na simplicidade. Bom para os que se atrevem a entender de rock, tem que passar por isso.

Os magrelos de Nova York tem que ter um espaço relativo em sua estante ou em seu computador (tempos modernos esses).

Com capa em preto e branco, simplicidade a risca, conteúdo altamente inflamável, “Ramones” (1976) é o documento oficial do punk.

E aprendam, sem querer ser repetitivo: “Toda vez que o Rock ficar chato, vai recorrer ao punk para se salvar”. RAMONES FOREVER!

Marcelo Guido é punk, pai da Lanna e Bento, jornalista e radialista.

Caixinha de Música – Conto porreta de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Eu achei a caixinha de música no sótão. O estranho é que desde os doze anos eu não subia ao sótão. Eu achava que era por preguiça de subir os quase quarenta degraus da escada em caracol.

Culpava também meus acessos de espirros no contato com pó. E como havia pó no sótão. Dentro dele os móveis de minha avó estavam cobertos com panos e pareciam túmulos.

Última vez que eu havia estado no sótão foi por ocasião de um jogo entre os times da escola em que criamos bandeiras e eu precisei de pano colorido. Mesmo assim desci rapidamente, largando a única janela aberta o que fez com que mamãe durante a primeira chuva, vendo aquele rio de água descer pela escada, me aplicasse umas palmadas. Hoje eu sei. Eu tinha medo era do escuro do sótão. Tinha medo do seu espaço sempre em silêncio.

Depois achei a caixinha de música. Não, aí então eu criei coragem. Mas também eu já tenho oitenta anos. Agora subo as escadas com o auxílio de uma bengala de cabo rugoso. Lentes de grau espessas e uma paciência que nunca imaginei que criasse. Um pé por vez, pausadamente, como se ensaiasse um passo de balé. Demoro muitos minutos para vencer todos os degraus da escada. E cada dia parece que ela ganha um novo degrau. Antes eu os conferia. Agora deixei de fazê-lo.

Às vezes a roupa me pesa um pouco a mais e eu me dispo, atiro a calça, a camisa, a cueca e os chinelos escada abaixo e eles caem com um barulho de lata no chão. Deve ser pelos botões da roupa e o chinelo com biqueira de aço antiderrapante. Não tenho medo de atingir ninguém com meus pertences. Moro só. Todos partiram.

Da única janela do sótão posso vê-los. Digo, posso ver suas lápides que eu mesmo fiz com um desenho único para cada uma das cinco cruzes no jardim. A menor é a do nosso cão. Morreu de uma descarga elétrica. O único cão que eu soube que morreu atingido por um raio quando urinava debaixo de uma tempestade, em sua árvore favorita.

Da janela eu vejo cada um deles. E ela minha esposa. Era dela esta caixinha de música. Ganhou de presente num bingo da Igreja, mas nunca se afeiçoara a ela. Certo dia quando eu quis saber onde estava respondeu que havia perdido.

Quando ela morreu atropelada por um bando de borboletas enlouquecidas em disparada, fugindo de um incêndio, procuraram a caixinha para entreter uma menina de nome Anne Frank que chorava no velório, entediada. Ninguém a achou. Ficou por isso. Esta ocasião já morava aqui onde moro hoje. A casa era recém-construída. Eu recém-viúvo, os óculos recém-comprados, a unha recém-cortada e ela recém-vítima.

Fazia trinta anos que eu viera de Macapá. Nunca mais regressara. Fiquei só. Desliguei-me do emprego e comecei a pintar. Pintei as cercas que circulam a casa. Os muros. Os sacos de supermercado. As paredes da casa. A mim mesmo. Pintei-me todo.

Por fim não havia amigos que me visitassem ou que me telefonassem, cobrando notícias. Os dias eram enormes e as noites eram dias escuros. Não tendo nada mais a pintar.

Eu ia ao sótão todos os dias. E acionava a caixinha de música. Ouvia as melodias que eram cinco. Ouvia-as inteiras por várias vezes. Depois com saudades de todos, chorava. Estranhamente, um dia, comecei a pintar as lágrimas.

Luiz Jorge Ferreira

*Do Livro Antena de Arame – Rumo Editorial – 2ª Edição (2017) – São Paulo – Brasil.

Minhas ausências involuntárias – Crônica de Elton Tavares – (do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Certa vez, há alguns anos, passei duas semanas sem ir na casa da minha avó paterna. Fico pensando quanto de convívio aquele meio mês me custou. Estas “ausências involuntárias” são muitos ruins. Se você se ausenta ou some por algum motivo que foge ao seu controle é bem triste, principalmente quando quem sente sua falta são as pessoas que você ama.

Eu deveria, por exemplo, me organizar para ir ver mais vezes os meus corações que moram em Belém (PA), periodicamente. Falo da minha sobrinha, irmão e cunhada. Mas por pura falta de empenho, trabalho ou planejamento isso não acontece.

Essa rotina frenética nos afasta de muita gente importante, às vezes chego cansado do trabalho, tomo um banho e vou direto para cama. Mas nunca esqueço de quem amo. Às vezes, já tarde da noite, penso: “eu poderia ter ao menos telefonado hoje, mas agora já não dá mais tempo ”.

Um dia, encontrei um amigo do passado e comecei a me perguntar: por que nos afastamos? Não encontrei motivo algum, foi a vida, nossas prioridades e escolhas, mas o cara ainda é “considerado” um amigo querido. Doideira, né?

Graças a Deus (ou seja lá o nome Dele), tem muita gente que gosta de mim, já passei por diversas turmas, tenho velhos e bons amigos. Quando encontro alguns deles, seja em Belém ou Macapá, sempre rola aquele papo: “pô, vamos marcar algo, será muito legal”. E nunca acontece o tal encontro, falamos tudo da boca para fora, involuntariamente.

Meu falecido pai um dia me disse: “temos que dizer para as pessoas que amamos que as amamos hoje, amanhã pode não ser possível”, concordo.

É isso mesmo. Preciso urgentemente visitar pessoas queridas, prestigiar aniversários e ir a festas de gente que gosta de mim. Tudo isso parece simples, mas, por algum motivo, às vezes deixo de lado. Não sei vocês, mas preciso dar um jeito nas minhas ausências involuntárias.

O amor calcula as horas por meses, e os dias por anos; e cada pequena ausência é uma eternidade” – John Dryden.

Pensem nisso!

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Preâmbulo da Horas – Conto porreta de Lulih Rojanski

Conto porreta de Lulih Rojanski

Havia um moço triste que passeava todas as noites na sala de um apartamento do edifício em frente ao meu. Era angustiante a sua solidão no oitavo andar. Eu havia me habituado a trazer para casa o trabalho do escritório e ficava até altas horas ruminando documentos, trocando ideias com xícaras de café e um maço de cigarros, na companhia das badaladas do velho relógio de parede. Pensava que minha solidão era a maior de todas, até a noite em que o vi pela primeira vez, a passear incansável pela sala à meia luz. Observei que também fumava um cigarro atrás do outro.

Todas as noites ele chegava às 23 horas, tirava, ainda na porta, a camiseta, e a jogava num canto qualquer, depois apagava as lâmpadas no interruptor próximo à porta de entrada, deixando acesa apenas uma luminária de luz opaca, que lhe permitia mover-se sem tropeços. Então começava a andar de um lado para o outro, sem descanso. Às vezes debruçava-se à janela. Outras, desaparecia por outros cômodos. Depois voltava a fumar pela sala, impaciente. À uma hora da madrugada, indefectivelmente, atendia ao telefone, e só então tinha descanso.

De meu apartamento, eu não podia ouvir o toque de seu telefone, mas todas as madrugadas, quando meu relógio de parede soava uma nostálgica badalada, o moço atendia ao telefone. Falava por alguns instantes e tornava a sair, vestindo a mesma camiseta que deixara abandonada num canto qualquer. Algumas vezes deixava o aposento às escuras e só era possível localizá-lo pela brasa pequenina do cigarro, que se acendia como um vagalume na janela.

Nunca o vi durante o dia e creio que ele nunca chegou a me ver, nem de dia nem à noite. À tarde havia um velho cachorro sonolento, um dálmata, que dormia na sacada do quarto de um apartamento ao lado do seu. Por diversas vezes, tive a absurda impressão de que o cachorro morava sozinho, pois jamais presenciei ali qualquer outro sinal de vida. Algum tempo depois, percebi que durante a noite também o dálmata dormia na sacada.

Durante meses nossas noites foram iguais: eu trabalhava até a madrugada, observando o rapaz solitário, suas lâmpadas obsoletas e sua triste pontualidade, o cachorro dormia um sonho de sonhos cansados, e o rapaz andava sem medidas na penumbra da sala, na expectativa inquietante de sua hora marcada. Por muitas vezes, no transcurso dos meses em que o observei, tive o impulso de lhe telefonar. Não sei o que lhe diria. Talvez uma frase piegas sobre o amor e o desamor, ou talvez lhe contasse uma história engraçada, e ele, por um instante, abandonaria o cigarro para gargalhar, para olhar pela janela e ver quanta noite havia no céu cravejado de estrelas. Depois desisti do incômodo desejo de salvar alguém que talvez nem precisasse ser salvo. Continuei a assisti-lo, em sua cronologia obsessiva.

Nas raras vezes em que me deitei mais cedo, continuei a vê-lo, pois quando dormia, ele, iluminado pela brasinha do cigarro, passeava pra lá e pra cá na penumbra dos meus sonhos. Acabei por me irritar com aquela criatura que passara a se intrometer em minha solidão, e por algum tempo deixei de observá-la.

Uma noite, entretanto, vencida pela culpa por ter abandonado o moço à sua própria sorte – como se em algum momento eu tivesse participado dela – tornei à janela. Ele esperava pela ligação. O dálmata dormia. Caía uma chuva de pingos enviesados na noite em que seu telefone não chamou. Ele acendeu todas as lâmpadas da sala, tornou a andar de um lado para o outro, pegou o telefone, conferindo se havia algum defeito, e colocou-o de volta à mesa, devagar, como se não soubesse o que fazer depois disso. Ficou parado diante da mesa, olhando para o telefone. Sob a luz intensa, ele era belo. Tristemente belo.

Acho que odiei a criatura que deixou de lhe telefonar naquela noite chuvosa. Mergulhei em meu trabalho, com a promessa de não me ocupar mais de vidas que não eram minhas, mas quando tornei a olhar para fora, ele estava sentado no parapeito, com as pernas dependuradas no vazio. Nem ao menos fumava. A súbita certeza de que ele ia pular me estremeceu o corpo num calafrio. Ainda hoje, quando recordo, tenho a sensação de vê-lo mergulhando num voo sem volta, libertando-se de sua infinita espera. Acenei-lhe com uma insistência patética, e ele não me viu. Gritei, atribuindo-lhe nomes diversos, talvez nenhum fosse o seu, e ele não ouviu porque havia entre nós o ruído da chuva. Senti um amargo arrependimento por nunca ter procurado o número de seu telefone. Eu beirava o pânico, estava com o telefone na mão para chamar a Defesa Civil e impedir que ele pulasse, quando ele desceu da janela e fechou-a.

Respirei, profundamente aliviada, e fui dormir com a decisão irrevogável de nunca mais me preocupar com o desconhecido. Mas ele estava em meus sonhos, flutuando no ar sob um chuvisco renitente. Quando saí para o trabalho, pela manhã, havia na calçada de seu edifício um ajuntamento de pessoas, homens, mulheres, até crianças, unidos por uma curiosidade mórbida, falando alto, apontando apartamentos. Naquele instante, porém, o mundo para mim ficou mudo. Eu só ouvia meu coração saltando no peito, e talvez ele até me dissesse da culpa que eu teria que carregar por toda a vida por ter dormido indiferente à dor alheia. Abri caminho aos empurrões para ver o que os curiosos viam. No centro do círculo humano, estendido sobre o próprio sangue, e morto, estava o velho dálmata solitário.

*Conto premiado pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo – SP. Publicado na IX Antologia de Contos Alberto Renart – 1996.

Na Unifap: Acessibilidade cultural na educação básica é tema de evento

Debater sobre a formação em acessibilidade cultural no ensino superior e sua aplicação pedagógica, em espaços diversos, com ênfase na Região Norte, a partir do estado do Amapá. Este é o principal objetivo do “I Norte de Arte Acessível: Ciclo de Formação em Acessibilidade Cultural na Educação Básica”, evento que inicia nesta terça-feira, 23 de abril, às 18h30, com a retirada de ingressos para o espetáculo “Nicole Wolfman”, que será exibido gratuitamente e com recurso de audiodescrição às 19h na Sala Preta do Departamento de Letras e Artes (Depla), campus universitário Marco Zero do Equador, em Macapá (AP).

A programação segue até o dia 27 de abril. O evento é uma das ações comemorativas dos 10 anos de criação do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Amapá (Unifap).

O tema do evento é sobre Arte/Educação e Acessibilidade Cultural, destinado a docentes da educação básica, com ênfase às atuações na área de Arte e Inclusão, e estudantes de cursos de Licenciatura. A programação contará com os recursos de Libras, audiodescrição, sinalização facilitada e monitoria de recepção informativa.

A programação conta com três momentos: Seminário Temático, Oficinas de Formação e Mostra Artística e pode ser conferida nos cards ao final da matéria e no site oficial do evento: https://www.even3.com.br/inac/.

Amapá Cena Acessível

O “Amapá Cena Acessível” se configura como o primeiro Festival de Artes da Cena e Acessibilidade Cultural do Estado do Amapá e é a programação cultural do evento. O evento ocorre no campus universitário Marco Zero do Equador e no Espaço Cangapé (Rua Setentrional, 241, bairro Araxá, Macapá-AP).

Haverá espetáculos adulto e infantil e uma exposição de quadros de Rosinaldo Miranda Silva, conhecido artisticamente como M.Silva. O festival encerra no dia 27, às 19h30, com o espetáculo teatral “O Voo da Patativa”, do Grupo de Teatro INAI, de Goiânia (GO), no Espaço Cangapé.

“O Voo da Patativa”, espetáculo concebido pelos artistas criadores Fátima Eugênio, Thiago Santana, Renata Ghizzi, Amanda Mushroom e Maxwell luciano, é uma obra inspirada em poesias e dramaturgias de autores com deficiência visual ou que tratam de contextos de personagens com deficiência visual. Foi criado a partir de uma composição dramatúrgica teatral audiodescritiva, contando com uma atriz audiodescritora e um ator intérprete de Libras.

O evento é realizado de forma conjunta entre a Unifap, a Universidade do Estado do Amapá (Ueap) e o Instituto Federal do Amapá (Ifap), com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Apoio a Eventos no País para a Educação Básica (Paep-EB).

Serviço:

I Norte de Arte Acessível: Ciclo de Formação em Acessibilidade Cultural na Educação Básica
De 24 a 27 de abril de 2024. Evento totalmente gratuito. Informações sobre inscrição e programação geral no site https://www.even3.com.br/inac/.

*Com informações do Grupo de Teatro INAI.
Ascom Unifap

Nunca fui… – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica megalomaníaca de Elton Tavares

Nunca fui sonhador de só esperar algo acontecer. Sou de fazer acontecer. Não sou e nunca serei um anjo. Não procuro confusão, mas não corro dela, nunca!

Nunca fui de pedir autorização pra nada, nem pra família, nem para amigos. No máximo para chefes, mas só na vida profissional.

Nunca fui estudioso, mas me dei melhor que muitos “super safos” que conheci no colégio. Nunca fui prego, talvez um pouco besta na adolescência.

Nunca fui safado, cagueta ou traíra, mesmo que alguns se esforcem em me pintar com essas cores.

Nunca fui metido a merda, boçal ou elitista, só não gosto de música ruim, pessoas idiotas (sejam elas pobres ou ricas) e reuniões com falsa brodagem.

Nunca fui “pegador”, nem quis. É verdade que tive vários relacionamentos, mas cada um a seu tempo. Nunca fui puxa-saco ou efusivo, somente defendi os trampos por onde passei, com o devido respeito para com colegas e superiores.

Nunca fui exemplo. Também nunca quis ser. Nunca fui sonso, falso ou hipócrita, quem me conhece sabe.

Nunca fui calmo, tranquilo ou sereno. Só que também nunca fui covarde, injusto ou traiçoeiro.

Nunca fui só mais um. Sempre marquei presença e, muitas vezes, fiz a diferença. A verdade é que nunca fui convencional, daqueles que fazem sentido. E quer saber, gosto e me orgulho disso. E quem convive comigo sabe disso.

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

Concurso vai escolher identidade visual do cartaz do Círio de Nazaré 2024

A Diocese de Macapá realiza de 22 de abril a 3 de maio as inscrições para a 3ª edição do concurso de escolha da identidade visual do cartaz da festividade do Círio de Nazaré 2024. As inscrições acontecem na secretaria da Catedral São José, no horário de 8h às 12 ou de 14h às 18h e são gratuitas. Clique aqui e confira o Edital do Concurso. Confira aqui os elementos gráficos para a arte do cartaz.

O edital do concurso foi publicado na segunda-feira (15/4) com as regras para participação e orientações aos candidatos. O vencedor do concurso recebe um prêmio no valor de R$ 1 mil (um mil reais) e a apresentação do cartaz acontece no dia 20 de maio, às 11h, na Catedral Histórica São José.

De acordo com o edital, para participar o candidato deve no ato de inscrição apresentar a versão impressa do cartaz de acordo com as medidas exigidas no documento, bem como deverá disponibilizar a versão editável do arquivo em CorelDraw e em pdf para avaliação da comissão organizadora. O candidato também deverá comprovar residência no Estado do Amapá por meio de documentos válidos para isso.

Com a publicação do edital a Diocese de Macapá também anuncia o tema e o lema do Círio de Nazaré deste ano que nortearão as reflexões da festividade. O tema escolhido pela comissão organizadora foi “Em oração com Maria aprendemos a amar e servir, para que o Reino de Deus aconteça!” e o lema com a inspiração bíblica “ Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38).

Segundo a comissão organizadora, a temática do Círio deste ano é baseada na “oração com Maria, que é para nós modelo de amor e serviço. Isso significa que a oração do cristão tem como finalidade não tanto obter alguma coisa ou alguma graça, mas fazer com que estas atitudes realizem o Reino de Deus que Jesus veio anunciar”.

Serviço

Concurso para escolha do Cartaz do Círio de Nazaré 2024
Inscrição: 22 de abril a 3 de maio de 2024
Local: Secretaria da Catedral São José – Av. Gen. Gurjão, nº. 588 – Bairro Central – Macapá-AP, em horário comercial, das 8h às 12h e de 14h às 18h.
Informações: (96) 9 9139-0682 – Pastoral da Comunicação | (96) 9 9167-4731 – Secretaria do Círio de Nazaré

Diocese de Macapá
Pastoral da Comunicação: (96) 98414-2731

Abertas inscrições para submissão de resumos em evento sobre arte-educação e acessibilidade cultural

A coordenação do I Norte de Arte Acessível: Ciclo de Formação em Acessibilidade Cultural na Educação Básica está recebendo a submissão de resumos expandidos para apresentação durante o evento, que ocorrerá de 24 a 27 de abril de 2024 na Universidade Federal do Amapá (Unifap) e na Universidade do Estado do Amapá (Ueap).

Interessados têm até 20 de abril para inscrever seus resumos no site https://www.even3.com.br/inac/, que devem ser nas áreas temáticas “Prática Pedagógica e Artística de Acessibilidade Cultural em Espaços Diversos” e “Prática Pedagógica e Artística de Acessibilidade Cultural na Educação Básica”.

O I Norte de Arte Acessível: Ciclo de Formação em Acessibilidade Cultural na Educação Básica busca problematizar a formação em acessibilidade cultural no ensino superior e sua aplicação pedagógica, em espaços diversos, com ênfase na Região Norte, a partir do estado do Amapá.

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO COMPLETA

O evento é realizado de forma conjunta entre a Unifap, a Universidade do Estado do Amapá (Ueap) e o Instituto Federal do Amapá (Ifap), com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Apoio a Eventos na País para a Educação Básica (Paep-EB).

O tema do evento é sobre Arte/Educação e Acessibilidade Cultural, destinado a docentes da educação básica, com ênfase às atuações na área de Arte e Inclusão, e estudantes de cursos de Licenciatura. A programação contará com os recursos de Libras, audiodescrição, sinalização facilitada e monitoria de recepção informativa.

A programação conta com três momentos: Seminário Temático, Oficinas de Formação e Mostra Artística. O “Amapá Cena Acessível” se configura como o primeiro Festival de Artes da Cena e Acessibilidade Cultural do Estado do Amapá e se configura como a programação cultural do Evento.

O I Norte de Arte Acessível: Ciclo de Formação em Acessibilidade Cultural na Educação Básica é uma das ações comemorativas dos 10 anos de criação do Curso de Licenciatura em Teatro da Unifap.

Serviço

I Norte de Arte Acessível: Ciclo de Formação em Acessibilidade Cultural na Educação Básica

De 24 a 27 de abril de 2024. Evento totalmente gratuito. Submissão de resumos expandidos podem ser realizadas até 20 de abril. Inscrições para o congresso, programação geral e submissão de resumos estão sendo realizadas no site https://www.even3.com.br/inac/.

Ascom Unifap

Hoje é o Dia Mundial da Terra (data para reflexão sobre o nosso lar no Universo)

Hoje é o Dia Mundial da Terra. A data foi criada em 1970, pelo senador norte-americano Gaylord Nelson que resolveu realizar um protesto contra a poluição da Terra, depois de verificar as consequências do desastre petrolífero de Santa Barbara, na Califórnia, ocorrido em 1969.

Desde então, no dia 22 de abril, milhões de cidadãos em todo o mundo manifestam o seu compromisso na preservação do ambiente e da sustentabilidade da Terra. Neste dia educativo escrevem-se frases e poemas sobre a importância do planeta Terra nas escolas, entre outras atividades.

É possível juntar-se a atividades existentes, criar eventos próprios, doar dinheiro, ou tomar simples atos como plantar uma árvore ou separar o lixo, por exemplo.

O Dia Mundial da Terra conta já com mais de mil milhões de atos realizados em prol do ambiente ao longo da história. É o maior dia do ano para o planeta Terra, desejando que todos os habitantes do mundo realizem algum ato que o proteja. Este ato será uma espécie de semente para regar durante o resto do ano.

Nesta data são debatidos temas como aumento da temperatura global da Terra; extinção de espécies animais; aumento do nível dos oceanos; escassez de água potável; maior número de catástrofes naturais, como tempestades, secas e ondas de calor.

Há muitos anos, quando eu era ignorante sobre a importância do assunto, jogava lixo nas florestas, no Rio Amazonas ou em qualquer lugar inapropriado. É essencial que tenhamos sensibilidade, educação e consciência sobre a preservação do nosso lar no Universo. O mundo está morrendo, aos poucos, mas está. E a fragilidade do nosso planeta precisa ser explicada para podermos adiar a extinção dele e, consequentemente, a nossa.

“Senhor cure a nossa vida, para que possamos proteger o mundo e não o depredemos, semeando beleza e não poluição e destruição” – Papa Francisco.

Elton Tavares
Fonte: Calendar