Devaneio de hoje: se o mundo acabar, minha vida valeu a pena!


De acordo com o Calendário Maia, o fim do mundo está previsto para o próximo dia 21 de dezembro de 2012. Claro que, a exemplo do furor de 1999, todos nós achamos isso uma grande bobagem. Mas ontem, durante um devaneio, pensei na hipótese. 

Se tudo for inundado, virar pó ou até mesmo fogo, posso dizer que nestes meus 36 verões, vivi, no mínimo, uns 40 anos. Tudo de forma intensa, visceral e autêntica. 

Curti, amei e honrei minha família e amigos; namorei muito; viajei bastante; bebi demais; comi mais ainda; amanheci com amigos incontáveis vezes; dei porrada em safados de todo tipo (verbal e fisicamente); assisti shows de rock; escrevi e disse o que quis para quem gosto e para os que detesto; pulei carnaval; vi o Flamengo ganhar vários títulos e a seleção brasileira ser campeã do mundo duas vezes; trabalhei e fui reconhecido; fui amado e também odiado quase na mesma proporção. 

Como diz a música My Way (Sinatra): “eu amei, eu sorri e chorei, tive minhas falhas, minha parte de derrotas, mas fiz do meu jeito”. E tudo com muita honra, talvez um pouco de malandragem, mas sem desonestidade ou covardia, pois “quem não tem valor, tem preço”. Portanto, se tudo acabar, valeu a pena. Ah, se valeu! 

*Sei que os Maias estão errados, mas se por um infeliz acaso, os FDPs estiverem certos, que todos nós levemos o farelo. Pois se ficar uns gatos pingados pra contar história, é sacanagem!

Elton Tavares

10 maneiras de ser um bom jornalista (risos)


Mais cedo ou mais tarde o foca percebe que precisa de algo mais para imegir socialmente entre os novos colegas jornalistas. Ser legal não é suficiente. Ser bonita(o) serve, mas apenas para o sexo oposto – e às vezes para o mesmo, também. Ser muito inteligente causa discórdia. Para que o pobre neófito redacional não se sinta perdido ao adentrar no viveiro de cobras malcriadas da redação, eu ofereço aqui carinhosamente algumas dicas preciosas. Mas atenção: não me responsabilizo por eventuais efeitos colaterais.

1 – Seja escroto

Caso você ainda não saiba, ser bonzinho está totalmente fora de moda. Só é respeitável o jornalista que tem pinta de malvado e fala muito palavrão. É claro que poucos são maus de verdade, mas o importante é a aparência. Você nem precisa ser totalmente perverso; basta demonstrar um certo viés negativo, obscuro, como se estivesse perdendo a luta para não se deixar levar pelo lado negro da força.

Quando as pessoas olharem para você, não é necessário que vejam um psicopata completo. Meio psicopata já basta. Sua imagem deve deixar uma leve incerteza no ar sobre se você realmente tropeça velhinhas na rua, cuspiu no tapete do Papa ou peida em elevador cheio.


2 – Fale mal de tudo

É uma clara continuação do primeiro tópico: nunca algo estará satisfatório para alguém realmente malvado. No seu jornal, o pauteiro é burro, o editor é anta, o chefe é jumento, a empresa é uma Arca de Noé e os textos publicados são todos uns excrementos – exceto o seu e de um ou outro amigo próximo. Aliás, quando o seu texto sai ruim, a culpa é do editor. E se você é editor, obviamente, os repórteres é que são os analfabetos.

Se este procedimento for feito da maneira correta, em vez de ser execrado você será respeitado. Eventualmente poderá ser demitido, mas continuará respeitado.

3 – Use drogas

Não só as lícitas, seu bundão. Mas comecemos por elas. Encher a cara é elementar para interagir, de preferência tendo várias histórias hilárias de porres. Quanto maior o ridículo já passado por conta do álcool, maior respeito ser-lhe-á imputado.

Um dia desses conheci um antigo repórter da Província e do Diário perambulando como mendigo na rua, barba de noé, fala atrapalhada, mas frases coesas. Ele contou rápido sua história, citou muitos jornalistas que conhecia e no final, disse “perdi para a cana…”. De súbito, me veio um respeito enorme por ele.

O cigarro também dá um certo ar de confiabilidade. Não se preocupe, ninguém olha para seu pulmão preto. E cada vez menos jornalistas se preocupam em negar o uso da maconha, já tão comum. O fininho é útil, pois dá um ar de guerrilheiro zapatista. Já outros entorpecentes não são assim muito necessários, mas se quiser usar, tanto faz. O que é um peido pra quem tá cagado?


4 – Tenha pose

No fundo, jornalistas se acham. No raso, têm certeza. Treine o olhar de Clark Gable, segure o cigarro com pose de atores dos anos cinquenta e mentalize “eu sou safo” como um mantra. Tudo isso ajudará a convencer os outros e você próprio do estupendo glamour da profissão. Você tenta se segurar, mas isso exala inevitavelmente do seu ser.

Sua pose deve mostrar o quanto você é mau. Na hora do trabalho, é interessante alternar momentos de gargalhadas em altos decibéis com olhares de seriedade profunda. Só não alterne demais os dois momentos, porque esquizofrenia e bipolaridade ainda não são desejáveis na redação. A não ser que você seja chefe, claro.


5 – Auto promova-se

De vez em quando comece frases com expressões do tipo “quando eu ganhei o prêmio tal…” e “porque a minha manchete de ontem…”. Jornalista não tem o menor pudor em se exibir. Em qualquer trunfo passe verniz, multiplique por três e propague com um certo tédio, como se já fosse corriqueiro na sua vida.

Em momentos que quiser mostrar sua humildade e modéstia, solte frases com a seguinte fórmula: “Fulano nunca ______(algo que você já fez) e já tá se achando”. Por mais ridícula que a auto promoção soe, é incrível como funciona. É uma espécie de marketing pessoal extremo.

Óbvio que se você exagerar, vai acabar sendo mal visto. A não ser que seja chefe, claro. Chefe é sempre mal visto.


6 – Seja uma pseudo-enciclopédia

Seja metido a saber de tudo. Soltar jargões profissionais de qualquer área faz você parecer muito safo. Afinal, em poucos meses de labuta, qualquer estagiário já entrevistou macumbeiros, astronautas, artistas querendo aparecer, políticos querendo desaparecer, físicos nucleares, policiais torturadores e até acopladores de carga de caneta Bic. Basta escrever uma matéria especial sobre construção civil para o jornalista ganhar especialização em engenharia.

Assim, você sempre sabe um pouco mais do que todo mundo. Sobre qualquer fato relevante na política e economia, você é capaz de soltar “mas isso não é tudo” ou “tem muita coisa por trás disso que vocês não sabem…”. Nunca revele o segredo, claro. Apenas deixe no ar que seu conhecimento sobre o tema tem a espessura e profundidade de um buraco negro alargado pelo Kid Bengala.


7 – Seja competente

De forma alguma chega a ser uma condição impreterível, mas até que ajuda. Mas atenção: só tem o efeito esperado se praticada em conjunto com as últimas duas dicas.


8 – Seja estranho

Jornalista não é muito normal e tem orgulho disso. A esquisitisse é uma forma de se diferenciar dos seres inferiores – tipo publicitários, marqueteiros e afins. Então aflore seu lado underground e regue sua genialidade incompreendida. Use roupas “originais”, tenha seu próprio “estilo” e demonstre “personalidade”, assim mesmo, entre aspas. Lembre-se: qualquer coisa diferente e de difícil compreensão tende a ser respeitada.


9 – Dê para alguém

Não é só dar uma vezinha. E também não é para qualquer um. Namorar um superior ou veterano de redação pode ajudar na interação com os demais colegas. Vale para relações homo e hetero, já que redações são apinhadas de viados. Se não funcionar para ganhar o respeito de todos, ao menos de seu par você já conseguiu.

Agora, se quiser sair dando para todo mundo, ninguém vai reclamar. Só temo que isso afaste você do objetivo deste post.


10 – Integre-se a uma panelinha

Essa aqui vale até para grupos de cefalópodes. Se depois de tudo isso você não ganhar a simpatia dos colegas, faça vestibulinho pra publicidade e seja feliz.



Meu coment: Não concordo com tudo, mas achei muito engraçado. Como melhor jornalista lá da minha casa e revisor de textos de amigos, já vi essas caracteristicas acima em várias pessoas e em algumas, todas elas.

Fim do mundo: credenciamento para a imprensa


Deus, o Todo-Poderoso, por meio da Pauta Celestial Comunicação, informa aos jornalistas interessados que, a partir da segunda-feira, dia 10 de dezembro, está aberto o credenciamento para o fim do mundo, marcado para o próximo dia 21.

Os repórteres credenciados terão direito a participar no dia 20 de dezembro do Grande Jantar de Despedida do Mundo – a Boca-Livre Final, evento apenas comparável à Santa Ceia. Na ocasião, Deus apresentará os detalhes do apocalipse.

No dia 21, os fotógrafos credenciados terão direito a ocupar pontos estratégicos em maremotos, terremotos, quedas de asteroides e no show de 12 horas ininterruptas de Valesca Popozuda e Mulher Melancia, cujas bundas despencarão às 21 horas e 12 minutos do dia 21/12, ponto máximo da desgraceira toda.

Para fazer o credenciamento, os jornalistas devem acessar o site da Pauta Celestial Comunicação – http://www.pautacelestial.ceu – e preencher o formulário, listando, inclusive, os pecados mais graves cometidos nos últimos 5 anos.

Como somos todos filhos do Dono do evento, é importante destacar que jornalistas da TV Globo não terão privilégios na cobertura. É também uma blasfêmia a informação que circulou nas redes sociais de que o fim do mundo só começaria depois da novela das 9 e teria a apresentação de Fausto Silva.

Mais informações sobre o credenciamento:

Pauta Celestial Comunicação
Anjo Gabriel – [email protected]
Anjo Rafael – [email protected]
Anjo Otoniel – [email protected] 

Hoje rola “Strikinação” na Casa Fora do Eixo


O grupo cultural Coletivo Palafita realiza nesta quinta-feira (29), às 21h, na Casa Fora do Eixo, a Strikinação. O evento contará com poesia sonora, música experimental, conversas, projeções, venda de comidas e bebidas. A entrada será franca.

Serviço: 

“Strikinação” na Casa Fora do Eixo
Local: Casa Fora do Eixo, localizada na Avenida Henrique Galúcio, Nº 820, centro de Macapá.
Hora: a partir das 21h.
Entrada: franca.

Elton Tavares

Há quatro anos


O fotógrafo Ricardo D’Almeida me enviou essa imagem com o seguinte comentário: 

Uma noite que poderia muito bem ser esquecida. A foto é 29 de novembro de 2008, era a última prévia, de uma série de quatro, do que veio a ser o primeiro Festival Quebramar.

A foto está horrível porque algumas pessoas que estavam do meu lado, após me verem fazendo esta primeira e desastrosa foto, me aconselharam (me meteram medo mesmo) a não fotografar… Acho que por questões de segurança, foi um bom conselho, afinal, os ânimos estavam extremamente exaltados naquela noite.

Uma horda de gladiadores que se despedaçam amontoados no portão de saída do saudoso Liverpool. Dá pra ver nitidamente também um hermano torcedor da argentina, tem doido pra tudo”

Meu comentário: naquela noite, neguinho aprendeu, do pior jeito, a respeitar as amigas e namoradas dos outros, pois infelizmente, em alguns momentos extremos, um (ou uns) murros valem mais que mil palavras. 

Elton Tavares

Um sábado à noite


Sábado a noite. Tem muita gente em clima de festa e outros tristonhos, preocupados consigo mesmo ou com pessoas que amam. Gente desfilando, outras bebendo e muitos aflitos por um leito de UTI. 

Há encontros frustrados, amizades desfeitas, fins de namoro, encontros e desencontros pela vida, como disse Vinícius. 

Sábado de sexo banalizado, bebedeiras loucas, alegrias, orações e muitas expectativas de melhora. Risos e lágrimas. Noite barulhenta e silenciosa. 

Mães abatidas por filhos irresponsáveis e pais orgulhosos por filhos pegadores. 

Num sábado à noite, as boites bombam e os hospitais também lotam. 

Mais uma festa, mais um prato cheio para efusivos, insatisfeitos, insanos e até pessoas normais, carregadas de responsabilidade. 

Desejos, promessas, arrependimentos, resignação e diversão. Um sábado a noite festivo para muitos e dramático para nós, desolados e preocupados com um ente querido. 

Enquanto você curte ou reclama da vida, tem gente lutando por ela. Tudo isso num sábado à noite. Depende de que lado da balança você está. 

Elton Tavares

A mais importante passagem de Chico Science pela cidade de São Paulo.


Certa feita, era dia de semana, no quintal dos cumpadres Dani e Lula, ouvi Bráulio ensinar algo assim para uma plateia de ouvidos curiosos, no Poço da Panela, Recife, Pernambuco:


– Já contei que Mr. Tambourine Man foi escrita a partir de um encontro entre o senhor Dylan e o senhor Jackson do Pandeiro, no Rio de Janeiro, na Feira de São Cristóvão?

A partir daí, com uma narrativa e desenvoltura que só caras da envergadura literária dele mesmo – e mais meia dúzia, atualmente, conseguem conduzir – Bráulio nos levaria pela mão através dos corredores enfumaçados até chegar na biboca onde Jackson tocava e Dylan, ao ouvir meia dúzia de palavras cantadas pelo pequeno sujeito que cantava como quem dispara uma metralhadora melódica, sentou num banco de plástico fuleiro para ouvir, embasbacado. Cada vez que Jackson terminava um coco envenenado, senhor Dylan dizia Senhor Pandeirista, toque uma canção para mim. Foi assim até o ponto de Jackson ter que parar com os pedidos sob uma resposta amedrontada.

– Hôme, deixe eu ir que já tá tarde, senão Almira me mata quando eu chegar em casa.

Isso foi em 1964. E é um prefácio daquilo que preciso contar a vocês, que eu mesmo tive o prazer de ouvir da boca de quem estava lá e viu tudo de perto, em pequenas rodas de amigos. Foi assim.

Era 1994. Pouco antes de fazer a última audição do álbum – uma labuta sofrida, todo mundo na pindaíba, uns querendo desistir, outros não, e insistindo para os desistentes mudarem de ideia – Chico parou numa esquina para tomar um café. Rua Augusta, São Paulo, fim de tarde. A audição estava marcada para daqui a pouco, mas Chico queria ouvir alguém, um amigo. Pediu um café, pediu para cancelar, pediu uma cerveja. Olhou ao redor e nada. Resolveu trancar-se um pouco nos seus pensamentos que já estavam pensando melhor, desde o almoço, e que agora continuariam em evolução e ebulição. Samba Makossa estava fechada, sabia que iria adiante. Isso dava ao seu estômago uma garantia de que os últimos dois anos de trabalho abririam uma porta importante dali por diante. Samba Makossa o deixava confortável. Mas tinha algo embrulhado no bucho de Chico e não era a empada tenebrosa da padaria. 

Era um sentimento de que algo ainda poderia mudar o prumo da prosa por inteiro. Bebeu a cerveja até o fim, já estava anoitecendo, preparou-se para levantar e pagar quando, pela entrada da padaria, viu entrar, todo de preto, cabeça baixa, sozinho, sozinho, o senhor Dylan. Nem fumei hoje. Senhor Dylan? O senhor balançou a cabeça fazendo sinal de negativo, mas puxou Chico pelo braço, dizendo em português fajuto, espanhol pior ainda. Si, sou yo. Mas no fala. Sentaram no canto da padoca, pediram mais duas cervejas, saíram em disparada no assunto, rumo ao nada, o vazio do desencontro inesperado, pois aquilo era mais desencontro que encontro – dali ninguém sairia como entrou.

O padeiro estava acostumado com o senhor Dylan por ali. Mas aquele rapaz de Recife, trejeito de tudo quanto era jeito, um menino que todo mundo já tinha comentado Esse aí vem pra arrebentar, mô véi (mô véi que vem do latim meu velho e numa típica referência às gírias pernambucanas – melhor: olindenses – de Chico, eram uma maneira de aproximar quem estava distante – chamar de mô véi era oferecer um abraço, uma luva num dia de vento frio, um picolé Chicabon na praia).

– Senhor Dylan, hoje tem a audição do álbum, bora comigo? É aqui do lado.

O senhor Dylan e Chico chegaram ao estúdio minúsculo e a banda estava toda lá. Dengue soltou um putaqueopariu, todo grudado assim mesmo, que é como se diz quando a gente quer dizer um puta que o pariu mais invocado: putaqueopariu. Todo mundo ficou silencioso e Lúcio, desenrolado na língua estrangeira nativa do hôme, mandou logo um papo reto dizendo que, com o mestre ali dentro, o mínimo que eles poderiam fazer era muito silêncio para que o álbum tocasse em paz até chegar no cérebro do senhor Dylan. Foi-se uma, duas, três músicas. Parem. Toquem de novo. Silêncio. Toquem de novo. Parem. Toquem, toquem, toquem de novo. Senhor Ciência, toque de novo essa canção para mim. Essa canção, Macaxeira, Imbiribeira, Bom Pastor, toque, toque. É essa.

E foi nessa noite que só acabou na manhã seguinte que Chico e o senhor Dylan selaram uma amizade que durou até quando o tempo quis. E o senhor Dylan, em pequenas rodas de amigos, ainda confessa a surpresa ao ouvir da boca de Lúcio que os rios, pontes e overdrives existem. E estão lá.

– Ei, senhor da gaita no pescoço. Toque uma canção pra mim.

Disse Chico, certa feita. Era um boa noite, sendo que dito de um melhor jeito.


*Surrupiado do Facebook da jornalista Cíntia Souza. 

Quando ninguém mais interessa

Quero falar sobre o assunto que mais importa aqui, eu.

Eu, queria apenas ter você por perto, pra conversar ou ficar em silêncio juntos. Porém, você, tinha outras prioridades e desejos.

Eu, precisava entender que cada um tem seu próprio tempo e, não era desamor ou descaso por parte de você, era apenas outra sintonia.

Você, queria mais espaço e eu não soube entender.
Eu, acreditava estar certo na maior parte das brigas e você, sempre achava que discutir era exagero.

Você, falava pouco e eu, exigia que tudo ficasse claro.
Eu, criava expectativas sobre você, que você, nem sonhava ser capaz de realizar…
E, nessa história assim como em todas as outras, o “eu” também cansou de falar sozinho e o “você” passou a sentir falta daqueles murmurinhos.

Nós todos conhecemos histórias parecidas e igualmente confusas. 😉

Hellen Cortezolli

Sei que se movia

Por Ronaldo Rodrigues

Sei que se movia numa região pantanosa.

Entre a muralha do castelo da realidade e seu coração, havia uma ponte elevadiça há séculos emperrada.

Setenta anos se passaram sem notícias dele. A cidade não dormia. Ele tinha levado não só o sonho, mas o sono de toda a gente. E somente aos domingos, embaixo da árvore da dúvida, era permitido falar nisso.

Sua família amealhou posses. Seus irmãos enriquecidos ostentavam poses. E sua amada chorava entre a espada cega da verdade e a colcha de retalhos de tristeza que tecia na beira do cais desde que ele sumiu no mundo, submundo, imundo, mundano. Sua casa foi comida pela hera. Era após era. Após hora.

Quando ele retornou, numa quarta-feira de cinzas, comandando a nau do esquecimento, sua barba o escondeu tão bem que nem seu cachorro Madrugada, grande devorador de sábados, o reconheceu. E seu irmão gêmeo jurou nunca ter visto aquele rosto.

Quando ele pousou o pé descalço sangrando gotas de azul e pisou o território selvagem de sua infância, a sombra da torre da igreja, muito antiga e já desprovida de sinos, soou do meio-dia às seis da tarde. O pássaro do dia, que há muito não voava pelo firmamento da imaginação, abriu suas asas e fez o silêncio despertar as nuvens, que partiram céleres levando uma notícia muito boa para um país muito longe.

No outono, veio a revelação. Quando sua barba caiu por completo, seu melhor amigo de infância, que se tornara próspero comerciante, lhe cobrou aquela dívida de jogo, motivo de sua fuga.

Então, a cidade inteira o reconheceu, o cercou junto ao poço da solidão e passou a devorá-lo como antigamente. Só as árvores o reverenciaram, tangendo no deserto da noite um rebanho de estrelas cadentes.

Reciprocidade e impulsividade

                                                                                  

Pensando aqui com os meus botões, entrei em mais um dos devaneios e auto-análises. Muita gente me chama de impulsivo, tudo bem, apesar de ser muito menos que antes, sou um tanto passional de mais em algumas situações. 

Sou verdadeiro. Trato todos que amo bem, muito bem e espero reciprocidade neste setor. Porque em minhas relações, sejam de amizade, familiar, amorosa ou profissional, as cartas estão sempre na mesa.

Vamos por partes. O conceito de reciprocidade diz que se deve responder a uma ação positiva com outra ação positiva e um ato negativo da mesma forma. Não tem nada haver com aquele papo de altruísmo, porque só Deus te ama sem dares nada em troca.

Já a impulsividade, para muitos, é a falta de controle emocional. Mas eu prefiro o meu descontrole transparente do que figuras dissimuladamente centradas. Sou do tipo que briga pelos que ama, daquele que chega dando porrada, até em deuseomundo, se preciso for. Confio em poucas pessoas e elas em mim, pois é uma via de mão dupla, sem papo furado, sem meias verdades, tudo preto no branco e é assim que deve ser.

Não gosto de correspondência sentimental extraviada ou cognitiva, do tipo “você não entendeu”. Porra! Seja claro, sempre. E isso não tem nada haver com ser afobado.

Senão, acontecerá como já ocorreu com muita gente, um arquivo de memórias secas, de um passado nada saudoso.

Então, amigos leitores, fiquem cabreiros com gente muito boazinha, evoluidinha, sem defeitos e com muuuuitos amigos. Este ser humano é uma farsa. Gosto mais de amigos imperfeitos que dizem a verdade, sempre. Detesto santinhos, coitadinhos e afins, que exalam falsidade, futilidade e ignorância por todos os poros, disfarçando algum interesse específico. É isso!

Elton Tavares

Ainda nem é de manhã


Eu nem tinha caneta nem papel pra começar isso. Já era de manhã quando iniciei, após me levantar da cama sem ao menos ter dormido um segundo. Entre anseios, problemas, inquietações e virgulas, meus pensamentos corriam mais que um atleta queniano, mas minha vontade de redigir em um papel estava mais morta que as pernas de stephen hawking. No meio dos pré-socráticos, camisinhas, copos sujos, um disco de uma banda punk que não gosto e um livro costurado de um amigo, encontrei minha vontade perdida. Já nem sei que horas são, daqui onde estou não dá pra ver a luz, pois o vizinho tapou a janela colocando uma parede, maldito vizinho, se pudesse o matava. Minha cabeça faz mais barulho em meio ao silêncio dessa casa. A dicotomia do sim e do não duelam entre o café fervendo. Os pensamentos conflitantes me incomodam mais que panelas das donas de casas acordando. Se eu tivesse algo pra me orgulhar não estaria escrevendo, ainda não sei o que é vencer, nem chegaria ao pódio com essa letra feio e um texto sem nexo com pontuação incorreta. Ontem um briga, camas separadas, falsos sorrisos, a tristeza nunca escreveu nenhuma mentira, mas eu já menti. Ainda é de manhã e eu nem dormir, mas a única coisa que quero é acordar pra alguma coisa e voltar ao mesmo lugar pra repousar.

A insônia


A insônia é uma senhora má, mas que às vezes é benéfica.  Pois a total ausência do sono nos faz ler, ouvir música, assistir filmes ou seja lá o que for que você faz para sorver conhecimentos e sensações para compensar a noite de sono prejudicada. 

No meu caso, leio, reflito, converso, escuto canções e rabisco textinhos. Enfim, tento transformar o indesejável em lucidez para fertilizar as ideias.

Durante as insônias, penso sobre o quão certas estão minhas certezas e incertezas.  Dou risadas de desatinos e lamento o politicamente correto.  Tudo por causa de fotos, músicas, vídeos, textos, além de bocejos em vão. É, noites acesas e manhãs cansadas.

O relógio me aflige, pois tenho trabalho cedinho. Aí lembro daquelas duas latas de cerveja na geladeira. A insônia que teme, pois agora ela se lascará. 

Como disse cazuza: “todo dia a insônia me convence que o céu faz tudo ficar infinito” ou o poeta e escritor Mario Quintana: “há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer”. É isso aí!

Elton Tavares