Ser paradoxal – Crônica de Elton Tavares

Crônica de Elton Tavares

Sabem, escrevo textos, em sua maioria, sobre fatos ocorridos comigo ou que vi acontecer. Noutros poucos, relatos que misturam confissão e ficção.

Essas crônicas, quase todas autobiográficas, fazem um mapa do Elton paradoxal. Sim, como alguns criticam, o escrito é sobre este jornalista (portanto, se não quiser saber, nem continue. Vá ler algo útil).

Esse paradoxo é constante, entre um figura espinhoso e amoroso no mesmo avatar, mas quem não é um tantinho “contradizente” em seus respectivos universos pessoais?

Vou explicar. Já subi a ladeira com falsos caretas, mas preferi descê-la com os malucos sinceros. Detesto amizade de mão única, seja na diversão ou nos negócios. Tem que ter reciprocidade sempre.

Aliás, pra mim a palavra dada não faz curva. O que não posso dizer de muitos “parceiros”.

Levo a vida de maneira apaixonada pela família, namorada, amigos, boemia e trabalho. Aliás, minha família é PHODA e LINDA. Que fique registrado.

Observo as asas e até voo alto, às vezes. Viajo, literalmente pra outro lugar ou dentro da minha cabeça, mas sempre volto a colocar os pés no chão, pois nunca traio a minha raiz, a base, o meu próprio código de honra. Sim, vivo nos meus termos, com algumas concessões necessárias.

Porém, ao mesmo tempo que amo demais os meus, peso a mão em alguns momentos (com estranhos sempre), até com os afetos.

É o paradoxo. “De um lado este carnaval, de outro a fome total…”, diria Gilberto Gil.

Minha personalidade é fanática por mim mesmo, cheia de verdades rasas e profundas. Mas se eu errar, peço desculpas verbais e escritas. Sem medo ou orgulho.

Me embriago de cerveja, vinho, música, literatura, cinema, neuras, virtudes. Vivo os dias por obrigação, ofício ou dever, e também com altas doses de prazer. Gosto do que faço, pois, por ser jornalista e escritor, vivo literalmente de palavras. Entretanto, amo mesmo é a vida noturna, seja colado na mulher amada ou nas rodas de birita, músicas e conversas de um bar. Tenho a sorte de ainda tomar mais cachaça que remédios.

Apesar de, profissionalmente, conviver com o poder, nunca me deslumbro, pois sei que não sou mais que um peão no tabuleiro. Porém, trato isso com muita responsa e respeito, pois é o trampo que paga a vida que gosto de ter. O lance é não se deixar cegar na jornada.

Não sigo cronologia, misturo tudo. As crônicas que redijo são cheias de memórias afetivas, vivências, tomadas no cu e vitórias (que são a maioria, ainda bem). Nunca passo em brancas nuvens. Sempre marco presença, seja para o bem ou para o mal. E haja proteção celeste nos N assuntos cabulosos que dou uma de enxerido com meus achismos.

Como já disse em outra crônica: “Escrevo para não deixar meus pensamentos parados”.

O mais legal é que, agora, sigo 90 por cento menos marginal, brigão ou maquiavélico, mas sempre anarquista, graças a Deus.

É… Já fui malandro, dotô, hoje estou regenerado, já dissertam os Titãs na música “ Senhor Delegado / Eu Não Aguento” (que serve como uma luva para este cronista).

É… “Já fui macaco em domingos glaciais”, no dizer do Raulzito, na canção “S.O.S.”

No resumo da ópera rock, trata-se de um mero relato das experiências vividas. Algumas digressões do passado e fatos do presente, com menos salas esfumaçadas, mas sempre com cervas enevoadas ou vinho tinto. Ou trabalhando muito para pagar tudo isso.

Sigo, com menos frequência, pelos bares, botecos, demais locais de habituais e divertidas bebedeiras sem a necessidade de criar roteiros. Muitos desses encontros etílicos viraram crônicas, como os excelentes papos molhados com o Fernando Bedran, o libanês da cidade velha paraense.

Tento ser um “dizedor de verdades”, como diz o poeta Luiz Jorge. Mesmo com minha língua/caneta ferina (melíflua e exata – Uma beija e a outra mata), no olhar do escritor Fernando Canto.

Tento não redigir frases cegas com meu humor cínico ou achismo ácido. Como tô no parafrasear de muitos ídolos, grifo a Rita Lee Jones, que virou saudade há pouco tempo: “Onde quer que eu vá, lá estarei eu” e “mistério sempre há de pintar por aí”, Gilberto Gil, de novo.

É… O Elton Tavares, como gosto de assinar minhas crônicas e textos de trampo; ou o Godão, personagem boêmio que percorre os piores e melhores bares de Macapá desde a primeira metade dos anos 90, são dois lados da mesma moeda.

O bem e o mal? Não sei dizer. Cada um com muitas coisas que gosto e peculiaridades que detesto, mas que são elementos do ser paradoxal. O inventário dos meus arrependimentos é muito menor do que as merdas que fiz e valeram a pena.

Sim, sigo meio emburrado e meio boa praça, cheio de amor, um pouco de ódio, muita coragem, meio altruísta e meio egoísta, sempre com pouca paciência. Despudoradamente sincero e original, porém felizão nessa roda viva do viver e aprender. É isso!

Elton Tavares

Não deu pra escrever algo legal. Então vamos beber! – Crônica de Elton Tavares – *(Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bençãos e Canalhices Diárias”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica de Elton Tavares

Mesmo que minha vontade grite em meus ouvidos: “escreva, escreva”, a força criativa não estava muito inventiva na sexta-feira. Mesmo assim, resolvi tentar atender tais sussurros.

Você, meu caro leitor, sabe que gosto de devanear/ “cronicar” sobre tudo. Escrevo sobre o que dá na telha e tals. Só que hoje não. Pensei em escrever uma lista de clássicos do Rock and Roll, shows das grandes bandas que assisti, uma lista de meus filmes preferidos; quem sabe redigir sobre futebol (pênalti perdido pelo Roberto Baggio em 1994, que me fez beber pra cacete), carnaval, amor ou política, mas apesar da inquietação, nada flui. É, tudo pareceu tão óbvio, repetitivo e desinteressante este momento. Foda!

Quem dera ser um grande contista ou cronista. Ser escritor, de verdade, deve ser legal. Não falo de “pitacos” e devaneios em um site – sem nenhum tipo de ironia barata. E sim de caras que possuem livros publicados, bibliotecas na cabeça, bagagem cultural e não pseudo-enciclopédias, que só leram passagens ou escutaram fulanos contarem sobre obras literárias lidas. Talvez, um dia, eu chegue lá. Quem sabe?

Mesmo que seja sobre uma bobagem, precisa-se de merda engraçada, porreta de se ler. Às vezes escrevo assim, de qualquer jeito. Por que? Dá muito trabalho contar uma história ou estória de forma bem escrita, oras. Quem dera pensar: agora vou me “Drummonizar” e voilà: escrever um “textaço”. Não, não é assim. Já ri muito de alguns velhos posts pirentos por conta disso.

Por fim, vos digo: textos ruins parecem cerveja quente em copo de plástico, ou seja, não rola. Já uma boa crônica parece mais uma daquelas cervas véu de noiva de garrafas enevoadas, na taça, claro.

E já que não deu pra escrever algo caralhento, vamos beber, pois é sexta! Bom final de semana pra todos nós!

“Acho que a gente devia encher a cara hoje, depois a gente fala mal dos inúteis que se acham super importantes” – Charles Bukowski.

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.

Os Dicks Vigaristas que encontramos na vida – (do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

O Dick Vigarista (Dick Dastardly) é um personagem fictício e vilão que surgiu na série Corrida Maluca (Wacky Races), criado por Hanna-Barbera. Vivemos um momento onde se discute muito as questões éticas. Isso é bom, mas ao mesmo tempo é uma pena que já não tenha se tornado um assunto superado. Quero dizer que ninguém mais discute o fim da escravidão, democracia, etc, porque todos concordam quanto a isso. Ética deveria estar nesse nível também.

O roteiro era quase sempre igual: alguns pilotos birutas correndo com carros muito esquisitos por estradas totalmente doidas. Todos largavam juntos, mas Dick Vigarista, o vilão da estória tinha sempre um plano maligno para parar os outros pilotos e com isso conquistar a vitória, sozinho.

Acontece que ele começava muito bem as corridas, disparava na frente e ao invés de visar somente a linha de chegada, parava para desenvolver uma armadilha, com o objetivo de tirar todos os adversários do páreo. A armadilha nunca dava certo e os dois eram ultrapassados por todos os outros.

Conheço vários Dicks Vigaristas, homens e mulheres que fazem de tudo para vencer por meio de trapaças (inclusive revi uma pessoa assim ontem que, aliás, “vigarista” a define bem). Essa postura detestável de se dar bem todo o custo ao executar todo tipo de tramoia é reflexo de inveja, falsa esperteza (pra não dizer canalhice) até mesmo incompetência. Mas, no final das contas, figuras assim sempre se dão mal e não saem da merda.

Não que eu seja nenhum “Peter Perfeito”, o falso certinho do mesmo desenho. Mas abomino esses malucos que canalizam suas forças em atrapalhar ao invés de produzir em benefício próprio. O pior é que, pelo jeito, vou ver o tal Dick Vigarista em muitas corridas malucas do cotidiano. Entretanto, farei o que sempre fiz, a minha parte. É isso.

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.

Flip não dá outro (crônica) – Por Ruben Bemerguy – Contribuição de Fernando Canto

“TEXTINHO?

Recebi do amigo Ruben Bemerguy o texto abaixo que ele chama modestamente de “Textinho”. Vejam só a riqueza da sua escritura e o desenho de sua memória em relação a pessoas que viveram a velha e romântica Macapá. E o Flip? Quem, como eu, não provou desse refrigerante genuinamente amapaense na década de 1960 e início dos anos 70? Provem, então, desse sabor borbulhante do Ruben” – Fernando Canto.

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa” – Chico Buarque de Hollanda.

Moisés Zagury

Flip não dá outro

Muito embora se possa pensar, e não sem alguma razão, que me decidi por uma literatura lúgubre, digo sempre que não. Também digo não ser essa uma expressão de meu luto. Não. Não escrevo sobre os mortos porque morreram simplesmente. O faço como quem ora, sempre ao nascer e ao pôr-do-sol, em uma sinagoga feita à mão, desenhada n’alma da mais imensa saudade. Escrevo também para que os meus mortos permaneçam vivos em mim. Morreria mais apressadamente sem a memória dos que amei tanto. É só por isso que escrevo. Porque os amei e ainda os amo.

E quando esses meus amores partem e com eles já não posso mais falar, passo, insistentemente, a dialogar comigo. É um diálogo franco e, de fato, inexistente. Sempre que tento assumir a função de meu próprio interlocutor, uma súbita impressão de escárnio de mim mesmo me faz parar, e aí calo. Toco a metade de meu dedo indicador direito, verticalmente fixo, na metade de meus lábios, como a pedir silêncio a minha insensatez. Taciturno, faço vir à memória de um tudo.

É por isso, e tanto mais, que ando sempre atrasado. Demoro a escrever e quando decido o faço tão pausadamente que chego a aprender de cor todo o texto. Por exemplo, se medido o amor que tinha por meu tio Moisés Zagury, há muito me obrigava a ter escrito. Mas minha inércia não é voluntária e, por isso, não a criminalizo. Não há relação entre o tempo da morte e o tempo de escrever. A relação é de amor e é eterna. A morte e a palavra, ao contrário de mim, não se atrasam. Além disso, em minha vida andam juntas, nem que seja só em minha vida. Isso já aprendi, porque as sinto frequentemente, desde criança, tanto a morte quanto a palavra.

E é desde criança que lembro do tio Moisés. Lá, estive muitas vezes no colo. Pensei que adulto isso não mais aconteceria, mas aconteceu até a última vez que o vi. No aeroporto, quieto em uma cadeira de rodas, ele ia. Tinha um olhar paciente, de contemplação, de reverência a Macapá e, sem que ele percebesse, eu em seu colo observava obcecadamente cada movimento dos olhos, queria traduzir e imortalizar aquele momento. Não consegui e até hoje tento imaginar o que o tio Moisés dizia pra cidade. Acho que tudo, menos adeus. Macapá e o tio eram inseparáveis. Essa era a terra dele e ele o homem dela. Isso é inegável. Por baixo das anáguas de Macapá ainda velejam o líquido de ambos: do tio e da cidade.

O tio conheceu a cidade cedo. Ele, moço. Ela, moça. Daí, foi um passo para ser o abre-alas dela. Tinha dom. Rascunhavam-se incessantemente um ao outro. Eu os vi várias vezes passeando, trocando carícias. Ela costumava cantar para ele, enquanto ele fabricava um xarope de guaraná. O Flip. Flip guaraná. Dentro de cada garrafa havia um arco-íris. A fórmula era segredo do tio e da cidade, e até hoje o é. Por isso, só o tio conseguia pôr arco-íris em uma garrafa de guaraná. Acho mesmo que o Flip era feito da seiva da cidade. Eu o Tomava gut gut.

O Flip não foi só o primeiro guaraná produzido aqui. Não foi também só a primeira indústria. O Flip, me conta a memória, foi o cenário auditivo mais preciso de minha lembrança. Era a propaganda que anunciava promoção de prêmios a quem encontrasse no guaraná, além do arco-íris, o desenho de um copo no interior da tampinha da garrafa. O copo, sinceramente, não era minha grande ambição. O sabor estava mesmo na propaganda que vinha pelas ondas das rádios Difusora e Educadora, se bem lembro. Era o som de um copo quebrando, esquadrinhado por uma indagação seguida da solução: “Quebrou?. Flip dá outro”. E dava mesmo.

Não sei se por ingenuidade da infância ou ignorância, o que aquele sorteio me fixou é que tudo era substituível. Se o copo quebra, Flip dá outro. Se a bola fura, Flip dá outra. Se a moda não pega, Flip dá outra. Se o tempo passa, Flip dá outro. Se o ar falta, Flip dá outro. Se o amor acaba, Flip dá outro.

Não me cabe agora eleger um culpado pela singeleza de minha compreensão da vida. Fico cá a suspeitar do arco-íris, e nem por isso me zango. Se me fosse permitido optar entre a idade madura e o arco-íris, escolheria o arco-íris sem piscar. Mas isso não é possível, agora eu sei. A bola fura, a moda pega, o tempo passa, o ar falta e o amor acaba. Tudo, é claro, por falta do Flip.

É um desconforto viver sem Flip. Todas as vezes que a vida me recusa, eu lembro do Flip. Mesmo assim, não digo nada a ninguém. Chamo num canto os arco-íris que conservo desde tanto, faço mimos, beijo os olhos, o rosto, e sossego. Vem sempre uma chuva fina. Eu me molho e a guardo. Guardo muitas chuvas. Quando se guarda bem guardadinha, a chuva não dói. Só dói é saber que Flip não dá outro. Poxa, quanta saudade do meu tio.

Ruben Bemerguy

Poema de agora: o amor passeia – Pat Andrade

o amor passeia

o amor desceu à terra na lua cheia
desbravou corações
percorreu praias e rios
e colecionou vidrinhos de areia

perto de minguar
já perdido nas paixões
o amor encontrou asas de orvalho
e aprendeu a voar

enquanto o amor crescia
foi escrevendo sua história
nas estrelas do céu
com um toquinho de giz

e antes de ir embora
o amor fez lua nova
pra ser feliz

Pat Andrade

Poema de agora: Desamarrando balões – Luiz Jorge Ferreira

 


Desamarrando balões

A roupa ficou folgada em mim…
Mas eu a enchi de lembranças e saudades
de modo que quem me ver vai recordar de alguma coisa.
Ou sorrir por um motivo engraçado, ou lagrimar por estar defronte a uma súbita tristeza.
O sapato puído quer caminhar sozinho…se acha o dono do meu destino como eu fui do dele décadas atrás.
Sob a luz embaçada da antiga lâmpada eu crio figuras abstratas sobre a minha pálida sombra, talvez um esboço de Migliane nos becos tuberculosos de Paris…

Depois do silêncio que espreita atrás da cortina manchada de amarelo,
a Canção de Nico Fidenco barulha cutucando a solidão com sobras sobreviventes da paixão que me tornou febril por toda a caminhada.
Eu costuro pedaços desiguais de paixões e amores…e invado o Teatro para pedir desculpas aos aplausos.

Prazeroso seria eu carregar o mar nos bolsos e ensopar com eles as lágrimas secas dos tristes.
Estes não me olham frente a frente, sempre de soslaio..
São arredios aos meus votos de felicidades
E nunca dançam quando eu canto Bob Marley
Ou entoo Gilberto Gil.
Saem sutis, e amanhecem nas estrelas.

Não há janelas a abrir, não há sol a desenhar no dorso da escuridão, todos bailam em uma só direção, lamento ter te puxado pela mão para uma última dança, ter enlaçado tua cintura para imitar o vôo dos pássaros migrando para o Sul.
Lamento todas as melodias dependuradas em meus tímpanos.
E que eu em tua direção as açoitei para que entendesses o azul.

E por fim ignorei minha inútil tentativa de ser luz.
Fadigado procurando Deus entre os Vaga-lumes coloridos.
Fico na saída da sala, sem saída.
Para o resto do resto do tempo que me resta.
Embora tudo…desapareça.
Nada foi embora.
Resta-me ainda…atirar para fora de mim…
Eu.

Luiz Jorge Ferreira

Os motivos de eu escrever – Crônica de Elton Tavares – (Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Ilustração: Ronaldo Rony

Escrevo ao longo dos últimos 19 anos. Quatorze deles para este site, que já foi um blog, o De Rocha. Sempre tento me ater à verdade. Redigir textos onde dados e fatos me levam. Com exceção de sandices, devaneios e contos, que são escritos mágicos para mim. Pois ficção exercita a criatividade.

Um dia, há alguns anos, me perguntaram: “Elton, porque você perde tempo com esse papo de blog. Porque não faz algo útil com o tempo gasto nessa página de besteiras”. Neste instante, consegui evitar um surto psicótico e palavrões a esmo para o meu questionador.

Aí expliquei para o pateta porque escrevo. Escrevo porque amo a noite, futebol, samba, rock and roll, minha família, meus amigos e amo ser eu (com todos os defeitos e chatices), não necessariamente nesta ordem, claro. No meu caso, leituras alternativas tornam o dia menos tedioso. Principalmente quando tais escritos são sobre cultura em geral.

Ilustração: Ronaldo Rony

Gosto de usar um senso de humor cortante nos meus textos para este site, assim como muita nostalgia, sentimentalismo barato (que pra mim é caro), transformar relatos em memória da minha cidade, do meu estado. Vez ou outra, até fazer velhas piadas com novos idiotas, ser um tanto antipático, chato ou adorável encrenqueiro. E sempre amoroso com minhas pessoas do coração. Sim, gosto disso.

Certa vez, li a frase: “escrever não é desistir de falar, é empurrar o silêncio para fora”, do poeta Fabrício Carpinejar. É esse o papo mesmo; escrever é uma válvula de escape, vicia e extravasa.

Escrevo até sobre o que finjo que acredito. Sabe aquelas pequenas porções de ilusão e mentiras sinceras de que o Cazuza falou? Pois é. Às vezes, detritos do cotidiano, grandeza desprezada, coisas bobas que parecem socos na cara – é bem por aí.

Ilustração: Ronaldo Rony

Mas gosto muito mais de escrever sobre o amor, sobre atitudes legais, sobre manifestações públicas de afeto e sobre pessoas admiráveis. Falar ou escrever sobre positividade é tão melhor.

Antes redigia um texto ou mais por dia – e com muita facilidade. Agora, a falta de tempo e os períodos de entressafra de inspiração tornam os autorais mais raros. Quem dera fosse só querer e baixasse o espírito de Rui Barbosa, Charles Bukowski, Mário Quintana, Drummond ou do meu amigo Fernando Canto, e eu começasse a redigir como um gênio. Seria firmeza. Acreditem, um dia lançarei um livro de crônicas e contos.

Em tempo, escrevo para não deixar meus pensamentos parados. Queria poder escrever como Carlos Drummond de Andrade, que disse: “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável. O sofrimento é opcional.”

Como não dá, sigo rabiscando minhas certezas, achismos, incertezas, chatices, amor, entre outro tantão de coisas que vivem neste meu universo particular que gosto de expor aqui. E fim de papo.

Elton Tavares


*Crônica do meu livro “Crônicas De Rocha – Sobre bênçãos e canalhices diárias”, lançado em 2020.

 

O antigo Bar Xodó e o velho Albino Marçal (do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Meu amigo Fernando Canto escreveu uma vez: “Lembrar também é celebrar. E quando se celebra se rememora, ou seja, se re-memora num tudojunto inebriante, pois o coração aguenta. E ao coração, como sabes, era atribuído o lugar da memória – Re-cordis“.

Portanto, quem tem mais de 40 anos, bebe desde os anos 90 e estudou no Colégio Amapaense gostava do antigo Bar Xodó e de seu proprietário, Albino Marçal Nogueira da Silva, o velho Albino.

Albino era uma figura querida por mim e pelos meus amigos. Principalmente pelo Edmar Campos Santos, o nosso ilustre “Zeca”.

Eu e o Zeca “gazetávamos” aula e íamos beber no Xodó. Escutávamos todas as histórias que Albino contava, ouvíamos suas músicas antigas, ríamos quando ele cortejava as garotas e fingíamos surpresa a cada vez que nos mostrava seu diploma em couro de carneiro. Era divertido.

O Xodó era um botecão no estilo antigo. Tinha um banheiro apertado, com cheiro forte de desinfetante (creolina) e frases sacanas na parede. Ah, lá tinha de tudo: fotos, velas acesas, objetos inusitados para o lugar (como um boneco do Pelezinho). Acho que dentro do Xodó tinha até bainha de foice.

Para todos aqueles que matavam aula na década de 90 só para reunir com a galera, beber, falar besteira, aquele boteco no canto da Rua General Rondon com a Avenida Iracema Carvão Nunes era o local perfeito. Os biriteiros da velha Macapá se reuniam lá para “molhar a palavra” e botar os papos em dia. Bons tempos…

O saudoso Albino Marçal

Albino faleceu há alguns anos e o Xodó fechou logo em seguida, duas grandes perdas. Quem não viveu aquela época não entende tal saudosismo, pois o nome do bar era apropriado.

Vez ou outra tenho necessidade de escrever sobre aquela época. Tempos felizes e, entre tantas ótimas lembranças, Albino e o seu Xodó foram vivências marcantes na minha memória afetiva, pois o antigo bar e seu proprietário eram nossos xodós. É isso.

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.

Poema de agora: Prazer, sou Maria – Alcinéa Cavalcante – @alcinea

Escritora/poeta e imortal da Academia Amapaense de Letras (AAL), Alcinéa Cavalcante. Foto: Arquivo pessoal da literata.

Prazer, sou Maria

Dá licença, seu moço,
que eu agora vou me apresentar:

Sou Maria,
mulher guerreira,
não puxo briga
mas não corro de bicho-papão
nem tenho medo de coroné metido em fardão.
Sou Maria,
mulher simples e humilde
mas tenho alguns tesouros.
Não sou dona do mar
mas conheço os segredos da floresta
e marimbondo de fogo não vai me ferrar.
Sou Maria,
mulher poeta e jornalista.
De noite escrevo versos,
de dia escrevo notícia.
Minha caneta é liberdade
a consciência o meu guia.
Sou doce, mas valente,
nem tente me calar
pois não tenho medo da sua gente.
Me ajoelho só pra Deus.
Santo e poeta eu olho com o coração
e político da tua laia
eu olho de cima pro chão.
Pra quem é do bem
eu digo: “Vem comigo, amor”
Pra quem é do mal
eu só sei dizer “Xô”.
Encerro minha apresentação
te fazendo um pedido:
Fica lá no teu quadrado
deixa em paz o povo tucuju
ou eu viro Maria mal-educada
e te mando…

Alcinéa Cavalcante

Jornalista e escritora/poeta Alcinéa Cavalcante gira a roda da vida. Feliz aniversário, querida amiga! – @alcinea

Sempre digo aqui que gosto de parabenizar neste site as pessoas por quem nutro amor ou amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Acredito que manifestações públicas de afeto são importantes. Neste décimo nono dia de fevereiro, a jornalista, professora e escritora/poeta, Alcinéa Cavalcante, gira a roda da vida e lhe rendo homenagens.

Alcinéa Cavalcante é brilhante em tudo que se propõe a fazer. Jornalista, escritora premiada, uma das maiores poetas amapaenses, ativa militante cultural, respeitada blogueira, fotógrafa, numismática, apreciadora da Lua, experiente e perspicaz repórter, imortal da Academia Amapaense de Letras (AAL), amante de carnaval e integrante da Escola de Samba Maracatu da Favela (apaixonada por sua verde & rosa), degustadora de Chandon, mestre em produzir lindos origamis, entre outras muitas coisas porretas que a Néa é.

Mas ela desempenha ainda melhor os papéis de esposa do gentil e gente boa Soeiro, mãe do meu querido amigo Márcio Spot, avó amorosa da Alice, irmã da Alcilene, Alcione, Zoth, entre outros que não conheço, além de amada amiga deste editor.

Há décadas, com sua escrita ímpar, Alcinéa faz arte e comunicação de forma sublime. No compasso suave das palavras tecidas com esmero, sua poesia se entrelaça com a história do Amapá. E seu jornalismo franco, contundente e responsável revelam verdades e colorem os dias neste nosso lugar no mundo.

Néa herdou o talento de seu pai, o lendário Tio Alcy Araújo (um cara que eu queria ter conhecido). Literalmente o toque dela, por onde vai, faz a diferença no mundo. Com seus mágicos origamis, espalhava poesia pela cidade na época do seu Poesia na Boca da Noite. Com ela, a palavra vira poema ou notícia, informação coesa e responsável, pautada pela sua marca pessoal, a credibilidade. Dia a dia vira retrato de uma paisagem antiga, que a gente não quer esquecer.

Seus passos são marcados pelas veredas da cultura e do jornalismo. E ecoam como cânticos de resistência, pois Alcinéa pavimentou o caminho para muitos passarem, como eu.

Adoro quando vou até ela e a gente fica batendo papo no escritório de sua casa, uma mistura de biblioteca e sala de estar aconchegante. Ou quando vamos ao barzinho que fica quase em frente à sua residência, tomar um chopp e molhar a palavra. Quando passo tempos sem ir, ela me ameaça e fala que irei para seu caderninho de ex-amigos. Logo dou um jeito de dar as caras, colocar a conversa em dia e rir bastante em sua companhia.

Ah, Néa sempre nos atualiza, nos ensina e diverte. Para mim, Alcinéa é conselheira, incentivadora, confidente e protetora (sim, ela protege e é extremamente fiel aos seus).

Já escrevi muitos textos sobre a Alcinéa Cavalcante e sempre repito: Néa é um misto de doçura e acidez. Quando jornalista, suas colocações inteligentes, com pontos de vista diferenciados, o leve humor ácido e a abordagem refinada sobre qualquer tema, fascina leitores. Quando poeta, desperta as melhores sensações em quem lê ou escuta seus lindos poemas, pura ternura.

Em resumo, se é que dá pra resumi-la em um texto de felicitações: Nea é uma pessoa sensacional. Uma mulher do bem, mas que combate o mal com força (e ela é forte pra caramba, pensem numa caneta pesada). Não à toa, nós, seus amigos, a amamos. E é impossível ser diferente.

Alcinéa, querida. Parabéns não somente pelo seu dia, mas por ser essa pessoa lindeza que és. Sou grato pelo apoio mútuo e pela amizade que construímos. É uma honra pra mim ser querido por alguém como você . Que teu novo ciclo seja repleto de luz, saúde, harmonia e paz. Que tua vida seja longa. Que sigas alegrando nossas vidas com teus poemas, sacadas, ironia fina e amor. Sou feliz pela tua existência orbitar a minha. Agradeço sempre pelo apoio contínuo e aprendizado. Que sigas, por pelo menos mais uns 100 fevereiros, com essa alegria, energia e força contagiantes.

Parabéns pelo seu dia, Néa. E feliz aniversário, querida amiga!

Elton Tavares (mas tenho certeza que falo também em nome da publicitária Bruna Cereja, minha namorada e também amiga da Néa).

Poema de agora: CANSADOS – Ori Fonseca

Ilustração: Ancião Cansado. Óleo sobre tela de Morteza Katuzian, Irã (2005).

CANSADOS

Tudo parece muito cansado neste jardim,
As árvores, outrora frutíferas,
Choram a esterilidade dos anos,
As flores, efêmeras como só elas,
Despetalam-se a olhos vistos.
Os frutos do último outono
Tornaram-se adubo para a vida que insiste em ser vida.
(Por que não comemos dos frutos
Quando os podemos comer?
Por que não cheiramos das flores
Quando ainda temos olfato?)
Busco no ocaso
O nascer do sol que perdi por estar dormindo,
Busco no mercado
Os nutrientes do leite
Que rejeitei do peito de minha mãe,
Quero a inocência senil
Que me foi tirada na infância.
Mas eu não posso banhar-me
Na água que já passou
Não posso dar o beijo quase roubado,
Nem posso desistir
Dos erros que me matam.
Vivo e morro em um purgatório de SE!
Ah, se!
Ah, se!
Ah, se!
Ah, se todos os SES se consumassem,
Eu nem seria eu.
Seria um espectro de alma atarantada,
Mais duvidoso ainda do que sou,
Mais incerto do que jamais serei,
Mais atônito a confundir
Pores com nasceres de sol,
Mais desorientado do que o futuro
(Certo, por ser futuro; incerto, por ser futuro),
Feito uma bússola sem magnetismo,
A misturar oriente com ocidente,
A propor um descaminho
Onde meus amores se perderam…
Meus amores de todo o sempre
Hoje têm nome e sobrenome,
Perderam o carinho infante das alcunhas,
Agora, são Fulanos e Sicranos de Sei Lá o Quê!
Carregam no cenho o cansaço sério dos anos
E sorriem sem poesia,
Como se tomassem um susto.
Seus olhos, de pupilas imensas
Parecem secos e sem esperança,
E suas bocas carregam o arqueamento baixo
Das faces sem alma.
Meus amores de todos o sempre
Proliferaram e pensam que podem morrer.
Eu os amo a distância
E sofro com a velocidade com que a distância aumenta,
Com a insistência com que me desfiguro.
Eu miro minha cara no espelho e pergunto:
“Cara, em que fosso de vidro
Deixaste cair e morrer o reflexo de teus olhos?”
Ah, meus olhos!
Secos e sem esperança, têm pupilas imensas.
Meu ponto focal aponta para o infinito,
E eu já não posso ver
O que está a um palmo do nariz.
Quero olhar para trás
E me tornar uma estátua de sal
A contemplar os prazeres que me foram proibidos.
Os nutrientes do leite materno,
A pele da moça que amei num átimo
Ao vê-la da janela do bonde,
A infância de inocência duvidosa,
A juventude casta e dolorosa dos poetas,
A inconformidade com a carranca de Deus,
A pressa para fazer tudo
E não concluir nada,
A saudade das saudades que me mantinham vivo,
As lembranças de quando era possível
Caminhar por meu jardim
Sem que ele e eu fôssemos os cansados que somos.

Ori Fonseca

Deus segundo Spinoza (muito bom)

Deus segundo Spinoza (muito bom)

“Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
 
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
 
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.


 
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
 
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
 
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.


 
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
 
Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
 
Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.


 
Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
 
Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
 
Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
 
Que tipo de Deus pode fazer isso?


 
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
 
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.
 
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
 
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.
 
Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.


 
Eu te fiz absolutamente livre.
 
Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
 
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.
 
Vive como se não o houvesse.
 
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.
 
Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.


 
Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste… Do que mais gostaste? O que aprendeste?
 
Pára de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar.
 
Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
 
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
 
Pára de louvar-me!
 
Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.
 
Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
 
Te sentes olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
 
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.
 
A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.


 
Para que precisas de mais milagres?
 
Para que tantas explicações?
 
Não me procures fora!
 
Não me acharás.
 
Procura-me dentro… aí é que estou, batendo em ti”.


 
*Baruch Spinoza (ditas em pleno Século XVII. Continuam verdadeiras e atuais até a data de hoje).

Ariano Suassuna, escritor brasileiro falecido em 2014, em um vídeo que encontrei no Canal Brasil, reproduz de outra forma o que Spinoza disse. Ele discorre sobre Deus, o sentido da vida e declama a poesia de Lenadro de barros.

Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?

Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?

Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?

Lenadro de barros

 

Definitivamente, o meu Deus, é o de Spinoza (Elton Tavares).

Fontes: Divulgando Ascensão , Canal Brasil e Canal Curta.

 

 

 

 

 

 

 

Iara – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

A madrugada toda foi de chuva. As ruas ficaram alagadas. Quase toda a cidade ficou paralisada, esperando as águas baixarem. Eu acordei cedo, como todas as manhãs, para ir ao trabalho, mas tive que esperar até 10 horas para poder sair. Quando abri a porta, vi um peixe enorme estirado no pátio. Revirando aquele peixe, vi que ele ainda estava vivo, se debatendo levemente. Examinando melhor, constatei que não se tratava de um peixe. Era uma sereia.

Levei a sereia para dentro, agasalhei-a, esquentei uma sopa e dei para ela que, muito debilitada, talvez pelo esforço de nadar entre a maresia que o temporal tinha provocado, sorveu bem devagar.

Ela foi, aos poucos, recobrando a consciência e perguntou onde se encontrava. Eu disse que ela estava numa cidade à beira de um grande rio, que ficou maior ainda por causa da chuva forte. Falei que eu precisava ir ao trabalho e que ela poderia ficar em casa, descansando. Na volta, nós pensaríamos numa maneira de devolvê-la ao rio.

Quando voltei, encontrei a sereia no sofá da sala, assistindo a uma novela na TV. Ela tinha varrido, espanado e arrumado a casa toda, que estava brilhando, muito diferente de quando eu saí. Ela disse que aquilo era um agradecimento pela forma como eu a tinha tratado.

E a sereia foi ficando, ficando. Depois de três dias, já dormíamos juntos, ela tomava conta da casa, fazia comida, tudo com muito esmero. Até que senti ameaçada a minha resolução de eterna solteirice. A convenci a voltar para a sua casa, fosse lá onde fosse, imagino que nos recônditos do imenso rio.

Ela compreendeu, se despediu, muito educadamente, e partiu. Mas, sempre que o temporal e a saudade vêm mais forte, ela me faz uma visita.

Em dias de chuva… – Crônica de Elton Tavares – Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”

Choveu muito ontem e hoje, em Macapá. Acho que vai chover novamente. Hoje o sol está entocado, iluminando somente o suficiente. Amo dias chuvosos! Em dias de chuva dá vontade de ficar na cama até mais tarde. Ou o dia todo, né não? Claro que desde que não seja demais e alague ruas, pois a gente fica feliz com prejuízos e sofrimento alheio.

Dia bonito pra mim é dia chuvoso. Noite idem. Gosto por não suar e bebo cerveja sem problema, pois o frio me agrada profundamente. Em dias de chuva dou valor até no trânsito (deve ser por não dirigir).

Em dias de chuva, como hoje, lembro quando morávamos em pequena casa de madeira, cheia de goteiras. As poucas panelas eram espalhadas pela casa, para armazenar a água do pinga-pinga. É, no dia cinzento de hoje vejo como melhoramos de vida, pois temos que desligar o ar-condicionado e fazer o esforço para levantar da cama.

Ilustração de Ronaldo Rony

Quando era moleque, em dias de chuva, jogávamos futebol debaixo de temporal e dávamos muito valor naquela parada. Também lembro do meu velho e saudoso pai, que nos ensinava a ensaboar os vidros do carro para que não embaçassem. É, a chuva me traz mil memórias, a maioria muito boas.

Gosto do som da chuva, do barulho dos pingos no telhado. Os dias chuvosos me trazem uma paz imensa. A chuva anuncia: finalmente o inverno chegou.

Ah, não gosto de usar guarda-chuva, gosto do respingo, do frescor, de me molhar. Aliás, nunca gostei de “chove não molha” e sempre avisei: “pode tirar o cavalo da chuva”.

É isso!

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.