Poema de agora: Prece – Patrícia Andrade

Prece

entoo meu canto
todo santo dia
faço minha prece
todo dia santo
eu rezo por ti
por teu espírito herege
por tua alma funesta
que derramas suave sobre os outros
pra pensarem que tu prestas

Pat Andrade

Poeta e letrista de Macapá, Bruno Muniz lança segundo livro

Cantor da banda Beatos Cabanos mostra referências do cânone literário na coletânea “Depois vá ver o mar”, que traz poemas “destacáveis”

A troca de cartas entre personagens compõe o mais recente livro do poeta Bruno Muniz. Chamada Depois vá ver o mar — Cartas para lembrar se nada acontecer, a coletânea é editada pela Kelps. Muniz vive em Macapá e é letrista e cantor do grupo Beatos Cabanos, conhecido na cena artística local.

Das 240 páginas do livro, 61 são poemas destacáveis. O livro é acompanhado de dois envelopes e de um marcador de páginas. Os leitores podem destacar os versos e enviar como cartões postais. O livro também traz ilustrações do artista plástico Igum Djorge.

Em seu segundo livro, o autor mostra influência de poetas do cânone literário brasileiro e estrangeiro. “A experiência de ler Olavo Bilac aos nove anos de idade me impactou e quis conhecer outros poetas”, diz o autor, que em 2016 estreou com Cem versos putos sobre mim. “Aos 12, me apaixonei por Fernando Pessoa. Li a obra completa dele várias vezes e ainda é meu preferido. Outra referência é o francês Arthur Rimbaud.”

DEPOIS VÁ VER O MAR — CARTAS PARA LEMBRAR SE NADA ACONTECER
Bruno Muniz
Ilustrações: Igum Djorge
Kelps
240 págs.

Fonte: Rascunho.

Sobre poesia e vida na quarentena – Crônica poética de Pat Andrade

Crônica poética de Pat Andrade

Não sei ao certo como é pra maioria dos poetas, mas a poesia é sempre válvula de escape pra mim. Através dela me manifesto, me sentencio, me absolvo. Me mato, morro e me ressuscito todo os dias.

Nesta quarentena, a poesia tem sido também tábua de salvação. Agarrei-me a ela como nunca; mas, às vezes, me escapulia. Não havia braços, mãos ou dedos que me fossem estendidos de volta. Aí, ficava sem escrever. Simplesmente não conseguia.

Talvez porque minha poesia tem inspiração no cotidiano; na vida pulsante e corrida; no universo que me cerca. De uma hora pra outra, tudo isso mudou. O universo reduziu-se à casa – que é minúscula; meu tempo continuou correndo – mas de um jeito diferente – e o cotidiano também se modificou profundamente. Ainda bem que a gente tem a capacidade inata de se adaptar. Ainda estou fazendo isso.

Sobrevivo da poesia. Não só da minha poesia, bem entendido. Mas de toda a poesia que me chega. Pela janela aberta do quarto, pelo livro ao lado do travesseiro, pela obra vendida nas redes sociais, pelo olhar do meu gato (que não é meu de verdade), pela risada do meu filho, pela doce palavra de um amigo querido ou por um gesto mais ríspido que a vida me reserva. O fato é que sobrevivo.

*Republicado por conta do Dia Nacional da Poesia. 

Poesia que não se esgota (Por Fernando Canto) – @fernando__canto

A poesia não se esgota no pensamento porque ela é o esforço da linguagem para fazer um mundo mais doce, mais puro em sua essência;

A poesia procura tocar o inacessível e conhecer o incognoscível na medida em que articula e conecta palavras e significados;

Cada imagem representada, projetada pelo sonho, pela imaginação ou pela realidade, é um símbolo que marca o que sabemos da vida e seus desdobramentos, às vezes fugidios.

Mas nem sempre é o poeta o autor dessa representação, pois tudo o que surge tem base social e comunitária, depende da vivência de realidade de quem propõe a linguagem e a criação poética.

Quando isso ocorre estamos diante da autenticidade do texto poético. E todos somos poetas, embora nem sempre saibamos disso. E ainda que nem tentemos sê-lo.

Fernando Canto

*Republicado por conta do Dia Nacional da Poesia. 

Poema de agora: Não brigo com Deus (Luiz Jorge Ferreira)

Não brigo com Deus

Não brigo com Deus
Porque minha impressora quebrou.
Nem procuro a memória no dedal em que escondi um caroço de uva.
Pisco para acender a luz interior
E ponho as palavras em fila do Alpendre desbotado da Av. Ernestino Borges…
Descendo descalças pela beira do rio.
Amo a parte em que saio de mim, e sou outros.
O passado, o depois, o dia que vinha, o ontem que foi.


Quando os vermes parasitas atemporais, inundarem com suas mandíbulas químicas, minhas células cerebrais, se embriagarão de poesia.
Os pluricelulares, alvissareira, declamarão.
Os mono celulares, acharão um absurdo, achar que o sol é tudo.
Quando há lua, chuva, amor, paixão, destino, e intestino.
A impressora quebrada, continuará oxidada.

As palavras nascerão em outras paragens, vindas de bocas, afoitas, e corações apaixonados.
Os bisnetos, dos bisnetos, dos unicelulares, que disseram versos, porque neles não cabem.
Acharão doce a palavra amor.
E com ela subirão pela aorta até o coração.
Onde terei deixado o desenho da palavra paz.

Luiz Jorge Ferreira

 

* Do livro Nunca mais sairei de mim, sem as Asas.

Poesia de agora: Poema-Esperança – Jaci Rocha

Poema-Esperança

Que nasçam pequenos sóis dentro de você
Para que as flores possam florescer
Ainda que em tempos de pouca aquarela

E que a palavra esperança dance
No seu dia e cotidiano
Pois, mesmo em meio às mais profundas turbulências
Ainda é preciso sonhar.

E que seu maior lar
Seja seu corpo, seu templo
Guardado, dentro do possível
Para viver este maravilhoso mundo

Quando enfim, isso já for possível…

Que você seja generoso por dentro
Sabendo que longe da partilha não há união
E que tudo o mais é desnecessário
Lição acentuada por este novo dia a dia

– Onde estar vivo
É sempre a maior alegria.

Que fiques bem, com os seus…
Que eles estejam guardados pela graça e poder do amor
E que a vida seja generosa em te guardar
Para que depois, num abraço,

A gente possa se encontrar.

Jaci Rocha

Poema de agora: Não nos afastemos – @juliomiragaia

Não nos afastemos

Não nos afastemos, cantou um pássaro
Ou um poeta em uma noite asmática
De chuva em Macapá

Não mergulhemos na omissão
E nas bolhas intumescidas e líquidas
Desse tempo de multidão e de robôs

São homens que nada sentem
Além das próprias metamorfoses,
Frágeis
E alimentadas de árvores de medo

Não nos afastemos
Apesar da raiva invertebrada
Porque
O peito é um abismo que
Desaba

Enquanto a esperança
Espera nossa canhota coragem
Para caminhar

Não nos afastemos,
Todos cabemos
No labirinto do futuro,

No futuro
Que ainda nem se prometeu…

Júlio Miragaia

*Para os amigos que vivem e lutam por sonhos indestrutíveis.

Poema de agora: Canto para quem aguarda auroras – Marven Junius Frankin

Canto para quem aguarda auroras

Meus olho não enxergam
O correr das horas
– estou preso [só] ao badalar das marés-ocas
Da tua [não] presença
( Campos de ?? petrificados
Que ostentam vozes do atrás).
Sob o céu cinza
Meus passos são auroras tímidas
Que não almejam alçar voo – deveras
( Minha avó dizia
Que a [ante] manhã
Engole – com os olhos repletos de lágrimas,
As almas das mulheres sozinhas).

Marven Junius Frankin

Poema de agora: Conjugação – @KiaraGuedes

Conjugação

Usei pretérito imperfeito
Praxe cortesia
Você não veio

Já não quero a delicadeza
Já não quero mais o Queria*

Quero o Quero*
De presente aperreado
Que o queria não indica.

Nada importa nada não
Vai querer vai queria

Viria ou virá
Quererá ou quereria
Conjugação

Kiara Guedes

Obra organizada por pesquisadores da UNIFAP e UFMT apresenta estudos e pesquisas sobre o campo da Cultura

Pesquisadores do Grupo de Pesquisa Estudos Interdisciplinares em Cultura e Políticas Públicas (CNPq/Unifap), vinculado ao Curso de Especialização em Estudos Culturais e Políticas Públicas, em conjunto com pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Cidade (Citicom-UFMT), apresentam o livro Estudos de Cultura: Abordagens e perspectivas.

Os organizadores são os professores Drº. Antônio Sardinha, Drº. David Júnior de Souza Silva, da UNIFAP, e Drº. Yuji Gushiken (Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT), com publicação pela Editora da Universidade Federal do Amapá.

A obra contou com a participação de pesquisadores brasileiros de Universidades das regiões Norte, Centro-oeste e Nordeste, além de pesquisadores estrangeiros da Guiana, Guiana Francesa, Suriname e de duas universidades europeias – Universidade Livre de Amsterdã e University of Twente Enschede, Países Baixos.

A obra resulta da cooperação, iniciada em 2018, entre o Curso de Especialização em Estudos Culturais e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

“O que procuramos com esta publicação foi conectar perspectivas, abordagens, preocupações e visões de mundo que permeiam as investigações no campo de estudos de cultura. O processo de curadoria do livro acentua dois caminhos: a formação e consolidação de parcerias com pesquisadores em universidades brasileiras e a ampliação de possibilidades de cooperação e investigação com pesquisadores da Amazônia Caribenha”, destacam os organizadores da obra.

O livro contou com avaliação de um comitê ad hoc convidado exclusivamente para avaliar a produção dos autores. Foram 19 pesquisadores de 13 instituições de ensino superior, todos doutores e com experiência de pesquisa para a avaliação das contribuições enviadas pelos colaboradores da obra. Essa decisão permitiu um trabalho marcado pela produção coletiva capaz de tornar o próprio processo de concepção, produção e editoração do livro em uma experiência de aprendizagem.

Cooperação e internacionalização

A publicação resulta de um esforço de cooperação entre pesquisadores situados em territórios distintos: Amazônia, Cerrado, Pantanal, sertões e a Amazônia Caribenha, na América do Sul. “Observamos aqui um mapa das margens ou das franjas do amplo território brasileiro e sul-americano (amazônico-sertanejo-pantaneiro-cerradeiro), investido do poder de perguntar o que sabemos de nós mesmos e o que estamos fazendo para simplesmente saber, por meio das práticas e processos de pesquisa dos textos aqui publicados, ensejar algumas faíscas na produção de conhecimento sobre o que é e o que pode ser o amplo campo da cultura”, destacam os organizadores.

Como acessar a obra

A obra está disponível para acesso gratuito nos endereços abaixo:

Editora UNIFAP

Estudos de Cultura: Abordagens e Perspectivas

Ascom Unifap, com informações do Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas/Unifap.

Poema de agora: Amargamente açúcar – Luiz Jorge Ferreira

Amargamente açúcar

A Leste da Tabacaria…
Tomei o Ônibus…ia com destino a Praça dos Sonhos.
Sempre vou…de calça de Brim …alpercatas puídas.
Um sopro de vida delicadamente guardada no bornal, junto a algumas páginas antigas de um Jornal feito em papiros, escritas em Aramaico.


Dizem do nascimento de um menino visitado por Reis e Magos, que lhe trouxeram presentes, e perguntas, e um punhado de sal, e um raio de sol, e o Arco Íris dobrado, umedecido por uma chuva morna que veio escondida na dobra inferior esquerda, como um Solfejo da Ave Maria de Gounod.

Partículas atômicas, átonas e tônicas, bailavam sobre um engradado pueril de passos rumo ao Porto de Rodes, onde um Colosso fenomenal olhava as Sereias de Ulysses…
O cobrador me espantou assobiando…e cobrou doze Rupias para que eu conseguisse acomodar com folga, o Cisne Negro que viera comigo do Taj Mahal…


Eu vi ao meu lado uma mulher comendo um Damasco e reparei em suas unhas lilás, e uma fileira de fotos presas a um cordão que amarrava sua cintura como uma veste de Capuchinhos.
Atordoadamente ao seu lado, um pequeno anão sacolejava guizos vestido marechalmente a rigor.
A noite, pela janela de vidro rachado em X, quis me chamar de amor.

Achei que quando o Ônibus dobrasse na esquina da Av.Brasil.
Não faria mais frio, e eu voltaria a sonhar.
Hoje subo em mim e galopo pela encosta íngreme do Poente.
Estou melhorando minha dicção para dizer não.
Estou aperfeiçoando meu sim, para dizer não.


Comigo um par de chinelos puídos e duas pedras sujas de terra, são o que restam.
Desenharei Deus.
Com saliva e lágrimas.
O sol as secam.
A dor as abastecem em profusão.
Não encontro meu irmão.
Mas encontro um enorme olhar de saudade, saciando meu coração.
A viagem alucinada é te procurar em mim.

Luiz Jorge Ferreira

 

*Osasco (SP) – Brasil – 11.03.2021

Poema de agora: Futuro emergencial – @juliomiragaia

Futuro emergencial

O presente pesa
Como água da chuva
Pesa sobre a pétala da flor
Na chuva japonesa

O tempo presente
É matéria prima
Para jardins de angústias
E pesa como se carrega
Um corpo à meia-noite
À beira da estrada

O presente é uma granada
Que escapa às mãos
No momento mais decisivo da guerra,
Entre o medo e a esperança

O presente é ônibus lotado
Falta de dinheiro,
Inflação,
Solidão,
Ressacas e doenças espalhadas
Na sala de qualquer trabalhador

A entidade temporal tropeça
Do alto do edifício
Mais alto de Belém
Sem paraquedas ou salvo-conduto
Que aprenderá como voar

O presente deseja,
Do fundo de suas asas,
Voar em direção à aquarela
Veranil e esfumaçada
De um bondoso pôr do sol

Júlio Miragaia

Minhas dezenas de fitas K7 e a nostalgia – Crônica de Elton Tavares – (Republicado em homenagem a Lou Ottens, inventor da fita K7, que morreu dia desses).

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica de Elton Tavares

Certa vez, há alguns anos, ao procurar meus livros dentro do armário do quarto, dei de cara com minhas duas caixas de sapatos repletas de fitas cassete. Constituída por dois carretéis de fitas magnéticas, a fita cassete é popularmente abreviada como K7. Esse tipo de “tecnologia” foi desenvolvida pela empresa Phillips, em 1963, para substituir a fita de rolo e o formato 8-track, que eram semelhantes, mas muito menos práticos e mais espaçosos.

A tecnologia desse artefato traz uma fita de áudio de 3,15 milímetros de largura, que rodava a uma velocidade de 4,76 centímetros por segundo. Antigamente a gente ouvia tudo na fita K7, no vinil e, muito depois, CD. Hoje, apesar de alguns ainda usarem o “Compact Disc”, quase tudo é no MP3 e MP4.

Minhas caixas, com quase 40 fitas, têm de tudo: Sony, Maxell, Bulk, Basf, Phillips e TDK, de 40, 60 e 90 minutos. A maioria não possui mais capa, mas as que ainda têm estão com os nomes das músicas ordenadamente anotadas no papel interior da fita.

Naquela época, nós caçávamos sons novos como as bruxas eram perseguidas durante a Inquisição, ou seja, incansavelmente. Época de micro system Sanyo (Alguém aí se lembra do que é “rewind”?), walkman Sony e festas de garagem.

Dentro das caixas os velhos companheiros: Depeche Mode, The Smiths, New Order,The Cure, Iron, U2, A-ha, David Bowie, Queen, Pearl Jam e Nirvana (muito Nirvana) Titãs, Ira!,Paralamas, Legião Urbana (muito Legião), Barão Vermelho, Engenheiros… todos esses e outros heróis da juventude. Além de umas do velho Chico Buarque.

Fizeram sucesso no final de 80, todos os 90 e início dos anos dois mil. Não tenho vergonha de ser tão antiquado. Meu brother André fala sempre, em tom pejorativo, que todo mundo já gravava CDs em 1999 e eu fitas. Bons tempos!

Aliás, gravar fitas era porreta. Quando curtia muito um som, todo um continha somente uma música (podia ser 30 ou 45 minutos de cada lado, com a mesma canção). Às vezes, ficava com o dedo no tape deck, esperando o locutor da FM calar a boca e soltar o som para que eu o tomasse. Oh, saudades!

Enrolar e desenrolar fitas com lápis ou caneta, sem falar em limpar cabeçotes do tape deck, isso sim é nostalgia.

A fita cassete não voltou como o vinil, que hoje é objeto cult. No máximo, estão em forma de adesivos de smarthfones (que acho legal pra cacete).

Minhas fitas. Tenho dezenas até hoje. Sei que são inúteis, mas é o apego notálgico.

É, minhas velhas e empoeiradas caixas de sapato não estão somente repletas de fitas cassete, mas de ótimas lembranças. Eu as olhei por dezenas de minutos e as guardei novamente no armário, na memória e no coração…

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bençãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria,lançado em setembro de 2020. A obra tá linda e está à venda na Public Livraria ao preço de R$ 30,00 ou comigo. Contato: 96-99147-4038.
**Republicado em homenagem a Lou Ottens, holandês inventor da fita K7, que morreu no último sábado (6), aos 94 anos.

Poema de agora: Como Charles me via – Pat Andrade

Como Charles me via

caía a tarde
quando o canto da cigarra
a fez lembrar
das noites bizarras que vivia
pelos colchões sujos
mãos sem braços
em suas coxas
bocas sem rosto

Arte de Emiliano Bruzzone

em sua boca
era toda solidão
e melancolia
langor e lascívia
entre gritos e gemidos
rezava pela luz do dia

Pat Andrade

*Charles é uma referência ao poeta e escritor alemão Charles Bukowski.