Roberto Carlos de Santana, meu louco favorito – Crônica de Fernando Canto (republicada por conta do Dia Mundial da Saúde Mental)

Crônica de Fernando Canto

Não sei bem em que jornal eu li sobre um maluco que morava numa praia do Rio de Janeiro, mas quem o deixou comigo foi meu amigo RT na volta de uma viagem à cidade maravilhosa. O texto o descrevia como um homem corpulento, negro e barbudo, que fumava maconha, mas que não incomodava ninguém. Cumprimentava a todos e fazia parte da paisagem urbana de Ipanema. Todo mundo o conhecia no bairro e o autor do artigo falava em uma espécie de reencontro com ele depois de muitos anos que passou fora do Brasil.

Em Macapá conheci algumas dessas pessoas alienadas, praticamente abandonadas por suas famílias. E foi exatamente na minha adolescência, quando era estudante do ginásio. Na saída das aulas os mais velhos instigavam os mais novos a fazerem chacotas com elas e apelidá-las quando passavam em frente ao colégio.

Nunca esqueci a “Onça”, que possivelmente não era louca, mas viciada na cachaça. Quando convidada fazia espetáculos sensuais, levantava a saia rodada e dançava Marabaixo, sem se desvencilhar da garrafa de “Pitú’ equilibrava na cabeça, rebolando, para o delírio da turma, que a aplaudia sem parar, rindo e gritando com aquelas vozes de fedelhos em mudança, quase bivocais.

Ainda posso ver o “Cientista” lá pelas bandas do Mercado Central trajando seu paletó azul claro e um calção sujo e descolorido. A barba rala, as feições indígenas e o olhar sereno. Vez por outra procurava alguma coisa embaixo de uma ficha de refrigerante ou em uma pequena poça d’água, como se tivesse perdido algo muito valioso. À vezes anotava (ou fazia que anotava) alguma coisa em um papel de embrulho, daí as pessoas acharem que eram importantes fórmulas de um cientista, vindas em um “insigth”, um estalo de ideia. Eu o vi também trajando o pijama de interno do Hospital Geral, de onde fugia de uma ala reservada aos doentes mentais.

Quase decrépito, mas imponente, calvo e meio gordinho era o famoso “Pororoca”. Para mim é inesquecível a cena que vi dele descendo a ladeira da Eliezer Levy, no bairro do Trem, no sol quente do meio dia, bem embaixinho da linha do equador, quando os raios do sol pareciam rachar os telhados das casas e estalar a piçarra. Lá vinha ele, rindo à toa, descalço, de cueca branca e um imenso couro de jiboia enrolado no peito. Um figuraço!

Creio que todos os frequentadores do bar Xodó chegaram a conhecer o “Rubilota”, um senhor de aparência forte, que andava invariavelmente sem camisa, que pedia um cigarro e ia embora. Mas de repente surtava e começava a gritar pornofonias das mais cabeludas possíveis. Quando ficava violento era preciso chamar a polícia, mas com um bom reforço, pois ele era durão.

Quem sempre aparecia pela Beira-Rio era o Zé, cearense e empresário de sucesso, mas que enlouqueceu, dizem, de paixão. Ele me conhecia, e sempre que me via nos bares ia me cumprimentar ou pedir um cigarro. Os garçons tentavam expulsá-lo do ambiente porque andava sujo e com o pijama do hospital, de onde fugia igual ao seu colega “Cientista”. Porém eu não deixava que o escorraçassem.

Havia um cara que eu conheci ainda sem problemas psiquiátricos. Ele tocava violão e cantava na Praça Veiga Cabral, ali na parada das kombis que faziam linha para Santana. Estudava, salvo engano, no Colégio Comercial do Amapá. Anos depois eu o encontrei pelo centro da cidade cantando sozinho pela rua as músicas seu ídolo: era o Roberto Carlos de Santana.

O pessoal da sacanagem do Xodó chegava a pagar R$1,00 para ele cantar o “Nego Gato” no ouvido de algum freguês desprevenido. O RC de Santana chegava por trás da vítima (normalmente um amigo que não sabia da onda da turma) e dava um berro que até o Rei da Jovem Guarda se espantaria. Cantava “Eu sou o nego gato de arrepiar…” em alto e bom som e em seguida saía correndo com medo da porrada até a intervenção dos gozadores que morriam de rir.

Esse era o meu maluco predileto. Não sei por onde ele anda, se morreu como a maioria dos aqui citados, se ainda recebe uma grana para cantar o “Nego Gato” ou se ainda canta acreditando que é o Roberto Carlos, lá em Santana. O interessante é que as pessoas sempre têm uma explicação para a causa da desgraça alheia. Dizem que todos eles tiveram desilusões amorosas, que foram vítimas de traições, e por isso surtaram, e assim viveram e assim alguns morreram. Mas com certeza viveram bem, imersos no seu mundo, sem se importarem com que os “normais” pensassem a seu respeito, sem se indignarem com os acontecimentos inescrupulosos dos políticos indignos, estes sim, os deficientes mentais que precisam ser recolhidos definitivamente da sociedade.

*Republicada por hoje ser o Dia Mundial da Saúde Mental.

Adoro velhos malucos – Por Elton Tavares (Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Resistir, fazer beicinho ou ficar chateado não adianta nada, todos envelhecemos. Lutar contra isso é uma guerra inútil, de fato. Acho legal a coroada que leva isso na boa, principalmente os velhos malucos. Adoro velhos malucos. Conheço uma porrada deles.

Os velhos malucos não se resumem a cuidar de netos, jogar xadrez ou cartas com outros velhotes encarangados. Não. Eles frequentam os bares das esquinas, falam besteira, tocam, dançam, namoram, bebem… Ou seja, vivem!

Os velhos malucos fazem de tudo por uma vida menos ordinária. Ou o que pelo menos resta dela. Entre as coisas das quais me gabo, está o fato de ser amigo de músicos, escritores, poetas e artistas em geral. Vários deles, coroas doidaços que curtem a vida como aos 20.

Falo de todos que estão acima dos 65 e ainda possuem o espírito inquieto e se recusam a ficarem mergulhados no tédio. Alguns são somente porretas, outros são paid’éguas, loucos varridos. E não pensem que falo somente de quem ainda curte a noite ou toma cachaça.

Admiro os que vão ao cinema no meio da semana, que viajam quando dá na telha, que sabem que já contribuíram bastante para suas famílias e sociedade para agora se dedicarem a viver tudo que quiserem.

Quem sou eu para dar conselhos a senhores que sabem muito mais da vida. Mas ser um velhote maluco deve ser bem mais feliz que viver numa cama, no fundo de uma rede, num sofá ou em uma cadeira de balanço à espera do “único mal irremediável”. Principalmente quando o senhor ou senhora vive na solidão.

Claro que meus velhos companheiros doidões não abdicam de seus afazeres corriqueiros, mas também não colocam tanto peso em cima de algo tedioso que não lhes dá prazer. E acho isso o máximo!

Os velhos malucos não estão mais atrás de sonhos impossíveis ou de tesouros. O que eles querem é viver bem com o que possuem e em paz com os seres humanos que se tornaram. Suas experiências e histórias rendem bons causos e conselhos. A gente se diverte com tanta prosa poética.

Falo de exemplos como o de Carter Chambers (Morgan Freeman) e Edward Cole (Jack Nicholson), no filme “Antes de partir”. Se meu pai estivesse vivo hoje, faria 70 anos e tenho certeza que o saudoso Zé Penha seria um velho maluco.

Tomara que eu, se me tornar um velho gordo de barbas e cabelos brancos, seja um coroa maluco e saiba aproveitar o número de anos vividos da melhor forma possível. Que como hoje, tenha muito mais alegrias que tristezas. Que também tenha desenvoltura para bater papo e entrevistar outros velhotes doidões ou jovens com corações ávidos por aventura, ambos sedentos de vida.

Eu queria mesmo é que a velhice não impedisse ninguém de ser feliz. É isso!

Os velhos malucos são mais malucos que os jovens” – Duque de La Rochefoucauld ( François Poitou).

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2020.

A Santa Inquisição do Fofão – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Lembro-me bem, no início dos anos 90, do pânico em Macapá causado por um boato “satânico”. Espalhou-se que teria uma adaga ou punhal dentro do boneco do personagem Fofão, por conta de um suposto pacto demoníaco com o “Coisa Ruim”, feito pelo criador do personagem.

Iniciou-se uma caça, sem precedentes, aos brinquedos.

Uma espécie de “Santa Inquisição”.

De certa forma, parte da população embarcou na nova lenda “modinha” e os fofões foram trucidados por conta de um mero boato.

Meu irmão e eu vitimamos alguns fofões que pertenciam às nossas primas (prima sempre tinha Fofão, boneca da Xuxa ou Barbie). Na época, muitos diziam que ouviram do vizinho do “fulano”, que uma pessoa tinha sido assassinada por um dos então apavorantes bochechudos de brinquedo.

O Fofão tinha uma cara enrugada, era tosco, usava uma roupa parecida com a do Chucky (o Brinquedo Assassino), e dentro ainda tinha uma haste (punhal) de plástico, que era usado para manter o seu pescoço em pé.

Realmente os fatos estavam contra ele.

Houve até queima dos portadores do mal, em praça pública. Sim! Naquela praça que ficava em frente ao cemitério São José, que hoje abriga a Catedral, homônima ao espaço reservado aos que já passaram desta para melhor.

Na verdade, comprovou-se que o fato não passou de um golpe de marketing, pois muita gente comprou só para conferir e, em seguida, destruir o brinquedo. Coisas como o lance das músicas da Xuxa que, como se falou na mesma época, se tocadas ao contrário, continham mensagens do diabo.

Hilário!

Foi muito divertido, confesso. Ateei fogo em vários fofões, e foi muito melhor do que a época junina. A maioria dos moleques adorou e grande parte das meninas chorou a partida daquele tão querido brinquedo.

Concordo com o dramaturgo inglês, William Shakespeare, quando disse: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que explica a nossa vã filosofia”, mas não neste caso. Porém, o episódio do Fofão foi uma histeria generalizada entre a molecada e virou mais uma piada verídica da nossa linda juventude, uma espécie de Santa Inquisição dos brinquedos.

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

Recordações do Arraial de Nazaré – Crônica sensacional de Fernando Canto

 

Crônica de Fernando Canto

Não muito diferente de Belém do Pará, a festa de Nossa Senhora de Nazaré em Macapá, também traz suas histórias de fé e de religiosidade popular muito arraigada na memória do povo.

Desde que começou a ser praticada por aqui, há mais de 80 anos, vem ganhando o respeito da população de forma que a cada ano o número de fiéis que dela participa se amplia impressionantemente. Indiscutivelmente o final ou início de cada século é motivo de medo apocalíptico, de confusões mentais provocadas por más leituras dos livros sagrados, de aparecimento de loucos, santos e falsos profetas, enfim quase tudo é motivo para que os crentes fiquem atentos aos acontecimentos e com isso queiram se proteger dos males.

O aumento do número de peregrinos a um santuário famoso é um sintoma dessa situação. Vejamos: Fátima, Lourdes, Aparecida e Belém do Pará, onde milhões de pessoas estão sempre presentes com os mais variados propósitos. Elas vão incondicionalmente a esses lugares em busca de cura para suas doenças; para pagar promessas; agradecer por graças alcançadas com a interveniência da Santa ou mesmo para louvá-la na condição de Mãe de Jesus Cristo.

É bem verdade que o lado profano existe em todas as festas religiosas. Em Belém, por exemplo, desde as procissões de translado da imagem ao círio e ao recírio, sempre estão os comerciantes de bebidas, para não irmos muito longe, os batedores de carteiras ou os vigaristas aplicando contos nos aparentemente ingênuos caboclos do interior. Há muitas histórias desse tipo contadas a rodo nas páginas policiais dos jornais locais.

Em Macapá a festa de Nossa Senhora de Nazaré traz recordações saborosas, quando o arraial para o acompanhamento da festa era instalado na Praça Veiga Cabral, onde hoje está o Teatro das Bacabeiras. Os pais levavam as crianças para andar de carrossel, roda gigante e outros brinquedos montados em pequenos parques onde também ficavam os balanços em forma de canoas. Pipoqueiros, vendedores de balões e brinquedos, como o reco-reco, o cata-vento e o ratinho violeta que se movia sob um carretel de corda, faziam o encanto da garotada, sem contar os doces e refrigerantes que até hoje parecem espocar suas espumas no nariz da gente. Nós, muitos irmãos de uma só família, íamos todos vestidos de “fatos” de um mesmo “corte” ou “fazenda”, comprada, com certeza, nas Casas Pernambucanas e não nos importávamos com isso. Afinal éramos uma família.

O tempo deslizou pela rua e o arraial continuou o mesmo na sua estrutura e espaço. Adolescentes que iam para a praça jogar sal nos balões dos “meninos pimbudos” agora se transformaram em jovens caçadores de meninas, em busca de aprimoramento de suas experiências sexuais. Ali as primeiras, segundas e várias outras namoradas “de pegar na mão”, incontidas, esperavam os namorados, muitas vezes de uniforme do colégio, numa flagrante mostra de gazeta de aula. Ali também rolavam outras possibilidades de integração social, de novos conhecimentos e da pura emoção que tomava conta daquela juventude saudável, porém ainda alienada em relação à situação política do país, mas que, como qualquer juventude em qualquer lugar do mundo, sonhava seus sonhos e tentava partir em busca de algo melhor para seu futuro. Mesmo sem saber exatamente o que era o futuro e se tudo poderia dar certo.

E o tempo deslizou mais uma vez. Agora correndo pelos rios e estradas desse país afora, em busca da realização de sonhos e do famoso ”futuro”. Não obstante as agruras e as rasteiras que pegamos pela vida, é doce lembrar um tempo em que “pão” era homem bonito e “gata” pornografia que dava processo por calúnia; significava prostituta. Esse tempo se mistura ao espaço como o profano se mescla à religião.

 

Há sete anos, foi extinto o Orkut, o nosso primeiro hospício virtual

O Google matou (desativou) o Orkut em 30 de setembro de 2016. Há exatamente sete anos e oito dias. O site, criado em janeiro de 2004, pelo engenheiro de software turco Orkut Büyükkökten, foi uma febre no Brasil, assim como o Facebook e Instagram. Aliás, os brasileiros foram os recordistas de adesão. Em dezembro de 2011, ele foi substituído pelo “Feice”, que deu as caras por aqui em português. Em 2014, ninguém mais usava a velha plataforma.

Aí, por causa dessa parada, fui ao meu antigo “profile” Orkut salvar fotos velhotas. Bateu logo saudades. A nostalgia foi um misto de alegria e tristeza. Amigos que já partiram para outro plano, outros que não são mais amigos e aqueles que foram embora de Macapá. Momentos felizes eternizados nas imagens, manifestações de carinho, etc. Coisa louca saporra de lembrança virtual que mexe com a memória afetiva.

Lembro que para entrar no Orkut, ainda em inglês, era preciso um convite de um amigo. Depois traduziram a rede social e você já podia criar um perfil sem ser convidado. Fui expulso do site três vezes. O motivo? Discutia nas comunidades, me divertia com a polêmica dos assuntos banais que rolavam nas comunidades mais inusitadas.

Só que o Orkut não era só guerrinha pra tirar barato com as minhas idiotices e futilidades (minhas e dos outros), mas também umas paradas bacanas. Para encontrar pessoas então, era uma espécie de Interpol.

Lá, escrevi e recebi “scraps” (recados) de amor, amizade, elogios e “testimonials” (depoimentos) bacanas. Muitas juras para sempre (que sempre acaba).

O Orkut foi o nosso primeiro hospício virtual. Foi um lance paid’égua, apesar de dizerem que a “orkutização” seja uma grande babaquice, todos nos divertimos (e muito) por lá. Sim, aquela parada foi legal pra caramba. Valeu!

Elton Tavares

A Lenda do Pato no Tucupí – Crônica porreta de Orlando Carneiro

Comecei a criar esta crônica para o Canto de Página do Diário do Pará. Ela veio como numa tempestade cerebral, escrita de uma só digitada. Achei que poderia ser considerada inapropriada, pelos demasiadamente conservadores, para publicação em jornal. Como em livro há maior liberdade, eu a publico aqui, como um Bônus aos meus leitores. Por uma questão de respeito cultural, informo que este texto é ficcional, sendo, pois, uma crônica.

Orlando Carneiro

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A Lenda do Pato no Tucupí

Numa parte isolada da floresta amazônica, havia a tribo Ma’Fu’Xi’co, milenar povo de origem não pesquisada. Vivia da agricultura, da caça e da pesca, tudo muito rudimentar. Dentre os vegetais que plantavam estava a mandioca, da qual era extraída a farinha, feita ao meio dia no calor de ita’Kú (pedra amarela).

O caldo que saía da raladura e da prensagem da mandioca, chamado de tu’Kú (líquido amarelo), era usado para a caça, pois sendo venenoso, era colocado em cabaças nas trilhas dos animais, e estes morriam ao tomar tu’Kú.

Os índios tiravam as vísceras envenenadas e comiam a carne à vontade, pois o veneno não a atingia. Havia muitos veados na mata, e principalmente estes morriam logo que tomavam tu’Kú. Os Ma’Fu’Xi’co estavam pensando em plantar árvores de cuiuda (ou cuieira), pois era cada vez menor o número de trepadeiras cabaçudas (ou cabaceiras) na região, para fazer as cumbu´cas. Quando os Ma’Fu’Xi’co brigavam, eles discutiam muito, e desejavam a morte uns dos outros, gritando bem alto:

– Vão tomar tu’Kú.

Ma’Q’Xi’Xí era um jovem índio que se apaixonou por uma Xo’Xo’ta (índia formosa), filha de K’bi’dela, o pajé, e que era muito namoradeira, namorava com todo mundo mas não queria nada com Xi’Xí (assim era chamado o jovem). O apelido da índia era “ga´linha de K’bi’dela”. Xi’Xí, loucamente apaixonado, tentou conquistá-la:

– Tu pode vir P’í (quente), que eu estar P’á (fervendo).

– Vai tomar tu’Kú, foi a resposta definitiva da jovem.

Xí’Xí, ao ser rechaçado, resolveu se matar. Mas tinha que ser um suicídio diferente, que chamasse a atenção. Resolveu tomar tu’Kú , mas antes o pôs no fogo, até que ele P’á (fervesse). Ele achava que se tomasse P’í (quente, depois da fervura dada),a morte seria mais rápida, indolor. Quando o tu ‘Kú ficou no ponto, ele tomou bem P’í. Surpresa : não morreu. Ao contrário, achou que tomar tu’Kú era até que gostoso. Saiu gritando: “tu’Ku’P’í bom, tu’Ku’P’í bom “.

A mãe de Xi’Xí, ao ver que o filho havia tomado tu’Kú, tentando o suicídio, e estava gritando que o veneno era bom, resolveu tomá-lo, pensando que iria morrer junto com o filho, e teve a mesma surprêsa: não apenas não morreu, como aquele líquido amarelo, fervido sem tempero algum, era bom demais, imagine se bem preparado.

Excelente cozinheira, a índia mãe resolveu preparar alguma coisa para acompanhar o tu’Kú’Pí. Pensou antes em frutas, e procurou todas as que fossem Kú: Ba’Kú’rí, Kú’P’u’Açú, Tu’Kú’ Mã, e até A’bri’Có. (Até hoje não se sabe porque o nome não é A’bri’Kú, pois a fruta é amarela). Não deu certo. pensou em peixes Kú: Pí’Ra’Ru’Kú, Pá’ Kú, Tú’Kú’Na’ré, Kú’ri’ma’tã. Até que ficaram bons, mas ainda não eram os acompanhantes ideais. Tentou os animais: car´nei´ro, vá-ca, gá’los. Destes, os gá’los eram os que mais se aproximavam do ideal. Teve até um fato inusitado:

“K’bi’dela Jr. Emoticon smile”filho de K’bi’dela”) jogou no tú’Kú, a P’ir´qui, (periquita) da sua mãe, e quase foi obrigado a tomar tú’Kú, pois a citada periquita era muito querida, principalmente pelo seu índio pai). Xí’Xí perguntou para a mãe: “porquê tu num experimenta P’á-to´to” (“ave de tesão {tô que tô} fervente (pa), pra jogá no tu´Kú quando tiver pa (fervendo)? Ela experimentou, e os dois acharam que era o ideal, o P’á-to´to no tú’Kú’P’í.

Para ter um verde no prato, ela juntou folhas de uma plantinha que gostava muito, o jam´bú Emoticon smile “folha da tremelicagem”) e xi´có´ria Emoticon smile “folha que está sem estar”).

Chamaram os índios e deram para que eles provassem. Os índios vieram meio ressabiados, mas eram muito curiosos (daqueles que cheiram microfone de repórter), experimentaram e gostaram. A partir daí, o p’á-to´to no tú’Kú’P’í passou a ser o prato típico daquela aldeia perdida na amazônia. Xi’Xí, feliz, dizia para todo mundo que era melhor comer o p’á-to no tú’Kú’P’í era “que a ga´linha de K’bi’dela.”

Felizes com a descoberta e com a fama, Xi’Xí e a mãe passaram a tentar inventar pratos. Tentavam de tudo. Um dia Xi’Xí falou:

Mãe, i si nós juntá Ma’ní (folha da maniva) , com tudo que é Só (gordura animal), e B’a (ferver intensamente, dias infindos), será qui vai ficá uma cumida gostosa e nos deixá mais famôsos ?

– Num sei, Xi’Xí. Ma’ni’Só’B’a ? Acho qui é veneno.

– Será? O tu’Kú num era ? Sei não. Vá tapá (novo prato na aldeia? N.A.) a penela do tu’Kú qui tá P’á. Eu vou colher Ma’ní, juntá muito Só e B’á tudo junto. Sí dé certo a Ma’ni’Só’B’a, vou ter todas as Xo’Xo’tas (índias formosas) da tribo no meu mão.

* Orlando Carneiro já publicou inúmeros livros e é um escritor muito conhecido no Pará. Essa crônica foi uma contribuição do amigo do autor e meu também, Fernando Canto.

SELFIE – Crônica de Ruben Bemerguy

Tenho muitos vícios. O mais imperfeito deles é o vício de fumar. O mais perigoso é o vício de amar.

Imperfeitos ou perigosos os vícios me impõem a condição de servo.

Do primeiro – fumar – não raras vezes tentei me libertar, mas ainda sem êxito. Do segundo – amar – dado ao elevado grau de risco, já estou serenamente livre. É que amar mata. Segundo minhas observações, quem traga o amor como eu trago é candidatíssimo ao óbito precoce. Não há pulmão que resista a um grande amor. Melhor fumar. Fumar salva vidas.

Há outro vício. Desse, tal como o vício de amar, também permaneço liberto, ainda bem. É o vício da Selfie. Criei até uma certa antipatia pela palavra Selfie. E olhe que amo as palavras. Só a elas, inclusive.

Mas Selfie é um estrangeirismo que faz com que quem o pronuncie passe representar o mais imponente falso-culto, quando pouco. Aliás, falso-culto é uma expressão, inventada por mim e para mim, exclusiva para identificar a exata futilidade da Selfie. A verdade, é que ando com raiva das Selfie’s. Em outras palavras, falso-culto tem o sinônimo falso-mundo. É, definitivamente, uma palavra criada para me proteger dos cínicos.

Selfie é, portanto, um auto-retrato (muitas vezes um multi-retrato) onde se irradia a vaidade própria, próprio da própria desconfiança.

A Selfie nunca será um retrato. O retrato nasce em outros olhos e isso é suficiente para distanciá-lo da Selfie. A Selfie, assim, é um verdadeiro funk ostentação.

Seja como for, e por isso mesmo o falso-mundo, eu nunca me deparei com uma única Selfie triste. Selfie que chore. Selfie saudade. Selfie volte pra mim. Selfie dúvida. Selfie perdi. Selfie me perdoe, eu errei.

Só encontro Selfie triunfante. Selfie Sorridente. Selfie Forte. Selfie Valente. Selfie ouruda. Selfie Feliz.

Ontem estive com o Rio. Expliquei quanto a meu vício de fumar e de como isso tem salvado a minha vida. Ele confidenciou que também inala do mesmo vício e por essa simples razão ainda existe. Depois, respirou fundo, e molhando em suas águas o vício do amor na modalidade cem metros rasos vaticinou: “Ouça Ruben, o amor não passa de um traço feito a lápis na cortina d’água”. E olha, de amor e de água o Amazonas entende mesmo. E muito.

Já quanto ao vício da Selfie, ele – o Rio – acha tudo muito natural. Justifica ensaiando que o aperto de pés, por exemplo, é mais sagrado do que o aperto de mãos. E que nós só assistimos os apertos de mãos porque o aperto de pés só se revela na volúpia de nossas águas mais profundas e, por isso, é invisível a olhos nus. Nada mais invisível do que o aperto de pés, segundo o Rio.

Quando comprimimos os pés descalços em outros pés descalços – me disse o louco do Rio – embora ninguém veja, ninguém saiba, caminhamos exatamente para a invisibilidade dos destinos paridos no vício que mata, mas sem o qual não se vive. O tal do vício de amar.

Para o Rio, esse excêntrico excessivo, seja a selfie auto ou multi, ela – a selfie – é palavra sem gênero e só por isso estaria justificada sua existência e proliferação. Para ele, a Selfie é e sempre será um aperto de pés. O que o selfie revela mesmo ninguém vê porque não é pra ver mesmo. É assim mesmo. Pés entrelaçados. Palmas enlouquecidas. Dedos em riso.

A Selfie é desse modo. Só anota que os pés existem, mas o aperto de pés é caligrafia que só se decifra no vício de amar.

Me despedi do Rio e ri. Ri muito. Costumo rir dos Rios. Me diz o Rio que o vício de amar é efêmero e quer me fazer crer nele e em Selfie. Ora veja!

Arranquei um cigarro do bolso esquerdo, acendi a luz que me salva a vida e segui. Simplesmente segui.

*RUBEN BEMERGUY é advogado e membro da Academia Amapaense de Letras

Fonte: Blog da Alcinéa.

Ilha de calor – Crônica de @rebeccabraga

Belém – PA – Foto: Elton Tavares

Por Rebecca Braga

Era por volta das 10 da manhã quando cheguei em casa. Um gole longo de água. Subi as escadas até o andar superior enquanto tirava a roupa e largava em cima da cama.

– Como é quente esta cidade. – Falo pra mim mesma.

Sempre achei que Belém fosse mais quente que Macapá. Deve ser porque, quando criança, ouvi alguém dizer que:

– Belém é uma ilha de calor.
-Ilha de calor?
– Sim. Sabe quando o ar quente fica dentro da cidade? Deve ser por causa dos prédios…
– Ah, entendi. Deve ser mesmo.

Pesquisei o que é uma ilha de calor. Não é E-XA-TA-MEN-TE isso, mas quase. Então serve, por enquanto.

Macapá – AP – Foto: Elton Tavares

Quando me perguntam se Belém é mais quente que Macapá, sempre digo que tenho essa impressão, mas que deve ser porque eu me acostumei em morar numa cidade que tem uma orla por onde se pode andar de um lado a outro da cidade vendo o Rio Amazonas, não uma paisagem, mas um elemento que não se pode ignorar. O vento, o som, o cheiro. Tudo que vem dele habita os dias.

Em Belém, a orla tem portos prédios lojas aos montes. E num lugar ou outro você vê a sombra de um Guamá no fundo e nesse ou naquele lugar é possível sentar à beira do rio. Sinto falta do passeio de carro olhando o rio que quando seca vai longe da margem e deixa nu um chão de areia e lama, com cheiro úmido de água doce e esgoto.

Rio Amazonas – Macapá – Foto: Floriano Lima

Não se trata de ser um melhor que outro. Trata-se de que são diferentes, e me despertam diferentemente.

Também acho Belém mais úmido. E isso acho por causa dos três dias que a roupa leva pra secar, se não chover e ela secar e molhar várias vezes, até perder o cheiro de cachorro molhado, como diria… não lembro exatamente quem.

Foi minha mãe que me chamou atenção pra isso. Sinto saudades de minha mãe. Ela sempre tem um cheiro fresco de pele recém lavada. Sinto falta do som que os passos dela fazem.

Belém é uma cidade violenta. Não preciso dos dados pra dizer, mas você pode conferir.

Andando na rua tenho medo de assalto, mas em certo período do ano tenho mais medo de manga. Sim, de uma manga cair na minha cabeça. Acho que uma manga pode matar alguém, ou fazer um bom estrago.

Ver-o-Peso – Belém (PA) – Foto: Luiz Braga

A rua onde moro tem casarões antigos. É a parte velha da cidade. Se eu caminhar pra minha esquerda, até o fim, chego no rio, e no Ver-o-peso. Lá o cheiro é forte de patchuli, maniva e cocô de galinha. Mas não só isso. Cheira a peixe frito, açaí do grosso, farinha baguda. Fala-se alto, é preciso se ouvir entre as bicicletas com alto falantes que tocam os bregas clássicos e vendem pendrives com centenas de flashbacks. – Só os melhores, freguesa!

Se eu andar pra direita chego ao antigo presídio da cidade. Lá tem loja pra turista, um polo joalheiro e um museu que guarda objetos que os presos usavam pra seviciar os desafetos. Senti um profundo mal estar nesse lugar. Também tem uma capela linda. Deve ser de São José. Curiosamente, padroeiro de Macapá.

Curioso mesmo é que esse texto nasceu não para comparar Belém com Macapá, o que acho tedioso quando me pedem pra fazer. Mas porque acordei de um cochilo inapropriado nessa manhã. Molhada de suor e pensei que Belém era muito quente, e muito úmida, como uma vagina excitada. Ou como várias vaginas excitadas. De tamanhos e formas diferentes. Pingando. Crescendo. Pulsando em gozo frenético e violento. Minha Belém é uma vagina excitada.

Sobre o fio que guia o coração e a busca de conhecimento – Por Fernando Canto

Por Fernando Canto

Toda memória tem um fio amarrado no tempo, mergulhado no escuro do labirinto. Todo fio tem um propósito e um elo: o odor das mãos que o teceram e o fizeram novelo. Todo novelo é um apelo finito, uma voz sem ter grito, uma pista e a certeza que voltaremos à luz.

Um novelo é um presente àqueles que se aventuram, e destemidos vão fundo tatear o oculto, procurar o inculto na escuridão de suas almas.

Mas ali no cosmo de brilhantes matérias o conhecimento estala em explosões de átomos, invisíveis nas esfinges do infinito astral.

E aqui também, na tênue luz do entardecer, mistérios nascem com a lua, quando ela surge no rio, num horizonte de marés, vindas do ventre da terra em simbiótico enlevo entre o planeta e o satélite.

*Do livro “Uma universidade Equatorial – Uma aventura acadêmica”.

Em serviço especial, Rádio Difusora de Macapá transmite título inédito do Tricolor

Por Marcelo Guido e Fábio Maciel.

Domingo, 24 , de setembro de 2023, estádio lotado , emoções a mil o Brasil parando para acompanhar a final da Copa do Brasil.

São Paulo e Flamengo, as duas melhores equipes da competição medindo forças para levantar o troféu , comemorar o título e salvar a temporada .

Um enredo fantástico, uma história a ser contada e apresentada , a pioneira com sua equipe de esportes estava a postos para contar pelas ondas da 630 AM as emoções desse exuberante espetáculo.

Na narração espetacular de Aldimar Santos , as reportagens de Tavares Santos , o ” Bad Boy” , comentários de Marcelo Guido e o plantão de João Batista, o ” Grandão”, a Difusora figurou e participou da história escrita.

A jovem senhora de 77 anos, pioneira nas transmissões esportivas no estado , conseguiu levar a emoção para os seus ouvintes nos 16 municípios.

O jogo em si, foi um apanhado de emoções fortes , com um Flamengo correndo atrás do prejuízo e o São Paulo administrando o tempo e a vantagem.

Bruno Henrique, em lance de oportunismo abriu o marcador no final do primeiro tempo, Nestor em chute de rara beleza e mostrando um habilidade singular empatou nos acréscimos da etapa inicial.

O segundo tempo, foi marcado por lances de perigo para as duas equipes, mas o placar não foi mais alterado , final 1×1.

São Paulo campeão, festa tricolor.

Narrada e transmitida com emoção e fulgor por quem fez se fez gigante nas transmissões e está a mais de sete décadas no ar: Rádio Difusora de Macapá.

Aos loucos, pirados pelo poder – Crônica de Elton Tavares – (Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Crônica de Elton Tavares

Queria que esses loucos por poder fossem tomados por lucidez e bom humor. Que eles respeitassem nossas individualidades, fraquezas, escolhas e habilidades. Gostaria que estes canalhas avaliassem o profissional, a pessoa, o amigo, sem o sagaz desejo de domínio absoluto do ser e sem a mão pesada da tirania imbecil.

Queria que estes doidos por dinheiro nos deixassem escolher, questionar, discernir, pensar livremente. Queria que os insanos por status nos desse o direito de sermos sinceros, de vivermos com clareza, de acordo com nossas escolhas, sem ameaças ou tramas de desconstrução de nossas imagens.

Ficaria feliz com um pouco de reconhecimento pelo que foi feito, pelo que aconteceu, pelos bons e ilusórios tempos de brodagem. Também seria grato se os alucinados se tocassem que não possuem superpoderes, muito menos competência para “queimar” quem não atende seus desejos.

Queria que fossem menos incoerentes, estúpidos, insensatos e imorais. Uma pena que loucos maus conduzam cegos, entre eles, bons cegos.

Por fim, queria mesmo que esses malucos monsenhores boçais e seus vassalos, envenenados pelo poder, parassem de, a esta altura do campeonato, tentar dar um migué (fraco) para cima de quem os conhece bem. Chega, insanos, de tentar rezar a missa em latim de trás pra frente.

Afinal, ninguém é totalmente mau ou plenamente do bem, mas injustiça e perseguição gratuita é loucura. E como é! Ah, como eu queria que esses loucos fossem menos pirados por poder.

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, lançado em 2020.

Sobre o meu 47ª dia 14 de setembro (um pequeno balanço deste incrível milagre de eu estar vivo)

Pois é, “caras como eu estão ficando velhos”. Na verdade, já sou. Um pouco menos Gordão, rosto de 45 (apesar da barba e cabelos brancos) e corpitcho de 95, faço 47 anos hoje. Essa idade parecia tão distante e eu achava que estaria mais velho de espírito, mais maduro, mais coerente, mais sensato, muito mais responsável. Além disso, é impressionante chegar há mais de quatro décadas vividas diante das centenas de “bocas cercadas” e “fogueiras puladas”. Ainda bem que o fígado é um órgão que se regenera.

“Batidas na porta da frente… É o tempo. Eu bebo um pouquinho pra ter argumento…”. E não é que aquele moleque doido sobreviveu até aqui. Largura e não foi pouca não.

É, apesar do trabalho que dei ao meu anjo da guarda, deu tudo certo (acho eu). Aniversários são especiais para mim e estou muito feliz de rodar o calendário mais uma vez. São quatro décadas e sete anos com poucos arrependimentos, muitas bênçãos e amigos. Sobretudo, amor e suporte familiar.

Claro que fiz uma porrada de merdas, mas também acertei muito. Já toquei fogo em muitos circos, mas nem um palhaço morreu queimado (no máximo cego ou aleijado). Já provei poderosos venenos e doces antídotos. Costumo brincar ao dizer que graças a Deus, tenho uma sorte dos diabos.

Com a Maitê (sobrinha) e Bruna (namorada), amores da minha vida.

Não tenho do que me queixar. Muita gente me ama e também muita gente me odeia, mas estes últimos por serem quem são, prefiro assim. Sobre eles, deixo somente as palavras do amigo Fernando Canto: “não falo de inimigos, pois como os ex-amigos, eles não merecem a minha ira. Apenas desprezo o que não quero prezar”. Alguns me acham encrenqueiro, mas estouro para não implodir, somente ação e reação, simples assim. Confesso que às vezes exagero, mas sou assim e isso me faz feliz.

Com uma mistureba rock’n roll, MPB, MPA, marabaixo e Samba, ando por aí com um ar meio maldito, sempre de preto, meio Johnny Cash-sem-talento-musical-gordo-negão. Já fui tão doido que o fotógrafo Sal Lima disse que eu era o Tim Maia sem talento musical (risos). A verdade é que sou chato esquisitão bem humorado, mas antissocial que finge ser sociável e tranquilo. Menos inteligente do que muitos pensam e menos burro do que alguns poucos imaginam (“É um duplo prazer enganar a quem engana” – Nicolau Maquiavel).

Com minha mais que maravilhosa mãe e melhor amiga da vida toda, Maria Lúcia.

São 47 anos de muita batalha e de incontáveis vitórias. Profissionais e pessoais. Consegui sucesso, notoriedade e respeito em uma profissão competitiva, cheia de gente muito talentosa e boa. Sobre isso, nunca me reinventei, mas aprendi e aprimorei os métodos, melhorei o trato e fortaleci velhas parcerias. Há tempos, descobri que respeito é o segredo. Ah, arrisquei várias vezes. Claro, rolaram algumas pisadas de bola e frustrações. Faz parte.

Namorei um bocado; amei e desamei; viajei muito; vi shows de rock; sai na porrada várias vezes; comemorei mundiais da seleção brasileira; títulos do Flamengo; desfilei e fui campeão pelo Piratão; frequentei rodas chiquentas e os botecos mais vagabundos; decepcionei alguns; fiz muitos felizes, enfim, vivi uns 60 anos nestes intensos 47 setembros.

Com o Emerson, meu irmão e melhor amigo da vida toda.

Apesar de um monte de doidices, consegui me tornar o Elton Tavares que é escritor, jornalista e editor deste site. E gosto de quem sou. Amo as minhas pessoas e elas sabem quem são, pois sempre deixo isso bem claro, apesar de minhas esquisitices. E agradeço sempre pela minha vida e por todos que sempre me apoiam. Também por me aturarem, mesmo com a incoerência e insensatez de alguns momentos.

A vida profissional acabou com minha postura marginal, pois foi necessário. Afinal, como diz o ditado popular: “Papagaio que come pedra, sabe o cu que tem“. Mas isso não quer dizer que não sinto saudades disso, às vezes. Porém, quem me conhece sabe que aqui não existe falta de atitude. Hoje renovo minhas esperanças nas pessoas e em mim mesmo. A gente tá aqui para aprender e tentar evoluir. Só que uma piradinha vez ou outra faz com que esse processo seja menos tedioso.

O mais legal é que consegui o que muitos não alcançam: SER EU MESMO. Enfim, é realmente um milagre eu estar vivo.

Agradeço não somente hoje, mas todos os dias para Deus, Morgan Freeman, Universo ou seja lá o nome da Força que comanda tudo por aqui pelo amor da minha mãe, irmão, sobrinha, namorada, avó (in memoriam) tios, tias, primos, amigos e o carinho de uma porrada de gente. Sou grato mesmo. Muito obrigado!

“A vida passa muito depressa, se não paramos para curti-la, ela escapa por nossas mãos” – Ferris Bueller’s, no filme Curtindo a Vida Adoidado.

Elton Tavares – Jornalista, escritor e maluco da antiga.

Das pautas para a vida: hoje é dia do meu irmão Elton Tavares – Por Bernadeth Farias

Por Bernadeth Farias

Das pautas para a vida: hoje é dia do meu irmão Elton Tavares

Hoje é dia de homenagear quem homenageia os familiares e amigos a cada aniversário. É dia de reverenciar e parabenizar o irmão de coração que tenho a alegria de ter em minha vida. É dia de Elton Tavares: o gordão ou ex-gordão amado por mim e por meu filho (Joab) e meu marido (Job).

Elton é um filho, irmão, tio e amigo zeloso, cuidadoso, amoroso e até passional (costumo usar essa expressão devido à intensidade do seu amor pela família e amigos). Ai daquele ou daquela que mexer com um familiar ou amigo seu: ele vira um urso ou leão (dá pra perceber como ele é intenso, né, hehehe).

2013

No campo profissional, sempre tive vontade de trabalhar com ele. Elton é uma enciclopédia ambulante, uma máquina de escrever, um jornalista inteligente, sagaz, dinâmico, ousado, generoso e ético. Começamos a trabalhar juntos, em março de 2023, na Secretaria de Comunicação do TJAP. E tem sido uma experiência maravilhosaaaaaa.

O filho da Dona Maria Lúcia e do seu Zé Penha, irmão do Emerson, namorido da Bruna, neto da inesquecível Peró, tio da fofa Maitê e cunhado da lindeza da Andresa é um irmão que a vida me deu há 12 anos. Vez ou outra a gente recorda como iniciou nossa amizade. Ah, e ele também lembra dos puxões de orelha e dos ralhos que já dei nele (agora só de vez em quando kkkkkkk).

Ao longo desses 12 anos de amizade e convívio, vivemos muitas histórias para contar, a exemplo de: “sou rycaaaaaaa”, “tu vais amar esse bar em São Paulo que resultou em: “meu cabelo tá fedendo com essa fumaça da calabresa”, “tem fruta nesse sushi”, “eu não vou pegar táxi”, “a Berna só come penosa”, “Índio coloca uma cadeira pra bolsa da Berna”, “o que acontece em Cuiabá fica em Cuiabá”, e mais recentemente “não me apresenta pra ninguém que sou antissocial”, e por aí vai (algumas rendem crônicas – quem sabe um dia escrevo, kkkkkkkkk).

Meu irmão Elton, a amizade, amor, carinho, cuidado e respeito que tens por mim são valiosos demais, e recíprocos.

No dia de hoje, e em todos da tua vida, eu te desejo sempre saúde, amor, sucesso e prosperidade. Conte comigo para tudo. Te amo, irmão!

O tempo das paradas escolares – Outra crônica porreta do Fernando Canto

Foto: Floriano Lima

O rufar dos tambores da escola vizinha a minha casa troa mais forte que a chuva de verão que acabou de cair. É um barulho salutar, bem compassado e ritmado que tem o objetivo de marcar o passo dos alunos desfilantes do dia sete de setembro, dia da Pátria. A banda ensaia no entorno da escola, mas é uma banda de fanfarra, onde não faltam notas desafinadas de clarins e seus sons amorfos e jovens balizas ensaiando, em busca da perfeita harmonia que por certo terão no dia do desfile, no Sambódromo…

Quando a época de comemoração da nossa Independência se aproxima eu sempre pergunto aos amigos da mesma faixa etária se sentem saudade dos desfiles a que éramos obrigados a participar. Eles não só dizem que sim como acreditavam que era um tempo de disciplina, que os ajudou a tomarem “tento” na vida. Depois me confessam que foi só por um momento, quando ainda estavam no ginásio. Mais tarde, porém, já no colegial, é que foram perceber o quanto viveram isolados e alienados da realidade do país. Não só eles, como os educadores, diretores e principalmente os pais. Quase todos eram filhos de funcionários públicos, que vivam sob a dependência dos governantes militares que vinham para o Amapá como poderosos vice-reis.

Foto: Floriano Lima

Os estabelecimentos escolares tinham praticamente duas semanas de preparativos e ensaios para os desfiles. E eram categorizados: as escolas e grupos primários desfilavam no dia 5 de setembro, o Dia da Raça, que creio nem mais se comemorar no Brasil; os ginásios e colégios faziam seus desfiles no dia sete, precedidos pelos militares e, no dia 13 de setembro, dia da Criação do Território do Amapá, era realizada a grande parada escolar, com desfile de carros alegóricos temáticos e ricamente enfeitados. As bandas da Guarda Territorial ou do Exército acompanhavam os desfiles dos colégios que não possuíam bandas de música. Mas só o Ginásio de Macapá atravessava a passarela da Avenida FAB com o garbo peculiar que lhe dera fama e um público fiel que o aplaudia do começo ao fim. Seus pelotões e carros alegóricos criativos enfrentavam o sol e o vento de setembro sob a batuta do Mestre Oscar Santos. E nós alunos vivíamos sob a marca de um tempo que não imaginávamos sua dimensão histórica para o resto do Brasil e do mundo.

Avenida FAB – Macapá – AP – 13 de setembro de 1976 – Foto: Floriano Lima

Apenas mais tarde, já em outros desfiles, mas ainda sob a égide da ditadura militar, é que começamos a recusar a obrigatoriedade, do papel servil que nos impunham por tabela os ditadores, lá do planalto central. Os desfiles eram obrigatórios, sim. Quem não respondesse a chamada na área de concentração podia ser suspenso se não justificasse a ausência depois. Os professores de educação física, responsáveis pelos desfiles eram que faziam a fiscalização. Um grande amigo meu, hoje radialista famoso na cidade, me contou que por ter errado o passo numa situação dessas ficou três dias suspenso. Só não foi expulso depois do quiproquó que fez graças à intervenção firme do seu pai, um açougueiro muito respeitado. Mesmo assim ficou marcado como “um meninão que não amava a Mãe Pátria”.

Os colégios costumavam representar os estabelecimentos militares em função dos seus diretores e professores que acompanhavam cegamente os ditames dos ditadores e governadores da época. Ninguém podia “ser do contra”, sob pena de sofrer as sanções impostas pelos regulamentos especialmente preparados para os alunos considerados “rebeldes”.

Ainda bem, tudo passou. A saudade dos desfiles continua na cabeça de muita gente, assim como a ditadura também está presente na mente de muitos governantes que creem que só pela força podem continuar mandando. Ainda bem, a vida segue seu curso sem precisar que o vento negro da morte e da tortura caminhe novamente sob a paz do nosso país. Viva a Independência e nossa melhor memória.