Mais vida, menos grana – Crônica de Elton Tavares

Noite dessas, ao conversar com amigos e dizer que não guardo um vintém do que ganho com o meu suado trabalho, eles ficaram assombrados. Disseram que é loucura, que ‘issos’ e ‘aquilos’, especialmente sobre reservas econômicas para possíveis emergências. Eu disse que prefiro mais vida e menos grana.

Não, não é que eu não goste de dinheiro. Claro que gosto, mas tudo que ganho, no batalho e sempre honestamente, é repassado para custos operacionais e caseiros. O restante é gasto e muito bem gasto em vida. E não sobra nadica de nada para acumular.

Além da minha incorrigível falta de perspicácia financeira, nunca ganhei somas consideráveis com meus trampos, seja este site, na assessoria ou escritos (sim, vivo literalmente de palavras). Mas o que entrou no meu bolso, apesar de eu não conhecer essa tal de economia, jamais foi desperdiçado.

Eu bebo e não é pouco. Como da mesma forma. Gosto de viagens e dos momentos em que fiz um monte de merdas legais com os meus brothers. Isso tudo custa caro. Em nem todo o dinheiro do mundo poderia comprar aqueles dias de volta. Ou seja, mais vida, menos grana.

Quando não usei minha grana pra curtir a vida com amigos, ajudei pessoas. E essa é a melhor forma de torrar os trocados. Como disparou outro gordo louco no passado: “não quero dinheiro, eu só quero amar”. Grande Tim!

Falando em citações (amo usar frases de ídolos), uma vez o Belchior disse: “e no escritório em que eu trabalho e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor“, na canção “Paralelas”. Boto fé nisso.

Algumas pessoas que conheci no passado, amigos e até familiares, após se estribarem, ficaram um tanto pavulagem demais e com suas vidas muito menos divertidas.

E isso me recorda o bom e velho Johnny Cash, que certa vez pontuou: “às vezes eu sou duas pessoas. Johnny é o legal. O dinheiro causa todos os problemas. Eles lutam”.

Ou os Paralamas do Sucesso, na canção “Busca a vida”: “…Ele ganhou dinheiro, ele assinou contratos, e comprou um terno e trocou o carro. E desaprendeu a caminhar no céu …e foi o princípio do fim!“.

Aos que desaprenderam o caminho, deixo a canção-poema : “Desejo que você ganhe dinheiro, pois é preciso viver também. E que você diga a ele pelo menos uma vez quem é mesmo o dono de quem“.

No meu caso, sigo dando mais valor em viver do que em poupar para um futuro incerto. Menos grana, mais vida, meus amigos.

É isso!

Elton Tavares

F L I P – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Flip… meu idoso cão, meu peralta cão… sobe as escadas na velocidade da luz, dividida por um bilionésimo de segundo.

Branco, pequeno, resmungão, ansioso, e afobado, dentro dos limites das suas artroses, parece comigo.

Veio cobrar a ausência dos sacos de lixo que revira quando eu o ponho para brincar na garagem, de onde sai todo sujo, de lixo orgânico que separo dos papéis, plásticos e demais sobras.

Resmunga na linguagem dos cães, refuga, remarca o seu território urinando aos quatro cantos da sala, que transformei em espaço mais importante da casa…

TV… Computador… Rádio… Pilha de Papéis Escritos a Mão, ou impressos, livros terminados e não publicados, monte de meias, cartas importantes e sombras desfiguradas pelos anos, que às vezes puxam a cauda do Flip, e ele reage grunindo em Dó Maior.

Mas hoje ele está emputecido, porque prevendo chuva a Noroeste, segundo o homem da meteorologia, vai chover metade do céu em Osasco.

Ele fica proibido de brincar na garagem.

Isso tudo eu explico para ele, que me olha e mexe as orelhas como se achasse um saco o lixo ser abandonado a sua sorte dentro de um caminhão que o tritura sem piedade.

Ele, Flip, não… o puxa delicadamente pelos buracos que faz no saco, e os empilha conforme o odor que espalham.

Um técnico em repartir podres.

Desce furioso, ouviu o som dos lixeiros, gritando pela rua, se aproximando, quanto mais perto, mais forte ele percebe o ruído da roda dianteira do lado da direita do caminhão, azedo ruído, é a roda que mais raspa de encontro com a calçada desnivelada em frente a nossa casa.

Pula no portão fechado, os lixeiros não temem, estão acostumados com o brabo Dog.

Às vezes lhe atiram pedaços de pão, que ele ignora, e passa dias urinando nele, para apodrecê-lo mais rapidamente, acho eu.

Hoje… não…

Vê os sacos de plástico escuro saírem do seu ângulo de visão, o cheiro, não, este fica com ele…

Até que eu o leve para o banho quinzenal no Pet Shop, duas quadras adiante.

Resenha do livro “O sol é para todos”, de Happer Lee – (Por Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena)

Por Lorena Queiroz

Não tem como você não refletir sobre o mundo quando escuta o título “O sol é para todos”. A não ser que você seja um sujeito muito alheio, você não consegue ignorar o significado do que este título diz. Esse foi o título dado a esta obra que é um clássico da literatura mundial, e que, apesar de impactante, eu discordo que seria a tradução de título mais fiel. Pois se tem uma coisa que eu entendi, é que, o sol não é para todos.

O livro se passa em plena depressão na década de 30 em Maycomb, uma cidade fictícia no sul do Alabama. Tudo nos é contado através dos olhos de Jean Louise Finch, a Scout. Ela e seu irmão, Jem, desfrutam da infância juntos. Cuidados por Calpúrnia, uma empregada preta que já estava neste lar antes deles nascerem.Eram arteiros mas com inteligência superior a de outras crianças. Tudo lhes tinha sido ensinado pelo pai. Tendo essa a superioridade intelectual incomodado a professora de Scout, que ao perceber que a menina já sabia ler, ordena-lhe que o pai pare de lhe ensinar “errado”. O pai era Atticus Finch, um advogado de personalidade cativante e justo, que assume a defesa de um preto acusado de estuprar uma mulher branca.O racismo é um dos temas centrais do livro. Atticus compra uma briga com sua comunidade. O que não é surpresa quando lembramos que nesta época ocorria a segregação racial nos EUA, e era o Alabama.

Ocorre que a narrativa não limita -se as questões raciais, e sim, abrange as diferenças como um todo. Desde o vizinho que Scout, Jem e seu amigo de férias, Dill, atazanavam com uma curiosidade infantil e mórbida, pelo fato do mencionado vizinho nunca sair de casa.

Atticus assume a causa mesmo sabendo que estava perdida. Assume o risco e a hostilidade de uma cidade porque acredita na inocência daquele homem, e alguém teria que fazer isso.

A beleza do livro, na minha opinião, está na visão que a criança têm sobre as diferenças. As crianças que são os seres mais brutalmente sinceros com suas reações e julgamentos, mas que ainda não foram corrompidas pelo resto da sociedade. Julgar despido das amarras que a sociedade e os costumes nos impõe é coisa que fica para os inocentes e os corajosos. E nada melhor do que a frase de Charles Lamb encontrada ao abrir o livro: “Os advogados, suponho, um dia foram crianças “.

* Lorena Queiroz é advogada, amante de Literatura e devoradora compulsiva de livros.

Apagão agrava situação de reserva de animais silvestres no Amapá

Paulo Amorim, diretor da Revecom – Foto: João Marcos Rosa

A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) – Revecom, em Santana, no Amapá, que abriga quase 300 animais silvestres resgatados, tenta se recuperar dos prejuízos decorrentes do apagão que atingiu 13 das 16 cidades do estado, após incêndio em uma subestação de energia na capital, Macapá.

Com a falta de energia elétrica, mais de 100 quilos de proteína animal e quase 200 quilos de vegetais processados que estavam armazenados foram perdidos. Segundo Paulo Amorim, pediatra hoje aposentado, que cria e administra a reserva desde 1998, o volume de carne perdido seria suficiente para alimentar os animais carnívoros por mais de uma semana. Já as frutas e legumes durariam um pouco menos.

Foto: Amapá EcoCamping

“Tivemos um prejuízo terrível. Depois, ainda tivemos que enfrentar problema do dia a dia. Passamos a fazer compras diárias, pois não havia como guardar os alimentos. E é preciso muito alimento, o que representa gastar entre R$ 300 e R$ 400 por dia”, disse Amorim à Agência Brasil.

“Só uma anta come cerca de 30 quilos de comida por dia. Um gavião-real come o equivalente à metade de galinha por dia. O gato mourisco [ou jaguarundi] consome 800 gramas de carne por dia, e por aí vai”, acrescentou. Ele disse que há tempos se tornou um “pedinte profissional” para conseguir o dinheiro necessário à manutenção do local.

A Revecom possui 171 mil metros quadrados de área tombados como unidade de conservação.

Idealmente, a unidade de conservação exigiria gastos da ordem de R$ 35 mil mensais. No entanto, segundo Amorim, o local funciona com déficit de cerca de R$ 16 mil mensais.

Com a visitação pública suspensa desde março deste ano, devido à pandemia da covid-19, a situação se agravou, e os gestores passaram a contar apenas com o dinheiro repassado pela prefeitura de Santana, por meio de um convênio, e com os patrocínios de duas empresas privadas, além das contribuições esporádicas de apoiadores do projeto. A equipe, que já contou com 12 colaboradores, hoje está reduzida a apenas quatro funcionários.

Para fazer frente aos gastos inesperados causados pelo apagão, a reserva conta com a colaboração financeira de pessoas que se mobilizaram pelas redes sociais.

Foto: Arquivo Revecom

“Fizemos uma vaquinha [arrecadação de recursos] local; mas para fazer as compras tivemos que retirar os recursos que estavam reservados para os encargos sociais. Felizmente, a ONG Razões para Acreditar, fez uma nova vaquinha e conseguimos recursos.”

Até a tarde de hoje, a proposta de financiamento coletivo já tinha recebido R$ 41,7 mil dos R$ 50 mil estabelecidos como meta. Uma conta foi aberta no Banco do Brasil para receber doações.

“Graças à união dos colaboradores e a uma doação de quase 200 quilos de alimentos que a prefeitura de Macapá nos fez, não chegou a faltar comida para os bichos. Quem sofreu foram os empregados, cujos salários nós acabamos atrasando. E nós, que tivemos que nos virar”, afirmou.

“Desde ontem não falta luz, mas, ainda assim, continuamos em regime de alerta. E ainda estamos reparando os problemas decorrentes da oscilação [de energia], como o sistema de vigilância”, revelou Amorim, explicando que a área precisa de monitoramento constante.

Foto: Michel Ende

“Há sempre o risco de entrarem na área para capturar e matar animais. Já mataram a cacetadas um veado que chegou a ser considerado o menor da espécie no Brasil. Também mataram três dos seis porcos-do-mato, e tentaram matar a anta em duas ocasiões. Então, como se não bastassem todas as outras dificuldades, ainda temos que lidar com essa barra pesada”, disse Amorim.

Fonte: A Gazeta

Frases, contos e histórias do Cleomar (V Edição Especial Coronavírus, Política e Apagão)

Tenho dito aqui – desde fevereiro de 2018 – que meu amigo Cleomar Almeida é cômico no Facebook (e na vida). Ele, que é um competente engenheiro, é também a pavulagem, gentebonisse, presepada e boçalidade em pessoa, como poucos que conheço. Um maluco divertido, inteligente, gaiato, espirituoso e de bem com a vida. Dono de célebres frases como “ajeitando, todo mundo se dá bem” e do “ei!” mais conhecido dos botecos da cidade, além de inventor do “PRI” (Plano de Recuperação da Imagem), quando você tá queimado. Quem conhece, sabe.

Em 2020, assim como a primeira, de março passado, a segunda de maio, a terceira em junho, a quarta em agosto, segue a V Edição Especial Coronavírus (agora com campanha política e apagão), cheia de disparos virtuais do nosso pávulo e hilário amigo sobre situações vividas e legendadas por ele mesmo. Boa leitura (e risos):

Arroz caro

A única certeza em aniversário na casa de pobre é o risoto, nessa caristía, a gente fica como?

Não vem de garfo

Tu pedes aquele combo de sushi, na esperança de que a falta de habilidade da moçada com os “pauzinhos” amenize o desespero na hora de comer, quando tu te espantas, tá todo mundo de garfo. Oh raiva!!

Máquina de lavar

Aqui em casa é assim, se vc esqueceu algum documento no bolso da calça, procure na máquina de lavar, se esqueceu cartão do banco, pen drive, chaves, procure na máquina de lavar. Agora se vc esqueceu algum trocado no bolso, te despede dele meu amigo, já era! Vou trocar essa máquina, ela tá de malandragem pra cima de mim!

Planos frustrados

Fiz tantos planos pra essa semana. Não ganhar no Amapacap jogou todos eles na merda.

Carne e risco de infarto

Aí tu vais cedo no mercado, escolhe aquela paulista bonita, capa de gordura certinha e pede pra patroa fazer um assado de panela ao estilo Ana Maria Braga. Trabalha a manhã toda pensando na gostosura que aquilo vai ficar. Na hora do almoço a decepção, na panela, a carne que vc comprou não existe mais, está limpa, sem um grama de gordura, sem brilho. A explicação: A carne tava muito gorda, tirei a gordura, vc vai acabar infartando. Vou sim, se tiver umas três raivas dessa na semana, com certeza eu infarto.

Calor

Hoje em Macapá a temperatura a tarde era de 39 graus, a sensação térmica era de que o capeta tinha tomado posse de tudo.

Pira

Tem dois dias que tô com uma coceira na palma da mão, minha mulher diz que é dinheiro, eu digo que vou no Dr. Palheta amanhã, acho que é pira mesmo.

Racismo

Só pra vocês ficarem espertos, tem uns preto aí, que tem raiva de preto, tipo aquele preto do DiCaprio no filme Django.

Linguajar

Nortista, quando fica nervoso e não sabe o que falar, manda logo um “eiiiita”.

Vacina

Eu tô parece a vacina de Oxford esse mês, achei que ia arrebentar e já me apareceu um monte de problema.

Sobre tomar ou não a vacina, se vcs não quiserem é até melhor. Menos gente pra vacinar, chega mais rápido pra mim.

Dinheiro e felicidade

Não posso perder o Globo Repórter de hoje, o tema: Menos dinheiro, mais felicidade ! Menos dinheiro eu já tenho…

Tratamento

Homem se apaixona sim pela forma que é tratado. Experimenta tratar que nem um fdp pra ver se a gente não gama.

Balanço do ano

Tivesse eu vinte cus, poucos seriam pra tomar neles em 2020.

Aporrinhação

Aqui em casa não existe esse negócio de “sem aporrinhação”. Aqui a gente resolve as coisas com aporrinhação, e muita.

Apagão

Precisou de um apagão pra tu perceberes que o cara da vendinha do bairro, o dono do posto de combustível, o do grande supermercado e até a dona do salão de beleza, estão cagando pra tua agonia.

Alguém sabe me dizer se a história de “Os humilhados serão exaltados” vale pra amapaense, ou também estamos fora da promoção?

Maior prejudicado fui eu, que perdi 5 kg de tamuatá nessa frescura de ficar sem energia.

Beleza

Se tivessem me falado que essa eleição ia ser na base da belezura, teria me candidatado. Garanto que não ia ser o fona.

Política

Se o Guaracy prometer que vai cuidar da cidade, com o mesmo carinho que cuida dessas sobrancelhas, meu voto tá garantido.

Só a nível de esclarecimento, o debate entre os candidatos à PMM ficou pra depois das eleições? É isso mesmo?

Ninguém lembra do Pastor Everaldo do PSC, aí tu falas: Aquele que peidou! Na hora todo mundo se lembra.

Tem uns candidatos que são até bem mais ou menos, aí tu vais ver os apoiadores, foooolêgo! Dá vontade até de rasgar o título de eleitor.

Auto-conhecimento

Quando vejo as merdas que eu postava a cinco anos, penso que eu era retardado. Quando vejo as que posto hoje, tenho certeza.

As perdas que nos fazem voltar a vida – Crônica de Darcilene Araújo

Image credits: Dreamstime

Crônica de Darcilene Araújo

A vida é o grande presente. Nascer, trilhar a jornada que nos foi permitida e voltar para a casa.

A cada um é concedido o dom da vida. De ter um lar e uma família, onde desenvolva sua personalidade, amadureça seus aprendizados e compartilhe o melhor de si.

Habitamos um corpo físico para retomar os aprendizados conquistados e seguir adiante.

Da nossa jornada sabemos nós e mais ninguém. Somos afobados. Queremos logo fazer 15, 18, 21 anos. Quando fazemos 30 se quer voltar.

Sempre estamos esperando o futuro, quando ele está ali, bem na nossa frente disfarçado de presente.

Quantas coisas deixamos de fazer porque o futuro não chegou.

Sempre estamos querendo algo mais, que nem sabemos o quê.

PHOTOGRAPH: TIM PLATT/GETTY IMAGES

Nunca perdemos tantas pessoas próximas com quem compartilhamos sonhos, desejos, amores, propósitos ou um simples olhar .

Hoje olhei para a foto de alguém que cumpriu a sua jornada e que partiu do corpo que acolheu a sua alma e o mundo parou …. pra nos lembrar que o nosso melhor futuro é o presente.

Que Deus, O Grande Arquiteto do Universo, O Criador, O Grande Espirito, A Inteligência Suprema, seja qual for a fé, que revele a força interior de quem ficou pra viver o luto e manter as lembranças boas de quem partiu.

*Darcilene Araújo é assistente social e coach.. 

OITO DIAS DE CALOR E ESCURIDÃO – Por Dulcivânia Freitas – @DulcivaniaF

“A panela de pressão explodiu”, conta jornalista sobre o apagão no Amapá e a desigualdade no acesso aos serviços – Dulcivânia Freitas estuda à luz de luminária de emergência – Foto: Ricardo Costa/acervo pessoal Dulcivânia Freitas

Por Dulcivânia Freitas

Numa Macapá ainda às escuras, a jornalista Dulcivânia Freitas relata o desespero dos primeiros dias sem energia nem água durante o apagão no Amapá. O transformador na subestação de energia que abastece pelo menos 13 das 16 cidades do estado foi atingido por um raio e explodiu. Escrito a pedido da piauí, este diário revela a consciência da desigualdade social flagrante, pois a energia e água vão voltando, mas não para todos. Enquanto faz doações para ajudar quem ainda está às escuras, ela relata os dias de perplexidade com a demora para resolver o problema em meio ao calor amazônico, com temperatura que beirou os 30°C e umidade variando de 60% a 92%, o que causa “suplício, corpo e cabelo melecados, sensação de colapso mental em adultos, crianças gritando”. “A panela de pressão explodiu.”

Terça-feira, 3 de novembro

O amanhecer de céu nublado foi uma surpresa que havia dois meses não acontecia em Macapá. Depois de quase quinze anos vivendo na capital do estado do Amapá – extremo Norte do Brasil – entendi as nuvens como prenúncio da chegada das chuvas do inverno Amazônico, estação particular da região. Só que antecipado, porque é comum as fortes chuvas caírem na Amazônia a partir de dezembro. Na rotina de 30°C em média o ano inteiro – sensação de 40°C entre junho e agosto – e com 90% de umidade relativa do ar, um certo conforto térmico se instaurou. Mas, no fim da tarde, começou uma tempestade de raios, trovões e relâmpagos – cenário pronto para os amapaenses se prepararem para interrupção de energia e da conexão de internet, como é de praxe quando esses eventos acontecem. Por volta das 21 horas, a energia caiu. Nos grupos de WhatsApp se espalharam rumores de que a cidade inteira estava no breu, depois os municípios vizinhos.

Depois da meia-noite nos convencemos de que a agonia do calor duraria uma noite, não mais que uma noite. Meu filho, um pequeno tucuju de 9 anos de idade, dormiu tranquilo sob o calor equatorial. Tucuju, nome de uma nação indígena já dizimada, é um adjetivo para quem nasce por aqui, na margem esquerda do Rio Amazonas. Atravessamos a noite com “sono picotado”, besuntados de repelentes anticarapanãs e zanzando de um cômodo para o outro. Por volta das 2h30, banho para aplacar o suadouro e a pele molhada de suor melecada. Após o banho, cheguei à conclusão de que seria melhor não me secar. Na madrugada, novos estrondos e clarões, e imaginei as trombetas do apocalipse na sequência. Naqueles instantes também me pus a pensar nas aflições dos bebezinhos, obesos, idosos, doentes de catapora, e nos animais domésticos que tanto sofrem com esses episódios.

Quarta-feira, 4 de novembro

Veio a confirmação oficial: a interrupção de energia atingira 14 dos 16 municípios do estado. Depois esse dado foi ajustado, eram 13 municípios. Só Oiapoque, no extremo Norte, e Laranjal do Jari e Vitória do Jari, no extremo Sul (estes dois separados do território paraense pelo Rio Jari), por terem um sistema de geração independente, atendido por outra rede. Só consegui dormir por volta das 6 horas, com o dia claro. Dormi até às 9 horas. No meio da manhã, as operadoras de internet móvel conseguiram abrir sinal por uma hora, e conseguimos dar sinal de vida nos grupos de trabalho e de parentes, e também buscar pistas mais concretas e atualizadas sobre o ocorrido. Adiei diversas atividades programadas na agenda do teletrabalho – regime que estou cumprindo desde março e que deve ir até 15 de janeiro de 2021 por causa da pandemia da Covid-19. No Twitter, onde sigo as principais fontes de informação da cidade, comunicadores, técnicos de governos, artistas, gestores, professores, pesquisadores, entre tretas e debates, já estava visível que continuávamos vagando pela escuridão, inclusive da informação. Também fiz meu desabafo: falta de energia, calor infernal, sinfonia de mosquitos ao ouvido e sem energia a noite inteira. Não há previsão para normalizar totalmente a energia no estado. Vejo avisos soltos nas redes, do tipo “estamos sem o sistema interligado (Sistema Interligado Nacional – SIN) pois o transformador que explodiu ficava na subestação operada pela empresa privada que não tem outro pra repor no momento”. A Companhia de Eletricidade do Estado do Amapá (CEA), distribuidora de energia elétrica, anunciou que os hospitais teriam prioridade de normalização do abastecimento, e conforme a Eletronorte fosse aumentando a geração de energia na Hidrelétrica Ferreira Gomes (localizada no município homônimo a 138 km de Macapá), iria progressivamente normalizando a distribuição para as demais unidades consumidoras.

Quinta-feira, 5 de novembro

Com o foco na falta de energia, só aí me dei conta de que estamos em plena pandemia do novo coronavírus, com aumento exponencial de casos positivos em Macapá no último mês. Eu não cogitava buscar bicos de tomadas em shoppings para reabastecer os celulares. O fornecimento de água encanada ficou dramático até para quem dispõe de alternativa para obter água potável, pois o sistema da companhia estadual depende de energia elétrica para funcionar. “Não dá pra ligar a bomba porque não temos energia, estamos puxando água do poço no braço”, contou uma amiga.

Saímos e, pela janela do carro, o Centro da cidade parecia viver aquelas cenas de filme: filas imensas nos postos de combustíveis, pessoas comprando até dez garrafões de água de uma só vez, outras com malas e mochilas no píer de saída na frente da cidade com destino à cidade de Afuá (Pará). Por outro lado, amigos falavam da disponibilidade de energia via gerador para as áreas de condomínios, o que já nos dava sinais da desigualdade de condições para a população enfrentar o mesmo problema. Algumas pessoas tinham água armazenada em caixas d’água para suprir mais dois dias com parcimônia, como era nosso caso. A Prefeitura de Macapá decretou calamidade pública por trinta dias e começou a abastecer parte da população sem acesso a água potável por meio de carros-pipa.

Sexta-feira, 6 de novembro

Além do caos no fornecimento de energia, água, telefonia, combustíveis, gelo, remédios e alimentos, com unidades hospitalares em grave crise, o setor bancário começa a entrar em colapso. Várias agências estipularam filas exclusivas para saques. Alguns bancos tiveram que suspender o atendimento, mantendo somente os caixas eletrônicos 24 horas. Os supermercados começaram a restringir a venda de três garrafões de água por pessoa.

Nas redes surgiram as hashtags #SOSAmapa e #ApagãonoAmapá, com depoimentos de moradores e arrecadação de donativos. Vergonha e humilhação tornam-se expressões e sentimentos recorrentes da população amapaense. A Eletronorte publica nota informando que não é responsável pela subestação que pegou fogo. A empresa privada responsável no momento pela operação da Subestação Macapá é a Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), operada pela Geminy Energy.

Em nota lacônica, o Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) confirma as eleições para o próximo dia 15 de novembro, com garantia de baterias para as urnas eletrônicas. Sem nota de solidariedade.

Sábado, 7 de novembro

A companhia de energia prometeu uma tabela com o planejamento do rodízio de fornecimento de energia. Às 23 horas, não havia sido divulgado. A rede de solidariedade se intensificou, com doação de alimentos e água potável, e colaboro como posso. O Amapá se tornou estado com a Constituição de 1988, antes era Território Federal, e até 1943 fazia parte do Pará. Amapaenses e paraenses dividem raízes próximas e familiares. Neste primeiro dia de restabelecimento de pouco mais de 60% do fornecimento de energia, a população começa a se inteirar, via redes sociais, da dimensão da estrutura de geração de energia elétrica no Amapá, onde há quatro Usinas Hidrelétricas que, segundo relatórios recentes do ONS, continuam produzindo energia para o SIN: três delas no município de Ferreira Gomes, e uma em Laranjal do Jari. O estado possui apenas duas subestações, a de Macapá, que pegou fogo, e outra em Laranjal do Jari, município na divisa com o Pará.

Domingo, 8 de novembro

Mesmo com rodízio, temos algumas horas de energia. Ligamos ar condicionado e ventilador e já ouço relatos de boas horas de sono. Eletricidade e água vão voltando. Mas não para todos. O Amapá tem quase 70% da população concentrada nos municípios de Macapá, Santana e Mazagão (Região Metropolitana de Macapá). Os demais padecem com a dificuldade de comunicação. No início da tarde, a CEA divulgou a aguardada tabela de racionamento, mas logo percebeu-se que o cronograma não estava sendo seguido. Um grupo ficará sem energia justamente das 0 às 6 horas, ou seja, não poderia dormir por causa do calor. Há protestos nas redes e sugestões para reformular o cronograma do racionamento. A qualidade da energia distribuída no Amapá é rotineiramente instável mesmo nas maiores cidades, com perdas ou danificação constante de aparelhos eletrodomésticos e materiais eletroeletrônicos. Há regiões no interior atendidas somente durante quatro horas diárias de luz geradas a partir da queima de óleo diesel. Nas comunidades do arquipélago do Bailique (no município de Macapá, a 12 horas de barco da capital), onde moram cerca de mil famílias, a população padece até trinta dias sem energia elétrica. Na capital, moradores interditaram as ruas de bairros – alguns da área central da cidade – que continuavam sem abastecimento de energia e água, e também um trecho da orla banhada pelo Rio Amazonas.

Segunda-feira, 9 de janeiro

Primeira noite de sono tranquilo, com o ar condicionado ligado. Em meio à crise energética sem precedentes, temos a sorte de contar com o retorno de energia e outros serviços. Optei por não ser indiferente. Participo da campanha de doações. Começo este diário. Descrever a experiência de viver o apagão do Amapá traz momentos difíceis, mas sei que há muitas pessoas em pior situação. Enquanto escrevo, a luz acaba e só volta à meia-noite. Só então consigo dormir.

Terça-feira, 10 de janeiro

Oito dias depois do apagão, o fornecimento de energia não está normalizado, e, em muitas casas, o sofrimento continua. Num estado onde a temperatura média é de 27°C, chegando a 36°C nos meses mais quentes, e a umidade pode superar os 80%, a impossibilidade de ligar um ventilador que seja significa suplício, corpo e cabelo molhados, sensação de colapso mental em adultos, crianças gritando de calor. Desde domingo, moradores reagem com protestos e interdição de ruas. Comerciantes relatam furtos e perda de equipamentos. A panela de pressão explodiu. O TSE ratifica a eleição, pois acredita na previsão de que o fornecimento estará regularizado 100% até domingo, mas mandará 1.200 baterias sobressalentes para as urnas eletrônicas. Espero que o apagão, de algum modo, ajude a descortinar a escuridão e a exclusão em que vivem boa parte dos amapaenses.

DULCIVÂNIA FREITAS
Analista de comunicação da Embrapa/AP, mestranda em ciências da comunicação/estudos jornalísticos na Universidade Fernando Pessoa, no Porto (Portugal).

Fonte: Revista Piauí.

A vitória de Biden é a vitória da democracia. Trump vira um fantasma eleitoral. Mas o trumpismo, não duvidem, está vivo

Vejam essas manchetes históricas, disponíveis nos sites dos principais jornais americanos.
Não é preciso que você saiba inglês para entendê-las.
Basta que você entenda o seguinte: Acabou. Acabou para Trump.
Pronto.
Joe Biden, do Partido Democrata, acaba de ter sua eleição para presidente dos Estados Unidos confirmada, neste sábado (07), depois de projeções que apontam sua vitória no estado da Pensilvânia.
Esse feito conquistado por Biden tem um significado histórico e determinante: o de elevar-se como um freio de contenção – e esperamos que seja assim – na guinada extremista, à direita, pela qual várias democracias, inclusive a nossa, no Brasil, têm enveredado.
Esse extremismo já ensejou a criação de um termo recente – e da moda -, déficit democrático ou recesso democrático, um e outro querendo dizer, em português de Portugal, apenas isto: a utilização, por autocratas declarados ou meio enrustidos, de mecanismos legítimos oferecidos pela democracia para miná-la, fragilizá-la, desfigurá-la, estuprá-la sem parar, até que a transformem numa ditadura. Com todos os requintes de uma ditadura.
Joe Biden era o melhor dos candidatos para derrotar Trump?
Não.
Mas, nas circunstâncias – em que era preciso alguém com um discurso mais moderado para derrotar um lunático -, Biden era, sim, o melhor candidato.
Esperemos para ver como se conduz.
Até porque, como sabemos, Trump é agora um fantasma eleitoral.
Mas o trumpismo está aí, vivíssimo.
Estão aí os 74.478.345 de votos atribuídos a Biden até o momento.
Mas também estão aí os 70.329.970 atribuídos a Trump.
Para mim, já é assustador que dez pessoas votem num elemento como Donald Trump.
Vocês imaginem então o que é ver mais de 70 milhões pessoas terem votado nele, comungando de suas ideias malucas, mentirosas, racistas, xenófobas, misóginas, homofóbicas, supremacistas, excludentes, desconectadas da realidade.
Mas enfrentar o trumpismo é pra depois.
No momento, é celebrar essa vitória, literalmente, como uma vitória da democracia.
E Trump?
No momento, diz-se, está jogando golfe.
Tomara que resista em sair da Casa Branca, em janeiro do próximo.
Se recusar-se, será tirado à força, escoltado pelo Exército, como previsto nas leis americanas.
E se for retirado sob escolta, e além disse metido numa camisa de força, muito melhor.

Fonte: Espaço Aberto.

Apagão afeta 14 dos 16 municípios do Amapá e compromete serviços de saúde e comunicação – Égua-moleque-tu-é-doido!

Fogo em subestação — Foto que cirlulou em grupos de WhatsApp de jornalistas.

Quatorze dos 16 municípios do Amapá, incluindo a capital Macapá, continuam sem energia elétrica desde o incêndio que atingiu uma subestação localizada na Zona Norte da capital, por volta de 20h30 de terça-feira (3). Apenas Oiapoque, no extremo Norte, e Laranjal do Jari, no extremo Sul, têm eletricidade, pois são atendidas por outro sistema.

De acordo com a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), não há previsão para o restabelecimento do serviço.

Por volta de 9h, alguns bairros da Zona Sul da capital tiveram o fornecimento restabelecido, porém com oscilações, entre eles, Universidade, Zerão e Jardim Marco Zero.

“Um problema na linha de transmissão do Sistema Interligado Nacional causou a interrupção do fornecimento de energia no Estado. A ONS [Operador Nacional do Sistema] está investigando as causas do problema. O serviço foi restabelecido em algumas regiões nesta manhã, mas ainda não há previsão de normalização”, disse a companhia em nota, às 9h48 desta quarta-feira.

Por volta de 14h30, a ONS se manifestou sobre o caso, também em nota, confirmando o incidente, que causou desligamento automático de das linhas de transmissão Laranjal/Macapá C1 e C2 e das usinas hidrelétricas Coaracy Nunes e Ferreira Gomes.

Local que pegou foto – Foto: arquivo pessoal

“Hoje, às 06h09, foi iniciada a recomposição parcial das cargas da usina hidrelétrica Coaracy Nunes. O ONS está coordenando os agentes envolvidos e acompanhando a situação para que haja o mais rápido restabelecimento possível do fornecimento de energia na região”, informou, sem dar prazo.

O Centro Integrado de Operações em Defesa Social (Ciodes) informou que recebeu registros de duas pessoas atingidas por raios, que ocorrem em grande intensidade desde a madrugada. Os casos estão sendo apurados.

Apagão na Maternidade Mãe Luzia, a única da rede publica do Amapá — Foto: Victor Vidigal/G1

Hospitais

Os principais hospitais do estado, entre eles o Hospital das Clínicas (HC) e o de Emergências (HE), estão sendo alimentados com geradores à óleo diesel.

A única maternidade pública do estado, no Centro de Macapá, chegou a ficar sem energia. De acordo com informações de funcionários, são 18 bebês internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal.

As unidades hospitalares também estão sem água. O governo estadual informou que está fazendo a captação em poços para garantir o abastecimento a pacientes, acompanhantes e corpo médico.

O HE, principal pronto-socorro da capital, precisou interromper cirurgias porque ficou momentaneamente sem óleo diesel para os geradores.

Fila posto de combustível de Macapá — Foto: Victor Vidigal/G1

Comércio e serviços

Donos de estabelecimentos comerciais reclamam de prejuízos, principalmente com a dificuldade para acondicionar alimentos perecíveis.

Farmácias e lojas que operam com sistemas ligados a internet, estão com os atendimentos comprometidos. Postos de combustível, que ainda seguem funcionando em Macapá, estão com filas.

Os sites oficiais vinculados ao governo do Amapá estão fora do ar desde o início da manhã. Alguns bairros de Macapá também estão sem o fornecimento de água.

Comunicação

O incêndio também pode ter provocado falhas na comunicação por telefone fixo, móvel e internet, que estão limitadas e com pouco acesso desde o sinistro.

A Rede Amazônica entrou em contato com as empresas de telefonia que atuam no estado:

Vivo informou através de nota que conta com geradores próprios em alguns pontos no estado para manter sua rede em funcionamento e que aguarda pelo restabelecimento da energia para normalizar todos os serviços.

Tim disse que alguns clientes podem estar com dificuldades na utilização dos serviços de voz e dados, e que técnicos da companhia trabalham para normalizar a prestação dos serviços o mais brevemente possível.

Fogo sob chuvas

A falta de energia foi combinada com as fortes chuvas que atingem diversas cidades do estado desde a noite de terça, com alagamentos e alta incidência de raios e trovões.

As chamas altas em meio à chuva chamaram atenção de quem passou pelo local. Em nota, a CEA informou que investiga as causas do problema e o que foi destruído pelo fogo. O Corpo de Bombeiros foi acionado e conteve as chamas.

Fonte: G1 Amapá

Eu não ligo…

Geralmente me incomodo se uma roupa aperta, pois sou gordão e o mundo de hoje cobra cada vez mais corpos malhados e gente na moda. Duas coisas que não tenho, a boniteza corporal e nem vontade de acompanhar moda alguma. Mas no fundo, no fundo, não ligo. Mesmo. Se ligasse realmente, tinha emagrecido e andava todo na pinta, como a maioria dos quarentões/cinquntões chatos e “fitinex”.

Outra coisa é papo de música…Eu realmente não ligo para o que toca na rádio e nem se fulano gosta de sertanejo, beltrano gosta de axé, cicrano gosta de pagode ou zé mané curte funk, toada e afins. Eu só não escuto, não frequento locais ondem tocam essas merdas e nem julgo quem gosta. Ah, também não ligo se a pessoa não gosta do meu gostar.

Carrego vários rótulos nas minhas costas largas. Alguns com razão de ser, mas muitos nada a ver. Mas realmente eu não ligo.

Não ligo para o que acham que sou ou que faço. Sei dos meus atos e quem sou. O resto é doidice de quem pira por qualquer motivo. Minha consciência segue tranquila, pois sempre fui literal quanto ao meu comportamento e honestidade para com todos.

Não preciso provar nada para quem sabe quem eu sou. Muito menos para quem não sabe, pois estes não me importam.

Se você liga e não é feliz por conta dos outros, você é uma pessoa totalmente desligada de si mesmo, o que pode custar caro, já que é certo dizer que o caminho da paz interior passa obrigatoriamente pelo autoconhecimento.

Não que eu ligue. Não ligo. Não mais. É isso.

Elton Tavares

O RETRATO AZUL – Conto porreta de Fernando Canto para seu pai

Conto porreta de Fernando Canto para seu pai

Embora sua risada fosse discreta, os olhos demonstravam a cor do seu pensamento feliz. Havia tristeza, é claro. Ninguém vive sem sentir o gosto dos diferentes venenos que ingere. Porém, há remédio para tudo, isso até hoje você diz. Você pratica e ensina que há antídoto para as agruras; que existem meios e formas para superar qualquer barreira da vida; que não é necessário beber veneno, mas se for inevitável engole-se aos poucos para depois vomitá-lo todo. Então você vomita. Muitas passagens da vida são venenosas e a ação do tempo é emética, aprendo.

Não posso me arriscar a duvidar. Você foi feliz e sofre hoje. Todavia, a sua felicidade acabou no momento em que a paixão incrustou definitivamente, acho, assim como a tinta na parede, como o asfalto no leito da rua, como a cola no papel. Ora, você sabia da durabilidade das coisas porque consertou mil objetos. Sabia que nem tudo é resgatável, gastou horas e sentimentos lidando com minúcias para não esgotar a paciência. Perseverava sempre, até o limite técnico de sua vocação de engenheiro e alma de artesão incomparável. Sim, você sabia que a parede tomba com a violência do temporal, que a tinta escurece e descasca com as intempéries, que o asfalto rompe com o tráfego dos veículos, que a rua desnivela com as erosões, que a cola desgruda com as variações da temperatura, que o papel rasga e amarelece com o manusear constante. Você sabia tudo isso, mas levou tempo para admitir.

Você embala a rede que me roça as pernas. Eu afago seus cabelos brancos com uma ternura de me causar surpresa. Nós sempre fomos amigos, mas havia uma barreira. Talvez a do excesso de respeito, pelo que a aproximação arrefecia. Foi preciso tempo e esta situação para que eu me decidisse amá-lo com toda a força do meu coração, entendo-o agora, dizendo dentro de mim e, se eu quiser, bem alto e retumbante, um Eu Te Amo para impregnar este quarto onde mora a intimidade de sua memória, onde você cultiva sua solidão particular.

Há uma relação inquebrável, uma linha, um foco de luz entre seus olhos e a tela. Nela você penetra aos poucos. Eu deixo, porque a luz é sua, a transcendência é clara. Suas mãos emitem uma aura azul.

Você não percebe que eu desliguei a luz. Você enxuga uma lágrima cadente com a mão esquerda no rosto brônzeo e transmigra com os olhos fixos para dentro da figura tão bem pintada por um artista amigo da família. Com as mãos em seus cabelos acaricio, talvez, a necessidade de seu sonho. Sinto que alimento sua satisfação, embora a sua dor esteja explícita no cenho errado, duro, mas substancialmente alinhado agora. Você não parece ter a idade que tem. Eu observo seu rosto pelas réstias de luz fugidas da sala vizinha, através das frestas das tábuas. Há nele inevitáveis rugas. Mas um sorriso paira em sua boca. Um enigma.

O passado corre no quarto como um rio de volta para a nascente. Recordo suas velhas histórias. Longas e quase inacreditáveis. Histórias amazônicas, histórias que, sabemos, são verdadeiras, pois você nos ensinou que a mentira não é necessária, é sempre uma coisa dispensável. Todas elas traziam a liberdade sonhada nos quintais. Todas abrangiam um mundo particularizado, impenetrável porque aconteceram antes da devastação da floresta, o que tanto o entristece e o preocupa quando assiste aos jornais da televisão. Fogo, antes, só o fátuo – a ilusão. Eu criança e mesmo já adulto absorvia os mistérios dos seringais, as técnicas descobertas por extrema necessidade no meio da selva, e o idolatrava quando contava das farras feitas com seus irmãos, sempre aprontando alguma. Ríamos muito no final dessas histórias.

Um sentimento enorme tomava conta de nossa família. Você encanecia rápido, dizia que não era de preocupação, era genético. Mas eu sabia. Sabia quando você se preocupava, porque depois do almoço, quando mamãe saía para o trabalho, você ficava se embalando numa rede larga, de cor branca, fixando a vista em algum ponto da parede, assim como o faz agora na direção deste quadro. Depois saía sozinho, de bicicleta, ganhando a tarde.

Só você e ela sabiam das dificuldades que nos afligiam. Nós, os filhos, tínhamos o que queríamos e o que pedíamos no limite de nossa pobreza. Nunca reclamamos de nossa infância. Éramos felizes e tentamos até hoje dar um sentido racional a ela, sem, contudo, perdermos o vínculo do encantamento pretérito com a chuva de desencantos que às vezes caía sobre nós. Há um remédio para cada veneno. Lembra? Você não lembra. Está quintessenciado.

Será que erramos com a ideia do presente? Assim você sofre demais, deixando transparecer a debilidade do corpo que balança a rede. Você ainda me abraça e olha o perto/longe. Está lá dentro conversando com ela, caminhando nos paralelepípedos da cidadezinha do interior, de mãos dadas, com seu termo de linho branco, galante e contente, demonstrando o seu amor, inclusive às solteironas invejosas das janelas coloniais. Você sobe a ladeira com um sorriso de homem maduro. Mais alegre, ainda, é ela, a professorinha da Prefeitura Municipal, a desfilar com a graça de seu andar miúdo e um sorriso fulgurante, ajeitando de vez em quando a rosa amarela presa aos cabelos negros. É final da tarde de domingo.

Você a imagina assim, como no retrato. O retrato azul, transposto e ampliado de uma velha foto da década de 40. Minha impressão é que você confunde o real e o imaginário. Permanece o silêncio. Nós dois aqui.

Ah, falta o violão, imagino eu, para que você dê uns acordes harmônicos e cante músicas do seu tempo. Valsas, valsas. Mas o silêncio é seco. É áspero. É doído. Acho então que não estou errado. Seu semblante está feliz, está tocando, está ouvindo músicas. Não há amor sem música. Para ela havia muitas, dessas que entrelaçam e fortalecem uma relação aparentemente ingênua.

De repente você escuta o apito de um navio passando longe. E a convida para viajar, conhecer outras terras, começar a vidinha a dois. O apito do navio transporta o engano do futuro. Você é um aventureiro nato. Não desiste nunca. Mas não impõe. Os dois vão viajando trinta e poucos anos. E gostam. Não enjoam jamais da cara do outro. As brigas que se sucedem são só de vocês. Ai daquele que meter a colher.

Até parece que ela vive. Você devaneando me faz acreditar. Eu acredito. Você me diz: – Eu não estou triste, só lembro.

Lembrar é fato legítimo. É viver o presente com lucidez. E você vive. Apenas viajou.

Paro de afagar sua cabeleireira branca. Você me abraça e não me olha. Sei, no entanto, que está sorrindo, que está feliz. Você levanta, me dá três tapinhas nas costas e vai assuar o nariz no banheiro.

Acendo a luz fluorescente. Olho o retrato mais uma vez. O quarto está repleto de luz. Mamãe está sorrindo na tela com os olhos molhados de ternura.

*Conto porreta de Fernando Canto para seu pai, que se vivo faria 100 anos hoje, 25 de outubro de 2020.

Resenha do livro “O Estrangeiro”, de Albert Camus – (Por Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena)

Por Lorena Queiroz

O estrangeiro é um dos livros da trilogia do absurdo, de Albert Camus. A obra inspirou a música “killing an Arab”, da banda The Cure. O livro conta a estória de Mersault, um homem que vive completamente alheio á importância das coisas ao seu redor. O protagonista é indiferente a tudo, sendo que uma das palavras mais usadas por ele é ” tanto faz”.

No início do livro, Mersault, recebe a notícia do falecimento da mãe. E ele não sabe, sequer, precisar se a mãe morreu ontem ou hoje. Ficando claro o fato de que, pra ele, pouco importa quando o fato se deu, já que a morte é, irremediavelmente, o destino de todos .

Mersault não demonstra apego ou afeto por ninguém, mas ajuda um amigo, a fazer uma emboscada para uma mulher. Pra ele pouco importava se o ato era certo ou errado. O que me fez refletir se os danos causados pela maldade são equivalentes aos causados pela indiferença.

No enterro da mãe, Mersault, age com a sua costumeira mania de não se importar com a perda, aceitando, inclusive, um café que lhe foi oferecido e cochila durante o velório. Isso causa estranheza aos presentes. Mersault é o tipo de pessoa que vai ao cinema e assiste uma comédia no dia do enterro da mãe. Sim, ele faz isso.

Apesar de não demonstrar apego ou apreço por alguma coisa, fica evidente que ele gosta da vida que leva, pois não aceita uma promoção de trabalho que ocasionaria melhoras em seu orçamento, mas que, também implicaria em mudanças.

O ponto principal do livro é o assassinato cometido por ele. Mersault mata um árabe na praia. A vítima havia tido um desentendimento com um amigo de Mersault. O que pode levar a pensar que teria sido uma legítima defesa. Ocorre que, Mersault, desfere cinco tiros no Árabe, e o faz, com o corpo já imóvel. A única explicação dada por Mersault é que o dia estava muito quente. Durante o julgamento de Mersault, não é questionado como o crime foi praticado. Todo o questionamento se dá a cerca do comportamento de Mersault. Como alguém não chora no enterro da mãe?. Como pode, em sociedade, alguém ser tão indiferente ao que se classifica como “normal “?.

A conclusão de toda leitura,na minha opinião, é extremamente pessoal. Até mesmo porque esta obra não tem o compromisso de explicar muita coisa. Fica muito ao encargo do leitor entende-la. Foi um livro que me fez refletir sobre o julgamento de comportamentos, onde o sujeito tem que se adequar ao todo. Mersault é julgado pelo seu comportamento no enterro da mãe. Julgado não por ser um assassino, mas por ser diferente do que está estabelecido em sociedade. O “tanto faz ” de Mersault, que foi tão danoso aos olhos de todos no enterro, é usado pelas pessoas mediante ao assassinato que originou o próprio julgamento, já que o tema central do evento é o comportamento dele no enterro. Pois mais importante que o assassino era o cidadão que se negava a agir com um comportamento estabelecido socialmente. Teria sido absolvido se tivesse um comportamento usual?. Se tivesse feito uso de um choro hipócrita?. Temos Mersault julgado por ser diferente e não por ser um assassino.

É um livro curto, aproximadamente 120 páginas que não carregam firulas ou enfeites. É extremamente conciso,mas que traz uma reflexão enorme a cerca de vários questionamentos filosóficos.

Olhamos ao redor e julgamos pessoas e fatos sob a ótica comum, na perspectiva do que é aceito como normal ou anormal na esfera social. E muita coisa é mascarada e fica submersa no interior de cada um que reflete sobre a própria existência.

* Lorena Queiroz é advogada, amante de Literatura e devoradora compulsiva de livros.

Mais um dia: Ronaldo Rodrigues se sentindo um pouco Charles Bukowski

Ronaldo Rodrigues & Charles Bukowski

Mais um dia. Acordo com uma puta vontade de mandar tudo à merda. Vontade de abrir a janela e mandar todo mundo se foder. Mas é muito esforço para minha combalida figura. E a humanidade, decididamente, não vale a pena. A humanidade vai continuar aí, venerando dinheiro, trabalhando duro para meia dúzia de filhos da puta. A humanidade vai continuar fedendo pelo longo dos anos. Até acabar a merda da areia da ampulheta. Foi assim por todos esses malditos anos. Será assim pelo terceiro milênio afora. Duvido que haja um quarto milênio para a humanidade purgar.

Mais uma cerveja na companhia desses idiotas que infestam a festa nefasta deste bar. Um bar cheirando a mijo. Mas é preciso ser social (leia-se hipócrita) de vez em quando. Tanto faz morrer de tédio em casa ou na mesa do bar. Posso até fingir que assisto a uma decadente sessão de cinema.

Poesia para todos! Pérolas aos porcos! Os especialistas de coisa nenhuma estão pontificando. É impressionante. Eles conseguem me provar que não basta saber coisas interessantes para se tornar alguém interessante. Todos têm algo a dizer, muito a dizer. Só que suas palavras rebuscadas e, geralmente, equivocadas não têm nada a dizer. Antes que tudo isso me enlouqueça, aperto o gatilho na minha testa e descubro que o outro lado da vida é do mesmo jeito que este. Então era isso? A condenação já tinha começado? Droga!

*Bebedeiras fazem parte da vida de um escritor. Tá, tudo bem! Nem de todo escritor. Eu, que me sinto escritor (às vezes) e beberrão (sempre), curto a embriaguez de ser um escritor beberrão. Muitos sabem que gosto de me sentir Charles Bukowski. Quer dizer: poucos sabem e quase ninguém se importa, mas sempre que leio Bukowski recebo a entidade Bukowski e as únicas coisas que me interessam nesses momentos são uma garrafa de cerveja ou vinho barato, um cigarro mais barato ainda e uma puta bem puta mesmo.

Ronaldo Rodrigues

JABUTI NÃO SOBE EM ÁRVORE – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Paulo lopes Paulinho Lopes, piloto dos bons, já guiou políticos e jornalistas por sobre a imensidão da selva amazônica, sob o azul do céu amapaense. É daqueles profissionais da aviação que também já passaram por muitas situações de perigo embaixo de trovoadas e turbulências, na calma, levando passageiros e aeronaves a seu destino.

Sempre que posso encontro com o dito cujo no bar do Abreu. Conversar com ele é desopilar o fígado, pois o seu repertório de piadas e citações e tão grande e renovado que ninguém aguenta. Toda vez tem alguma coisa nova para contar, isso quando ele não inventa suas próprias anedotas tirando sarro dos frequentadores que ficam do lado de dentro do balcão do bar. O baterista “Bolachinha” é o seu foco predileto, juntamente com a sua famosa acompanhante “batgirl”. Expressões como “Tá tudo escorrendo bem?”, “Teu borga” já fazem parte do “dialeto” ali falado, no qual as frases fesceninas ou mesmo consideradas chulas fazem parte de um repertório que até dicionarista vai lá beber na fonte.

A assistência ri das frases mais eloquentes e das mais óbvias. Ele conta, por exemplo, que um migrante chamado Ivan Macaco convidou o Mapíngua para ir trabalhar em Caiena: “- Bora pra Caiena, rapaz, que lá o dinheiro tá correndo solto.” E o Mapíngua respondeu: “ – Tu é doido, é? Se aqui em Macapá que ele tá parado eu não consigo pegar ele, imagina lá em Caiena…” O repertório do homem tão grande que a gente se esquece de muitas histórias.

Ele eventualmente filosofa ao dizer assim: “Dá a razão para quem não tem, porque quem tem não precisa”. É uma forma de “equilibrar a balança”, diz o mestre. Por outro lado traz novidades do seu amigo, o professor João Maria Barros, que conceitua cultura como “tudo aquilo que você consegue lembrar depois de esquecer tudo aquilo que aprendeu”. Paulinho faz releituras e intertextualidades de expressões muito usadas por estas plagas como “Meu nome não é osso para andar em boca de cachorro”, e as remete para “nem milho para andar em bico de galinha” ou “nem ração para andar em boca de porco”.

Mas é nos apelidos puxados pela sua memória que a assistência ri e informa outros bem engraçados. Para todos há uma história singular como os magrinhos que ficaram marcados pela alcunha de “Carapanã de Cueca”, “Filé de Gia”, “Filé de Borboleta”. Os mais feios são apelidados de “Sapo Virado do Avesso” ,“Caranguejo de Ganho”, porque são baixinhos e magros, “Cabelo de Boneca Velha”, “Bibelô de Funerária”. “Abelha”, “Pavulagem” e “Rolha de Poço Artesiano”, são interessantes, assim como os impagáveis “Diabo Assado” e “Tamaquaré no Choco”.

Logicamente que sob uma análise mais acurada esses apelidos denotam preconceito, e até discriminação e racismo. Mas como no ambiente de bar o que é sociológico não se mensura por categoria social ou freqüência estatística nessas horas, e sim pela alegria contagiosa que uma boa piada tem, os clientes riem e se congratulam aumentando o rol do anedotário que os homens criam para viverem mais alegres.

No bar o tempo passa rápido quando um bom contador de histórias como o Paulinho Piloto energiza o ambiente. E ali tem contadores como o Bira e o Aníbal Sérgio que entram na roda e nos tornam também possuidores desse élan que move a vida amapaense. Por isso mesmo o Paulinho conta até fábulas para que possamos meditar criticamente sobre a política local, como esta: “Dois compadres conversavam lá no rio Maruanum. O primeiro pergunta meio espantado. – Mas como o jabuti tá ali, compadre, se jabuti não sobe em árvore? O segundo responde. – Das duas uma: ou ele foi pra lá com a força da maré ou colocaram ele lá.”

* Do livro Adoradores do Sol – Novo Textuário do Meio do Mundo. Scortecci, São Paulo, 2010.