Reverência ao poeta Alcy Araújo (que faria 100 anos hoje) – Por Fernando Canto – @fernando__canto

Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo – Fotos: Blog da Alcinéa

O Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Sou fã de escritores, compositores, músicos, poetas e artistas. Por conta disso, republico aqui o texto do escritor Fernando Canto, em homenagem ao poeta Alcy Araújo, que faria 100 anos hoje, 7 de janeiro (Elton Tavares).

Reverência ao poeta Alcy Araújo

Por Fernando Canto

Alcy Araújo foi um dos nossos mais importantes poetas, e intelectual militante da cultura. Ele foi pioneiro do Território Federal do Amapá e aqui trabalhou como jornalista e servidor público, exercendo altos cargos no decorrer de sua vida profissional. Como escritor incursionou pelo campo da poesia, do conto e da crônica, entre outros.

Era compositor e chegou a ganhar os primeiros festivais de música realizados em Macapá. Mas foi a poesia que marcou definitivamente e de forma gloriosa a sua carreira. Boêmio e amigo de todos, Alcy influenciou dezenas de poetas em suas criações, desafiando-os a produzirem e se aprimorarem. Era conhecido nas rodas boêmias como “Tio” Alcy. Deixou uma quantidade incontável de textos literários que precisam ser publicados e divulgados, pois eles não perdem a atualidade.

Seus livros “Autogeografia” e “Ave-Ternura” foram publicados em 2020, pelo projeto literário “Letras de Ápacam”, da Prefeitura Municipal de Macapá. Contam com apresentação e prefácio meus e do poeta paraense João de Jesus Paes Loureiro.

Entretanto, suas produções literárias precisam ser reunidas e estudadas em várias estâncias do conhecimento, já que nem a Academia (Universidades) local, que tem o dever de preservar a arte e a memória dos escritores não o faz.

Alcy Araújo foi nossa maior referência poética. Precisa ser reconhecido cada vez mais pelo que fez e pelo legado intelectual e artístico que deixou. Por isso o Amapá tem o dever de preservar a memória criativa e cultural dos seus escritores, a fim de que eles possam ser conhecidos pelas novas gerações e pelas vindouras.

É preciso reverenciar seu legado, pois o “Tio Alcy” influenciou várias gerações de artistas e colaborou decisivamente para a formação cultural e intelectual de vários deles.

A você, poeta Alcy Araújo, a nossa gratidão!

* Alcy Araújo faleceu em 22 de abril de 1989.

DIÁLOGO DOS MUDOS (*) – (Tributo ao poeta Alcy Araújo) – Por Fernando Canto

Pedra do Guindaste – Arquivo de Floriano Lima.

Por Fernando Canto

– Ó Pedra! Ó Pedra do Guindaste. Nunca tive esta sensação tão esquisita. – O que ocorre nestas plagas?
– O que há, bela Fortaleza?
– Exala um perfume nas minhas masmorras.
– Deve ser a preamar do Amazonas…

Foto: Floriano Lima.

– Não, não me sinto molhada. E as águas já começam a baixar.
– Então pergunta ao Rio. Ele poderá te explicar, pois daqui também sinto o delicioso aroma.
– Anda, Amazonas, me conta a razão desta apreensão. Algo toma conta de toda a minha estrutura. Algo permeia em mim cruzando os baluartes. É uma fragrância inusitada que emerge das entranhas.
– Mas o que será?

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Não sei, ó Fortaleza, mas ontem vi um anjo viajando no meu dorso..
– Ele cantava rasgando a madrugada.
– E o que dizem suas canções, ó formoso Rio?
– Diziam que as dores de Rosinha se acabaram, que Sheerazade sucumbiu num turbilhão de areia no deserto e que os doces fiordes da Noruega congelaram subitamente.
– E o que quer dizer tal coisa, Rio dos Rios?
– Apenas testemunhei. Não cabe a mim a interpretação das melodias angelicais, Fortaleza da minh’alma.

Foto: Floriano Lima.

– Ah, esse trapiche que te adorna… Saberá ele de algo mais?
– Talvez saiba, ó símbolo telúrico, pois sua vigília vem de um tempo mais recente.
– Diz-me, então, ilustre madeirame, tu que conheces cada passo dos habitantes desta margem. – O que houve, o que está havendo?
– Ouvi o teu chamado, sólido vizinho. Pensei que havia chegado a primavera, pois adere nos meus pés de aquariquara a profusão desse perfume encantador.
– O que sabes, então, ó caminho para o Rio?

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Sei o que os barcos me falaram. Eu também vi o que o Rio testemunhou.
– Fala-me, por favor. Não quero mais esta angústia explodindo no meu peito.- Oh, sublime Marco da Conquista Lusitana, é triste a sina dos homens desta terra. Barcos, velas, velhas vigilengas andam a esmo, como em busca do abstrato. Dizem que quebraram os estaleiros e os portos se fecharam para sempre.
– Oh, não! O que haveria de causar todo esse encanto? Ó Sol, ó Sol, só tu poderás me responder. Diz-me agora Rei dos Astros, não te fecha em nuvens de ameaça.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Fecho-me de tristeza, ó Fortaleza. A rosa que desabrochou pela manhã noticiou-me em prantos.
– Finalmente, Finalmente! Finalmente alguém sabe a causa da fragrância vinda do fundo da terra, do cheiro bom que se prolonga nos estirões do Rio e infesta o ar. – Conta-me, ó Sol, o que aconteceu?

Foto: arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

– Ocorreu na madrugada alcoolada o ternural fim do “Homem do Cais”.

(*) Texto escrito em 1989 e publicado no livro Introdução à Literatura do Pará, Volume V – Antologia. Organizado pela Academia Paraense de Letras pelos acadêmicos José Ildone, Clóvis Meira e Acyr Castro. Editora Cejup, Belém, 1995.

Lá se foi o velho Lobo: Mário Jorge Lobo Zagallo morre aos 92 anos – Por Marcelo Guido – @Guidohardcore

Por Marcelo Guido

Mário Jorge Lobo Zagallo morre aos 92 anos. Das jogadas incríveis que encantaram e trouxeram o mundo em 58 e 62, ao ícone máximo como técnico em 70.

Zagallo era um sopro de vitalidade , técnica e raça dentro de campo, comandava a “meiuca” como poucos como jogador , era meia atacante , antes da posição ser inventada .

Zagallo construiu uma fortaleza invejável até hoje em 70. Comandou fantásticos como poucos e geriu uma orquestra que em 1970 , encantou tudo e todos . Em 94 , teve a honra de ser colocado no panteão dos imortais da bola como único tetra campeão mundial.

Zagallo , não respirava o futebol, ele foi o jogo. Um ser fantástico que veio para brindar quem gosta do jogo.

Ofensivo sempre foi, mas sem descuidar da defesa , a cozinha é algo a ser protegido, mas nunca devemos renunciar ao ataque .

Muitas vezes , por seu temperamento, não foi compreendido, erros foram muitos , e essa é a prova que ele era humano.

Faltou 98, sobrou muitas taças e títulos . E sem dúvidas o homem se foi mais ficou o ícone .

Zagallo , com a mística das 13 letras , se foi hoje, e essa é uma verdade que todos teremos que engolir.

O Poeta Isnard em carne e osso – Por Fernando Canto

Isnard Lima – Foto: Arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Por Fernando Canto

Conheci muitos poetas que me fizeram ver o mundo de outra forma. Desde os tempos do Grupo Escolar Barão do Rio Branco ainda ouço as “Vozes D’África” de Castro Alves ecoando pelas praças da cidade como se viessem mesmo do outro lado do oceano e retumbassem versos com vigor pelos campos do Laguinho. E eles me dizem no acompanhar do ritmo ligeiro do batuque: “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? / Em que mundo, em que estrela tu te escondes, / Embuçado nos céus? / Há dois mil anos te mandei meu grito, / Que embalde desde então corre o infinito… / Onde estás, Senhor Deus? ”

A poesia joga a semente da planta e alarga suas raízes. Só depois é que compreendemos sua ideologia e caráter, pois a entendemos como um ente que traspassa a alma e que inicia a fervedura da arte. Assim fui conhecendo os poetas no dia-a-dia dos estudos e até arrisquei meus primeiros versos, que ninguém acreditou que fossem meus, por isso foram destruídos pela fúria adolescente quando enfrenta o descrédito.

Isnard Lima – Foto: Arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Um dia vi que poetas eram mesmo de carne e osso, embora estranhos. Conheci pessoalmente o Ray Cunha, o Zé Edson dos Santos, o Manoel Bispo, o Silvio Leopoldo, o Odilardo Lima e o curioso Isnard Lima, o mais velho deles. Tivemos nossas primeiras conversas no antigo Clã Liberal do Laguinho no início dos anos 70, época bastante tumultuada, quando falar em democracia era crime. Ali aprendi com eles a ser parceiro de música, de sonho e de esperança, apesar dos percalços do caminho como a impagável “Operação Engasga-engasga” que tentou estragar nossas vidas. Os que não foram presos por pensarem na liberdade migraram para outros centros do país e começaram a pôr em prática seus pensamentos, escrevendo canções, publicando livros, realizando exposições.

Dos presos injustamente que voltaram ao nosso convívio só o Isnard voltou a produzir textos com certa regularidade, mas era muito perseguido pelos chamados “revolucionários” e assim retornou a sua vida de boêmio, que alegrava os bares por onde parava. Neles, sua presença física fazia parte do cenário, assim como sua poesia, às vezes lírica e pródiga, iluminava a noite.

Isnard Lima – Foto: Arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Tempos depois fomos estudar juntos para o vestibular da Universidade do Pará. Ele e a mulher, uma vizinha dele e eu. Passamos os quatro e fomos para Belém enfrentar a vida. Um dia, ainda lá, sua mãe a professora de piano Walquíria Lima, morreu de grave doença. O poeta ficou órfão de mundo. Depois, já advogado, voltou e realizou seu livro de crônicas.

Creio que poetar não é só ajuntar palavras com a sabedoria de quem observa minúcias. Ela também arrebata o que não deve, molha e enxuga imagens. Escrita ou falada ela incide sobre o mundo em raios de aconchego, rebate o despropósito de desatinos noticiados sem pressa. A poesia é arte de encantar, pela soberba luz que tem, até a esperança escondida sob pedras. No presente ela é real de tal modo pétrea que judia a percepção, assim como estende o passo do verso pelas nebulosas verdes do futuro. A poesia é necessária na hora que o mundo se parte em prantos e nos conduz ao estado incompreensível de poetas. É como um féretro de gafanhoto conduzido por formigas de fogo na primeira manhã de março após a chuva. É operativa e vítima viva; amarrada, mas não amordaçada; simbólica, que não concede a ninguém formas aprisionadas, estilos e chavões dos espaços escolares. Ao contrário, voa, evola-se, anja-se e rompe-se comunicando ao homem e seu espírito, que mesmo muitas vezes seca, louca ou amarga, é doce na intenção imensa da criação do autor.

O poeta Isnard Lima, autodenominado “Cafajeste Lírico”, tinha 64 anos quando morreu. Às sete da noite do dia 11 de julho de 2002 fui informado que um vizinho o encontrara caído, ao lado de um aparelho de aerosol usado para amenizar o sofrimento de um enfisema pulmonar, fumante inveterado que era.

Eis, poeta, a minha homenagem pelo Dia da Poesia, que compartilho com todos os poetas de nossa terra, quando sei que nas fímbrias das nuvens gargalhas alegre e ironicamente tiras rosa do teu chapéu e as joga na madrugada.

*(Texto publicado em março de 2007 – JD)

Nossos Batuques – Por Fernando Canto

Por Fernando Canto

O batuque é uma parte do conjunto de atos que acontecem em louvor aos santos de Mazagão, Igarapé do lago e Curiaú. Ocorre durante e após as obrigações religiosas de uma vasta programação festiva, na qual os membros dessas comunidades têm grande e ativa participação. Consiste ainda na música e dança próprias, caracterizados pelo ritmo rápido produzido por instrumentos rusticamente confeccionados por artesãos locais.

No Igarapé do Lago, durante a festa de Nossa Senhora da Piedade, são usados tambores como o “cupiúba”, feito da árvore “cupiubeira”. Este tem um metro de comprimento e serve para fazer a marcação rítmica; o “macacaúba”, feito da árvore do mesmo nome e o “cajuna”, o menor deles, usado mais na procissão, preenchem os vazios da marcação do batuque, onde também são utilizados a “taboqueira”, espécie de ganzá feito de “taboca” em cujo interior se põem grãos de milho e sementes de tento, e o “rapador”, confeccionado com bambu, com gomos escavados por fora e tocados com uma vareta. Os pandeiros são feitos de tiras de árvores, couro de animais e fichas de refrigerantes. São utilizados ainda o clarinete, o violão, o cavaquinho e a viola. Quando tocam nos salões, um pedaço de pau chamado “rolete” é posto sob os tambores para que os batuqueiros tenham maior comodidade.

Já no Curiaú o batuque era realizado somente na festa de São Joaquim, padroeiro do lugar, ou em comemorações especiais, porém hoje, devido à diversificação de devotos de outros santos, ocorre diversas vezes ao ano, não necessariamente no só centro comunitário, mas nas casas dos promesseiros. Ali, os dois (ou mais de dois) tambores utilizados têm o nome de “macacos”. São eles, o “amassador” e o “repinique”, feitos da árvore do “macacaueiro”. O primeiro tem a função de marcar e o segundo de dobrar o ritmo. Seus pandeiros (três) são feitos com a madeira do cacaueiro e do couro de carneiro ou de sucuriju. Da mesma forma que no Igarapé do Lago, os batuqueiros do Curiaú tocam seus tambores, sentados neles, que ficam sobre um tarugo de acapu, inclinados, para melhor repercutirem. Do lado de fora do salão, onde ocorre o batuque, fica permanentemente acesa uma fogueira para esquentar e esticar o couro dos tambores e pandeiros.

Durante as festas realizadas em louvor a Nossa Senhora da Piedade, em Mazagão Velho e Ajudante, o batuque é tocado em dois tambores, sendo que um terceiro batuqueiro, sentado no tambor de marcação ou “amassador”, toca com duas baquetas na parte traseira do tambor “repinique”, para incrementar o ritmo. A “taboqueira” e o “rapador” também fazem parte do grupo de instrumentos da percussão do batuque.

Outro ritmo amapaense que muito se assemelha ao batuque de Mazagão Velho, pela forma de ser tocado é o “Zimba”. Esse nome não tem relação com o que diz Mário de Andrade, no seu Dicionário Musical Brasileiro. O musicólogo explica que o nome vem significar o mesmo que “sanza”, um “instrumento de lâminas, percutidas com os polegares, também conhecido como “zimba” e “kibanda” entre os Babunda e os Bakwese (África), classificado nos grupos das marimbas ou m’bichi, por Stephen Clauvert. O zimba, enquanto música e dança folclórica, é praticado na localidade de Cunani, município de Calçoene. Suas músicas e formas de dançar são semelhantes ao Carimbó da costa paraense, uma área geográfica habitada por pescadores tradicionais que se fixaram no litoral do Amapá.

*Fotos surrupiadas dos blogs Som do NorteAmapá, minha amada terra!.

Viagem para mudar – Crônica porreta de Fernando Canto para o ano novo

Crônica de Fernando Canto

Na cachaça do ano novo é muito comum fazermos resoluções e promessas de mudança no comportamento, no trabalho e nas relações sociais. Planejamos novas ações e juramos mudar, custe o que custar. E temos poder para isso. Se quisermos mudar para melhor porque não tentar? O problema é sair da nossa zona de conforto e experimentar algo que pode ser ruim ou bom. No entanto resistimos às mudanças.

Um famoso psiquiatra austríaco, Viktor Franki, disse que a coisa mais importante que a psicologia pode e deve fazer é nos impressionar com nossos próprios poderes, principalmente nosso poder de mudar e crescer. Porém não é sempre que nos esforçamos se estamos no nosso conforto e nem sempre desejamos mergulhar em águas desconhecidas, correr esses riscos…

Assistindo ao mundo em movimento é que podemos perceber que estamos indo junto com ele, em uma viagem sem volta, num trem galáctico, rumo às estrelas do infinito. Daí é possível entender que consciente ou inconscientemente somos empurrados a estados e condições diversos, pois os processos de mudança são inexoráveis e inerentes à dinâmica da vida. E assim também as organizações sociais.

Desta forma, ao pensarmos as mudanças que querermos por necessidade, certamente tomamos consciência dos eventos a nossa volta e seus efeitos em relação às nossas escolhas. E é então que alimentamos nossas expectativas sobre a nossa atuação no passado recente. Nessa expectativa é melhor fazer um sobrevoo sobre nós mesmos e olhar os sinais e sintomas de mudança que precisamos, para que possamos mudar.

Lá fora nossas esperanças ainda não morreram. Há sinais de troca e de mudanças estruturais. Novos sonhos são acalentados diariamente pelas pessoas e muitas delas que exercem ou que exercerão cargos de decisão indubitavelmente terão de fazer surgir, pelo trabalho, mudanças em todos os níveis, que serão acompanhadas pelas pessoas que os escolheram numa dialética constante, praticada cotidianamente, principalmente pela imprensa

Transformar, modificar, revolucionar não é apenas mais uma necessidade dos seres humanos. As organizações aprendem muito rapidamente que suas fronteiras mudam a cada minuto, e por isso se voltam para o enfrentamento de novos desafios e buscam nos seus servidores graus maiores de eficiência que podem evoluir e acompanhar suas novas necessidades com pragmatismo e equilíbrio. No entanto nem sempre os debates, cursos, palestras e ensinamentos sensibilizam os atores sociais, notadamente no serviço público, onde se percebe claramente que a empolgação das pessoas é efêmera, e que elas oferecem mais suas próprias críticas e medos que suas habilidades, conhecimentos e capacidades analíticas. Quase em nada contribuem para a totalidade e missão das instituições pelo conformismo e conforto que estão aninhadas com suas limitações em se adaptarem às novas tecnologias, na tensão infindável da luta diária.

Nem tudo, porém, está perdido. Apesar de sempre haver resistência ao novo, a História está aí para dar seu testemunho de sucesso àqueles que ousaram acreditar em si mesmos e conseguiram mudar o mundo. Para transformar, e para transformar-se é necessário ter suporte emocional e equilíbrio, algo que estabeleça a harmonia e desperte o potencial interior que todos os seres humanos possuem para mudar.

Nesse sentido podemos aprender que falar em mudança não requer se basear em livros de autoajuda, nem sequer na espiritualidade. Na viagem do trem rumo às estrelas começamos a nos conscientizar dos impactos que causamos quando decidimos fazer mudanças e o que elas provocam nas dimensões físicas de um órgão ou nos conteúdos culturais das pessoas e nas suas emoções.

(*) Publicado no Jornal do Dia em dezembro de 2008.

Chegamos em mais um fim de ano – Crônica de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Chegamos em mais um fim. Ultimamente finalizações tem sido algo constante dentro do que venho observando nessa atmosfera que está inserido como: minha observação, ou seja, compra quem quer. Mais um fim de ano, mais um balanço anual, mais rugas, mais tempo e menos tempo, como sempre a gente por aqui avaliando os feitos das horas, dias e meses no couro, ou sugestivamente, na pele que habito.

A finalização de 2023 é diferente de qualquer outro ano passado. Apesar das festas, presentes, família, amigos e a costumeira farra, que sim, me encaixo perfeitamente pela minha natureza. Ocorre que nada disso me fez distrair o olhar do clima apocalíptico que esse fim de ano trouxe.

O cenário mundial que traz esse leve aroma de desgraça das guerras com pitadas de anomalias climáticas. Já imbuída dessa percepção, me deparo com um vídeo que me trouxe para esse momento que divido agora com você, leitor. O vídeo em questão mostra Raul Seixas, ainda na década de 70, sendo entrevistado pela eterna Gloria Maria.

A matéria se dá por conta de uma ressaca no Rio de Janeiro. Nesse episódio a água do mar invade a calçada, onde o carro do nosso saudoso maluco beleza foi pego pela maré. Ao ser perguntado por Glorinha (olha a intimidade da gata) sobre o prejuízo que havia sofrido, Raul Seixas respondeu: A NATUREZA TÁ CERTA! Ele descreve o acontecimento como algo profético ou já esperado devido o tratamento que a humanidade vem há tempos dando ao mundo. Todo aterramento e abuso de recursos naturais. A gente já vem rindo na cara do perigo mais tempo do que manda a sensatez. Acredito que essa sensação de fim do mundo tenha deixado as coisas diferentes nesse fim de ano. Mas, o que pessoas como eu fazem nessas horas? Acertou quem disse abre um vinho e vai escutar Raul Seixas. Percorrendo a discografia dele vi que ele sempre teve razão, o que me faz lembrar do quanto meu pai gostava das músicas dele, escutávamos nas viagens de carro. E se a gente for esperto, ainda vai aprender muito com ele. E dentro desse ensinamento, o como viver dentro do fim.

Nada permanece imutável, a vida é cíclica. A língua é viva. As crianças crescem e as plantas morrem. Portanto, eu também prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. E você entende também que não precisa ter opinião sobre tudo, algumas perguntas são ótimas para que você exercite aquela resposta que é : não sei. Ninguém nunca tem total certeza de nada mesmo. E se você tem, acredite, essa certeza provavelmente é temporária ou, de qualquer forma, mutável pela própria natureza das coisas.

E é muito bom que sejamos metamorfoses que se permitem novas experiencias, ideias e ideais. Que não sejamos múmias engessadas e regidas pelas opiniões alheias. E quem está vivo sabe que ele também estava certo quando disse que ´Tem dias que a gente se sente um pouco, talvez, menos gente. Um dia daqueles sem graça de chuva cair na vidraça… Porque nessa tarde tão calma o tempo parece parado? Está em qualquer profecia, dos sábios que viram o futuro, dos loucos que escrevem no muro, das teias do sonho remoto….A chama da guerra acesa, a fome sentada na mesa, o copo de álcool no bar, o anjo surgindo no mar… Está em qualquer profecia que o mundo se acaba um dia”.

Querido leitor, não estou tentando te colocar medo ou fazer você sair que nem doido por aí gastando seu ultimo vintém, dançando pelado na rua ou transar sem camisinha. Sim, acredito no fim de tudo, mas acredito mais ainda na mensagem que tudo isso tenha para nos mostrar, ou seja, vai viver, porra! Mas vive do jeito que se acredita ser feliz, inteiro,completo.

Reflita sobre o que realmente tem valor na vida ou acabe como alguém sentado no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes esperando a morte chegar. Conseguindo ser um dito cidadão respeitável que ganha quatro mil cruzeiros por mês e nunca está contente. Sempre vai dar tempo e se a canção estiver perdida, meu caro, tente outra vez.

Vamos continuar, sempre. Continuar até o sempre se tornar fim e o fim se tornar o agora. Eu vou estar sempre cantarolando ‘’ Oh oh seu moço do disco voador me leve com você aonde você for! Oh oh seu moço, mas não me deixe aqui enquanto eu sei que tem tanta estrela por ai”

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além disso é escritora contista e cronista. E, ainda, mãe de duas meninas lindas, prima/irmã amada deste editor.

Natal – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Quando a saudade sobe os degraus do tempo
E vem sentar no mesmo sofá em que Ontens, eu desenhei Amsterdã.
Agora é tempo de balançar os lençóis para que caiam as digitais.
Enquanto os relógios cruzam por várias vezes os anos e os meses, em por várias vezes eu vi Abril se espreguiçar na varanda.
Agora é tempo de sacudir as toalhas para retirar as migalhas de suor e shampoo que cicatrizaram nela.

É tempo de varrer os desencontros…
Por ao sol os desencantos.
Espreitar as lembranças que chegam pelo elevador.
Beliscar as cicatrizes que te mostram saudades caladas.
Voltar ao espelho para olhar de novo os olhares ali espelhados.
Polir os sorrisos para uma nova geração de vida.
Depois sentar a cabeceira de qualquer lugar.
E ver o horizonte se continuar no horizonte.

Em dúvida se teremos a companhia do Sol ou da lua, desenhar… desenhar …
Qualquer coisa azul, imensamente azul.
Pode até chama-la de você… ou dizer-lhe… Eu…
Abrir as portas, as janelas, os portões, as vírgulas, o ponto de exclamação, ruídos de trovões, e por fim silêncios…
Muitos deles são pequenos abismos onde reside coberta de limo, indiferente, a neve, e ao calor sufocante, toda a saudade que com você já teve intimidade.

Poderíamos pensar que foram clonados, um do outro…
Você não deixou ela olhar com paixão seu coração.
Por isso caminhe… volte ao início… desenhe… pode perguntar ao vento… que desenhar…
Ele dirá… A mim!
Ele rodopiará… em torno de seus pensamentos.
E se afastará espremendo nele seu desejo de ser feliz.

Quinta-feira a dor entrará no trem e partirá…

Eu espero o Natal para desenhar libélulas sob a luz descomunal da sua ausência.

*Do livro de Contos “Defronte a Boca da Noite moram os dias de Ontem’ – Rumo Editorial – Luiz Jorge.

A Morte do Piruliteiro (fantástica crônica de Natal do Fernando Canto)

*Imagem: Acervo pessoal de Fernando Canto

Por Fernando Canto

Perto de casa havia uma família de pessoas muito pobrezinhas. Três molequinhos saiam todas as tardes para vender pirulitos que a mãe deles, uma jovem viúva, fazia com capricho. Retornavam ao entardecer com luz suficiente para baterem uma bola na rua, pois nela nunca passava carro a essa hora.

Deviam ter oito, sete e seis anos quando os conheci. Eram branquinhos e tinham os cabelos louros e espetados, cortados do jeito militar. Pareciam ter vindo de bem distante, talvez do Maranhão ou do Ceará. Todos estudavam na mesma escola que eu, um grupo escolar público no centro da cidade, para onde íamos, nas manhãs, bem cedinho, descendo a ladeira com nossos macacões cáquis, o uniforme escolar que o governo do então Território Federal fornecia a todos, indiscriminadamente. Voltávamos às onze horas, quando a sirene da Olaria Territorial apitava exatamente na mesma hora que a campa da escola batia. Eu ficava admirado com aquilo. E vinha com eles, ávido para chegar em casa e almoçar, enquanto que eles não sabiam se iam comer alguma coisa, apesar de terem merendado. Só tinham a certeza de uma jornada de trabalho à tarde, quando iriam se dividir para vender os pirulitos lá pelas bandas da Doca da Fortaleza, na beira do rio. Depois jogariam uma pelada na rua e dormiriam cedo, pois nessa época não havia luz elétrica no bairro e nem se sonhava com televisão.

Um dia o mais novo deles desapareceu. Era inverno, a chuva fustigava a cidade alagando os terrenos baixos. O menino não chegara em casa e o alarme foi dado. Procuraram a noite inteira sem êxito. Seu corpo foi achado no dia seguinte, engatado no bueiro do meio da ladeira da nossa rua, uma tubulação que ligava um grande lago natural do bairro onde morávamos ao rio Amazonas. O vendedor de plantas notara uma camisa verde no acostamento da rua e adiante um tabuleiro de pirulitos vazio. Era véspera de Natal e foi grande a consternação das pessoas ao saberem do fato. A criança deve ter parado para tomar banho no pequeno igarapé, mas não conhecia a força da correnteza quando a maré baixava no tempo das chuvas, e se afogou.

Todos os moradores se entristeceram, pois o menino lourinho era muito estimado. – Um pequeno trabalhador que ajudava sua família. Coitadinho, diziam. Lembro que quase todo mundo foi ao enterro a pé. Na Missa do Galo o padre rezou por ele de novo e muita gente chorou de emoção, pois o comparou ao Menino Jesus, que ajudava o pai no ofício de carpinteiro.

Foi um Natal muito triste para mim. Achava um absurdo a morte daquele menino esperto que já lidava com dinheiro na sua pré-profissão de vendedor/piruliteiro, apesar de nem sonhar grandes sonhos ainda, pois não tinha estímulos em casa.

Meu amigo Fernando Canto quando moleque. Foto encontrada no blog Canto da Amazônia

Ao visitar a casa de meus pais, onde moram meus irmãos, ontem, passei pelo bueiro no meio da ladeira. Parei o carro adiante e fui olhar o igarapé correndo no mesmo sentido, do lago para o rio. Alguns matupiris e carás-barbelos dançavam na água clara que margeia o fluxo das águas em velocidade, corrente que passa atravessando o terreno do seu Gama, até pegar o Igarapé das Mulheres e chegar finalmente ao Amazonas. Os peixes nadavam estranhamente, como a desenhar a figura sorridente do piruliteirinho louro no fundo do córrego. Veio-me, abrupto, um gosto de açúcar queimado na boca. Então me lembrei que o lago do Poço do Mato, de onde as águas vinham é um lugar de caruanas, habitantes/protetores do fundo das águas, que também são loirinhos como o piruliteiro que morreu num dia como o de hoje, às vésperas do Natal.

É Natal (Belíssima crônica de Natal de Alcy Araújo Cavalcante)

É Natal

Por Alcy Araújo Cavalcante
(1924-1989)

Sabeis que é Natal. Não é necessário que eu diga isto. O anúncio da renovação do milagre do nascimento de Jesus está nesta música que vem de longe, que desce do céu e flutua, em pianíssimo, em torno de nossa alma e toca de leve o coração dos homens. O milagre está, também, nesta luz que vem do alto e ilumina os espíritos, está no riso das crianças, na oração da rosa, na lágrima dos que sofrem, no canto dos pássaros, no sussurro da brisa, no murmúrio do rio e na saudade de minha mãe rezando.

Tudo é tão bonito que as lágrimas de dor e de saudade de infâncias inexistentes são poesia pura. O belo é tanto que não resisto à vontade vesperal de anunciar que é Natal, antes que a noite chegue, antes que seja oficiada a Missa do Galo, antes que dobrem os sinos na igreja comunicando a vinda do Messias.

Tudo é luz em torno do mundo. As trevas não prevalecerão quando cair a noite acendendo mistérios. As vozes dos anjos, o coral dos pastores de Israel, a lembrança dos Reis Magos estão presentes. Há perfume. Os turíbulos de Deus espargem incenso e mirra, porque é Natal no mundo e renasce a esperança no cumprimento da palavra dos profetas.

Mais uma vez é Natal!

Chegam as vozes da infância perdida nos caminhos e o coração enxuga saudades. Os sinos, à meia-noite, vão bimbalhar lágrimas distantes. Vêm de presépios inanimados e risos perdulários afogam angústias cotidianas. A dor se esconde por trás de mágoas indormidas e as horas se ocultam nos relógios, para que a poesia do Natal não passe e o musical minuto dure mais um segundo na eternidade deste dia.

É Natal!

Reza a minha alma de joelhos pelo menino sem brinquedos que perdi, na minha pobreza de sempre.

É Natal!

Repetem meus arrependimentos nas estradas.

E uma alegria imensa absorve as tristezas que fabriquei no mundo. Um sentimento infinito de bondade apaga as dores que construí durante o meu ontem irreversível. Uma ternura imensa acende felicidades futuras, porque é Natal, neste sábado do mundo. Há um polichinelo no bazar. Pertence ao menininho doente que Jesus chamou para o seu reino. Uma boneca abandonada já não chama mamãe para a garota loura que um anjo levou pela mão naquela manhã de sol. Mas outros brinquedos coloridos fazem ciranda em torno das árvores de Natal e milhares de crianças são felizes nos lares cristãos de meu país sem coordenadas. Enquanto isto, Deus sorri, pleno de Amor, por trás da Eternidade.

Fonte: Blog da Alcinéa Cavalcante

O melhor comercial de natal dos anos 80 (do Banco Nacional)

Quando eu era moleque, adorava quando passava o comercial de natal do extinto Banco Nacional na TV. O jingle da propaganda, “Quero Ver Você Não Chorar”, é muito legal e marcou o período natalino da minha geração. Me emocionei muito agora. Esse comercial resgata a minha infância e muita coisa boa que vivi nela…Meu saudoso pai, minha mãe, meu irmãozinho caçula e tanta coisa legal daquela época..

O comercial é de 1985 (eu tinha nove anos) e faz parte de minha memória afetiva. É emocionante e nostálgico. Assistam:

“Quero Ver Você Não Chorar”

Quero ver você não chorar
Não olhar pra trás
Nem se arrepender do que faz

Quero ver o amor vencer
Mas se a dor nascer
Você resistir e sorrir

Se você pode ser assim
Tão enorme assim eu vou crer

Que o Natal existe
Que ninguém é triste
Que no mundo é sempre amor

Bom Natal um feliz Natal
Muito amor e paz pra você
Pra você…

Festas, confraternizações e a hipocrisia de fim de ano – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Há 23 dias do natal e menos de um mês para o final de 2023, aquela atmosfera começa a tomar conta de tudo. Todos começam a exercitar o melhor que existe dentro de si (pelo menos é o que tentam demonstrar a todo custo), além da nostalgia latente e exagerada. Até aí tudo bem, mas é como se bastasse ser legal somente no final do ano. Não, não deveria ser assim. Pura hipocrisia.

Principalmente entre colegas de trabalho que se odeiam e familiares que não se suportam. Forçam a barra com “confraternizações”, só para dizer que os ventos natalinos causam amnésia de atos cometidos ao longo do ano.

Em todos os campos, seja no pessoal ou profissional, cruzamos com fofoqueiros, invejosos e canalhas de todo tipo. O pior para mim é quando essa gente me vem “desejar” feliz Natal ou próspero ano novo. Dá vontade de dizer: “pé-de-pato-urubu-três-vezes” ou “vá-te-retro-satanás”. Cruzes!

Bom, temos ideias novas todos os dias. Já está na hora de dizermos: “seguinte, a afinidade fala mais alto, vamos confraternizar com quem realmente importa”. Desejo um feliz 2024 para minha família e meus amigos. Mas não para todo mundo, como a maioria dos “bons samaritanos fabricados” nestes dias de dezembro.

É fundamental que a frase “Bendita seja a data que une a todo mundo numa conspiração de amor”, de Hamilton Wright Mabi, seja exercida. Mas de fato, sem falsa fraternidade ou confraternização de ocasião. É isso. No mais, boas festas aos bons!

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

Dezembro e a saudade – Crônica de Elton Tavares – Do do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”

 


Dezembro é sempre bacana. Lembro dos anos 90, eu e meus velhos amigos de recuperação ou já reprovados, tomando as saideiras do ano no velho Bar Xodó . Quem estudou no saudoso Colégio Amapaense quando o boteco existia lá no canto sabe do que falo.

Diziam que, da velha turma, ninguém “prestaria” para nada. Afinal, como aquele bando de jovens biriteiros teria futuro? Sim, nós nos divertimos muito, mesmo com todos os sonhos e incertezas daquele momento. Quando não tinha grana para cerva, era rum, vodka ou cachaça. Nós éramos metidos a rebeldes (rebeldia muitas vezes sem sentido, natural de adolescentes).

Tempos de festas de garagem, estilo de vida meio Bukowski e com trilha sonora rock’n’roll, claro! Internet, Rede Social e toda essa modernidade era coisa de cinema. Eu tinha feito curso de datilografia (com o Werlen), estava aprendendo a mexer no MSDOS (programa de computador com tela preta e letras verdes) e tempos de disquete. Quem tinha celular era rico e tocava sempre Legião Urbana.

Bom, apesar de termos tomado cervas pra esta vida e para a próxima nos tempos do Xodó (ainda bebemos bem, mas não como naquela época), cada um seguiu seu caminho da melhor forma.

Só que eu, meu irmão Emerson (era o mais moleque entre nós) e nossos amigos nos demos bem, sim! A maioria daquela galera formou e “vingou”. Quem não possui curso superior se garante na profissão que escolheu seguir. Claro que existem alguns que realmente não quiseram porra nenhuma com a vida mesmo. Mas isso é problema deles.

Sinto saudade da velha turma, daqueles dias incríveis da nossa feliz juventude irresponsável. Mas tudo virou lembrança boa e experiência de vida, pois graças a todas as coisas bacanas e difíceis que passei naquela época, não me tornei um babaca que se norteia somente por teorias da vida. Aprendi muitos valores morais naqueles tempos.

O Elton daqueles anos

Sim, dezembro chegou e com ele todo esse sentimento legal de fim de ano, de renovação, de esperança. E com este mês vem sempre a saudade dos que já partiram, dos amigos, dos tempos do bom e velho Colégio Amapaense e Xodó. Eu sempre escrevo sobre minhas memórias afetivas e essas estão no fundo do coração.

Certa vez, li a frase: “Saudade: sentimento do que valeu a pena”. E tomar todas aquelas cervas no bar do Albino com os velhos amigos do C.A. Valeu. E como. É isso!

Elton Tavares

*Do do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”. 

Discos que formaram meu caráter: O Descobrimento do Brasil- Legião Urbana (1993) – Por Marcelo Guido – Hoje o álbum completa 30 anos – @Guidohardcore

Há 30 anos, o Legião Urbana lançava “O Descobrimento do Brasil”, seu 6º disco de estúdio. Foi gravado em um momento de tensão entre a banda e a gravadora EMI-Odeon. “Perfeição”, “Vamos Fazer um Filme”, “Só Por Hoje” e “Giz” são os destaques. Sobre esse álbum, republico o texto do amigo jornalista Marcelo Guido, publicado originalmente aqui no De Rocha em 2016.

Discos que formaram meu caráter: O Descobrimento do Brasil- Legião Urbana (1993) – Por Marcelo Guido

Muito bem amigos, voltamos mais uma vez para falar (sem querer ser repetitivo) de músicas, discos e afins. Como faço toda semana, espero acrescentar a vocês um pouco mais sobre assuntos um tanto quando piegas, mas relevantes.

O disco de hoje nos leva até a década de 90, mais precisamente ao ano de 1993, época de incertezas no campo político, onde um presidente eleito pelo voto popular acabara de renunciar, mostrando toda nossa frustração com nossa primeira experiência democrática depois dos áureos anos de Ditadura.

No campo musical, uma lastima sem precedentes (já falei algumas vezes sobre isso) um imensurável número de “duplas sertanejas” vindas mais precisamente do estado de Goiás e redondezas, armadas de suas calças apertadas, violas, agudos ensurdecedores (que deixava a Tetê Espíndola, morta de inveja), uma dor de corno imensurável. Da Bahia vinha à famigerada “Axé Music”, com seus refrãos grudentos, coreografias ensaiadas e a Daniela Mercury, clamando para si todas as cores da cidade e os cantos também (alguém deveria ser responsabilizado por isso), sem falar claro do “Pagode Romântico”, onde todos os amigos de bairro montavam um grupo e com músicas melosas conseguiam seus 15 minutos de fama, sentavam no sofá da Hebe (com direito a selinho) e se refrescavam na “Banheira do Gugu”. Realmente dá nervoso só de lembrar, essa parte dos anos 90 foi embora muito tarde.

Foi no meio disso tudo que, como verdadeiros “Salvadores da Pátria” a Legião Urbana nos brindou com esse excelente álbum que, com certeza, embalou a vida, a adolescência e juventude de muitos de nós. Com o coração cheio de orgulho que eu apresento para uns e relembro para outros “O descobrimento do Brasil”, todos de pé, todos de pé.

A coisa andava meio mal para os caras da Legião, o comodismo do mercado e também o preço do sucesso acabava por colocar os caras a mercê dos críticos, já não produziam nada novo desde o LP “V” de 1991 (muito bom, mas conceitual e compreendido por poucos) e vinham de uma coletânea deveras “Caça niqueis” (coisa de gravadora) chamada de “Musica para acampamento” (essencial para qualquer coleção digna de rock), mas os fãs queriam mais, queriam coisas novas.

Renato Russo encontrava-se, mais uma vez, frente a frente com outro tratamento para dependência química e alcoolismo. Mas diferentemente das outras tentativas, “a voz da geração Coca-Cola” (se eu não coloco isso os cults me apedrejam), encarava a situação com otimismo.

Foi no meio de todo esse circulo conturbado, envolto nesse cenário negro que a Legião Urbana se reinventa e volta à relevância com este verdadeiro calhamaço de belas canções, com letras contundentes e melodias de valor imensuráveis.

Vamos deixar de lengalenga e ir logo as faixas:

O Disco começa com a metódica “Vinte nove”, forte sem dúvidas, feita cheia de referências ao número “29” (oh), muitos acreditam ser uma lembrança do tratamento de 29 dias do cantor, sem contar que para os esotéricos (coisa que Renato era e bem) os 29 anos que saturno passa para percorrer sua própria órbita. Marca uma nova fase na vida de qualquer indivíduo. “A Fonte” é outra canção forte, você só passa a compreender depois de várias audições, as críticas envolvidas na canção, mostram a volta da “raiz punk” da Legião. Então vem “Do Espirito”, extremamente pessoal e punk, com suas guitarras distorcidas é uma ode a luta de Russo contra o álcool.

“Perfeição”, como o próprio nome diz, é um dos maiores sucessos da banda, música preferida de muitos, uma crítica pesada onde a ignorância do mundo é celebrada, mas a esperança aparece no final. “Passeio da boa vista”, instrumental para relaxar, excelente trilha para um passeio de barco ou uma consulta ao dentista. “O Descobrimento do Brasil”, a faixa título do disco, é uma nostálgica baladinha legal de se escutar, quem se apaixonou no segundo grau sabe muito bem do que estou falando.

“Os Barcos”, minha preferida desse disco, letra pesada o verso “Só terminou pra você”, já fala por si só. “Vamos Fazer um Filme”, fala de um sentimento de reconstrução pessoal, onde tudo pode te jogar pra trás, mas você vai estar bem se sua turma for legal. “Os Anjos”, lado “Ofélia” (palmas pra ela) de Russo que dá uma receita perfeita para o lado negro da vida. “Um dia Perfeito”, clima bucólico, ótima sintonia de guitarra com teclado, perfeita para tardes chuvosas.

“Giz”, outra da metáfora “Quero ser criança de novo”, nostálgica, letra magnifica considerada pelo próprio Russo como sua “obra prima”. “Love In The Afternoon”, creditada a várias perdas importantes, foi feita para um namorado falecido, é uma música romântica. “La Nuova Gioventú”, apesar do piegas nome em italiano, um “rockão” pesadíssimo, com direito a distorção e tudo, cita a maldita obra “On The Road”, a bíblia da contracultura dos anos 60. “Só por Hoje”, o lema do AA, fecha com perfeição esse disco. Escute e entenda.

Letras fortes, temas marcantes, banda afinadíssima nada mais a falar. Sem muita frescura, clássico de marca maior. Foda-se do disco do caralho!

Nem é preciso dizer, que este disco vendeu mais de meio milhão de cópias, um verdadeiro “chute nos colhões” do mercado vigente na época.

Muitas lendas sobrevoam essa bolacha. Posso dizer a vocês que, apesar de dedicada em show “Love In The Afternoon”, não foi feita para o Aírton Senna (só se fosse escrita pelo Walter Mercado, o disco é de 1993, e o Senna se foi em 1994). Se você fala isso, pare você está falando merda. E “Giz”, foi realmente escrita e feita para Zezé di Camargo e Luciano (e dai? O cara só queria liberdade para cantar “é o amoooooooooorr”), mas isso não arranha o brilhantismo da Bolacha.

Esse foi o sexto LP da Legião, o último que fez os caras saírem em turnê e que proporcionou o e primordial registro ao vivo “Como é que se diz eu te amo” (duplo). E saiba que o excelente “A tempestade” (1996) era para ser um trabalho solo de Russo. Sim amigos, esse foi o derradeiro. Nada mal para um último suspiro.

Por hoje é só. “Urbana Legio Omnia Vincit”!!

Marcelo Guido é punk, pai e jornalista e professor.