Prazer, sou Bernadeth!

Bernadeth Farias

Será que consigo resumir quase 50 anos em duas laudas? Vamos lá!

Cheguei ao mundo em um dia de muita chuva: era uma sexta-feira do dia 31 de janeiro de 1975. Amo quando a Mamãe me conta a história do dia do meu nascimento. Papai saiu de casa ainda na madrugada debaixo de uma chuva intensa (em Santana) para ir em busca de um táxi que a levasse para maternidade, em Macapá (já nasci trazendo esse BO para eles, kkkkkkkkkk).

Sou a 8ª de uma família de 10 filhos (Manoel, Mário, José, João, Benedito, Jacira, Jacirema, Jacirene, Benedita e Bernadeth), e a caçula das 5 mulheres. Recebi o nome de Bernadeth (uma escolha do Papai Benedito) em homenagem à Santa Francesa Bernadette Soubirous (talvez isso explique meu interesse desde pequena por estudar a língua francesa, rsrsrsrs).

Nasci com uma enfermidade na pele que a única forma de aliviar as feridas era tomar benzetacil todos os meses. Imagine uma criança recebendo aquela agulhada. Até hoje tenho trauma dessa injeção.

Mas, como eu não era uma criança boba nem nada, eu me alimentei até os 6 anos do mais poderoso alimento do mundo: o leite materno. E aí passei a ter o que chamam de “saúde de ferro”.

Mamãe conta que aos seis anos, quando ia me deixar na Escolhinha, eu puxava o peito dela pra fora pra mamar antes de eu entrar na sala.

Dos 6 aos 14 anos nunca adoeci, não gripava, nada de febres, dores. Aliás, eu era uma moleca “atentada”. Jogava bola na rua, pulava amarelinha, brincava de elástico, tomava banho na chuva, pira esconde, quebrei a cabeça dos meninos na escola, era encrenqueira (nada de levar desaforo pra casa). Mas, também era muito estudiosa (Papai não aceitava que a gente tirasse menos de 10 nas provas), extremamente religiosa (fui catequista) e trabalhadora (gostava de cozinhar, limpar casa e a Mamãe lavava e passava roupa pra fora e eu ia com a trouxa na cabeça deixar a roupa na casa das clientes da Mamãe. Tinha tanto equilíbrio que nem segurava a trouxa na cabeça). Hoje pra eu me manter no salto, tem horas que dá uma desequilibrada (kkkkkkkk)

Aos 15 anos, arrumei meu primeiro emprego como aprendiz. Daí não parei mais. Aos 18 anos saí de casa para morar, pasmem, sozinha.

E a partir daí iniciava a vida adulta: trabalho, faculdade, boletos, amores, desilusões, conquistas, alegrias, e por aí vai.

Até os 30 anos foram muitas adversidades e realizações: o sonho de ser mãe veio (o nascimento do meu amado filho JOAB), a compra da casa própria (financiada em 20 anos, claro kkkkk), a compra do carro próprio (um celta 2 portas, rsrsrs), e a dedicação e o amor ao trabalho que sempre sonhei.

Mas, nessa idade a gente ainda busca mais né? Então, pedi demissão da televisão (por onde trabalhei por 16 anos) para ir em busca de novos desafios. E os desafios vieram, as novas conquistas chegaram. E, com a maturidade, veio o encontro com o que chamo de AMOR desta e de todas as outras vidas: meu anjo JOB. (E com ele espero em Deus envelhecer)

Já até a chegada dos 40 anos foram muitos sonhos alcançados, mas as conquistas vieram também com renúncias pessoais. Então, as 24 horas do dia eram “insuficientes” para tantas responsabilidades, compromissos e demandas. E, mesmo com sinais do corpo e da mente, não parei.

E quando digo não parar é não parar mesmo: ritmo frenético no trabalho, tentando conciliar casa, responsabilidades de mãe, mulher e filha, atividade física, viagens, estudos.

Mas, a vida é cheia de surpresas. Quase chegando aos 50 anos, a vida me disse: ei, dê uma parada, respire, seu corpo e sua mente estão te cobrando. E é assim que chego a este novo ciclo: tomando a decisão de respirar, me priorizar, mantendo a serenidade no trabalho e na vida pessoal. Minha família e meus amigos sabem o que estou falando.

Por isso, neste dia toda minha gratidão a quem segurou e segura minha mão nesta jornada (impossível listar aqui, porque graças a Deus sou rica de amor e de amigos).

A Deus toda honra e glória por me guiar e me proteger nessa caminhada de quase 5 décadas de vida! Só tenho gratidão e amor no meu coração.

Ano que vem eu “cinquentarei!”

Bernadeth Farias
31 de janeiro de 2024

Nostalgia Plástica – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Na volta de uma viagem perguntei ao meu neto de três anos se ele tinha sentido saudade. Ele disse que não sabia. Insisti: – Você sabe o que é saudade? Ele respondeu-me que era “uma coisa errada” e correu para me mostrar as novidades e as experiências que adquiriu nos dois dias de minha ausência, encerrando o assunto.

Minha pergunta estava eivada de preocupação, após mergulhar num sentimento raramente sentido: o da nostalgia, ocorrida no lugar para o qual viajei. Para algumas pessoas ela acontece como uma espécie de dor voluntária, causada pela vontade de estar no passado, vivendo uma vida prazerosa e feliz. A nostalgia é um tipo de dor do exílio, da vontade de voltar ao lugar de origem depois de um longo período obrigado a morar em terra estrangeira, e não se adaptar a ela, segundo rezam os dicionários. Para outras pessoas ela é mais dura. È uma melancolia que demonstra claramente um estado de tristeza e de languidez, por desgosto ou pesar, que pode evoluir para um processo mais sério em nível de afecção mental, inclusive com a perda do interesse pela vida, com tendência ao suicídio e delírio de auto-acusação.

Mas calma lá. A melancolia é uma coisa. È um estado mórbido que leva a situações inconseqüentes e irreparáveis como o suicídio. A nostalgia é a palavra que usamos para suavizar a melancolia. É como a saudade de algo ou alguém, de pessoas ou de coisas distantes. É uma “lembrança nostálgica”, que ocorre de forma leve e suave, mas que carrega seguramente um inevitável desejo de tornar a vê-las, pegá-las, possuí-las.

Humberto Moreira

Por essa situação passamos todos nós. Eventualmente enxergamos pessoas que não vemos há muito tempo e quando elas passam, ao longe, sem saberem que estamos ali, em certo lugar, temos vontade de falar com elas. Entretanto somos impedidos por algum obstáculo, por alguma barreira física. Só nos resta, então, lamentar que nunca mais as veremos. Fica um buraco no coração, uma sensação de vazio, de frustração. A nostalgia é plástica a meu ver. Eu dou a ela a expressão que quero: formas e cores, linha e volume.

Não quero aqui entrar na questão dos acontecimentos pessoais que levam as pessoas ao suicídio, assunto de patologia social de alta morbidade em nosso Estado, considerando as estatísticas bolerianas amplamente divulgadas nos jornais de Macapá. Quero, sim, dizer o quanto essa questão pode balançar a vida e os conceitos sobre o mundo e as pessoas.

Devo contar que o radialista Humberto Moreira certa vez foi visitar um amigo no Rio. Caminhando pela Avenida Rio Branco ele percebeu que era seguido por um sujeito corpulento de camisa “tremendão”. Pens

ou: “Tô assaltado”. Mas conseguiu driblar o marmanjo. Olhou para os lados e seguiu adiante. Quando estava chegando a seu destino sentiu o toque nas costas e se preparou para entregar a carteira. De repente ouviu do suposto assaltante: “Tu num é o Humberto Moreira da Bola é Nossa?” Humberto sentou pálido, embaixo da marquise do edifício da White Martins e se comoveu com a chorosa história do rapaz, que era de Santana, seu fã, que o conhecia da televisão. Estava há mais de um ano sem ver uma cara conhecida no Rio de janeiro.

Creio que meu neto está certo, pois as crianças são certeiras. A saudade é mesmo uma coisa errada. Mas a nostalgia, essa sim, é plástica.

*Texto de 2017, republicado. 

Museu da Imagem e o Sonho Coletivo – Por Fernando Canto

Imagem encontrada na página do Facebook do MIS-AP (antiga)

Por Fernando Canto

Há muito ouço falar da implantação de um Museu da Imagem e do Som no Amapá. Ideia que todos têm, mas que ninguém se habilita a iniciar. Se já houve nunca chegou a ser organizado de forma que se pudesse ter um acervo significativo, o que é quase improvável. Soube que há alguns anos um atuante deputado propôs um projeto, que foi aprovado pelos seus pares, tendo, porém, estancado na burocracia da administração estadual. Também fui informado de uma tentativa do governo municipal em criar e organizar um MIS em Macapá no início dos anos 90. Na época investiram na formação de um acervo da história da cidade desde que ela foi promovida à capital do antigo Território Federal, em 1944. Começaram por entrevistar antigos habitantes e velhos pioneiros que deram sua contribuição para o desenvolvimento local. Uma equipe de funcionários e cinegrafistas esteve em Belém para completar o processo de informações, colhido através da memória dos velhos servidores públicos. Ali contataram pessoas importantes para a vida do Território e da cidade, como a professora Aracy Mont’Alverne, o professor Theodolino Flexa de Miranda, Belarmino Paraense de Barros e muitos outros. A equipe fez um trabalho exaustivo de entrevistas em vídeos que certamente se constituiria um precioso documento memorial a ser bem aproveitado em exibições museológicas para estudantes e pesquisadores interessados em nossa história recente.

Infelizmente, como a falta de compromisso com o nosso passado é uma realidade desprezível, esse acervo precioso desapareceu. Ninguém sabe onde ele está. A mesma coisa acontece com fotografias, imagens de santos, documentos oficiais, películas, filmes em super-8, negativos fotográficos, discos, livros, revistas e fitas gravadas de depoimentos políticos, registros da cultura popular, discursos históricos de personalidades administrativas, etc.

O Museu da Fortaleza de São José, que já abrigou um acervo preciosíssimo da nossa história foi dilapidado por colecionadores ambiciosos. De lá levaram até os selos e as moedas da República do Cunani, que são relíquias de valor considerável no mercado internacional. Em 1950, a Comissão de Tombamento da Fortaleza, presidida pelo engenheiro Douglas Lobato Lopes, informou que nela existiam 50 canhões de ferro fundido, mas em 1972 havia apenas 20. Hoje não sei quantos restam, se por acaso restarem alguns originais, só para citar como exemplo.

Em 2003 a Prefeitura adquiriu o acervo fotográfico do historiador Coaracy Barbosa, que tem mais de 600 estampas antigas e o Governo do Estado fez o mesmo com o acervo familiar do governador Janary Nunes, que se encontram respectivamente na Coordenadoria Municipal de Cultura e na Biblioteca Pública Eucy Lacerda. Isso representa ponto positivo e responsabilidade com a memória amapaense.

A Prefeitura de Macapá, preocupada com isso, já abriu caminho para a implantação de um MIS municipal, que deverá ser executado durante as comemorações dos 250 anos de fundação de Macapá. Diante disso será necessário adquirir mais acervos particulares e institucionais, pesquisar materiais que devem estar em outros estados e talvez em países distantes, numa saga contínua para que o Museu Municipal da Imagem e do Som não seja apenas um local em que se conservam “artigos do passado”. O museu, na sua conceituação lógica e moderna, deverá ser uma fonte de imaginação e criatividade que nos permitirá sonhar e interagir com o futuro; que nos permitirá conectar no tempo, descortinar idéias e valorizar a cultura humana. Um museu dessa natureza traz a vontade do sonho coletivo.

Meus parabéns à Rede Amazônica pelos 49 anos de jornalismo no Amapá

A TV Amapá completa 49 anos de fundação nesta quinta-feira (25). A emissora é afiliada da Rede Globo e a única com programação exibida nos 16 municípios amapaenses. O veículo integra a Rede Amazônica, um conglomerado de TV’s, rádios e portais de internet espalhadas pelo norte brasileiro , exceto no estado do Tocantins e Pará (somente CBN no Pará, veículo que integra o grupo).

A TV Amapá é o veículo de comunicação mais poderoso do Estado. Tive o prazer de trampar lá, por pouco tempo é verdade, mas foi um aprendizado. Em julho de 2008, por falta de espaço físico dentro da Rede Amazônica local, o Portal Amazônia funcionava na redação da TV Amapá. Fui estagiário na TV Amapá e Portal Amazônia. Observei e absorvi o que pude naqueles tempos.


De acordo com o jornalista Humberto Moreira, foi a Copa de 74, na Alemanha, que motivou o então governador do Território Federal do Amapá, Arthur Henning, a comprar os equipamentos de TV para a exibição dos tapes do Brasil naquele Mundial.

“Em campo o time não foi bem e perdeu para a Holanda nas quartas de final. Os jogos eram gravados em Belém (PA), que já recebia imagens por satélite. E um avião do Serviço de Transportes Aéreos do Território trazia a fita para ser exibida aqui com todo mundo sabendo o resultado, pois a Rádio Difusora de Macapá retransmitia as partidas.


Depois da Copa, o governo vendeu os equipamentos ao empresário amazonense Filipe Daou que inaugurou a TV Amapá em janeiro de 75”, contou Humberto. Ela se vão 49 janeiros!

Por lá passaram muitos profissionais feras do mercado local e que atuam fora do Amapá. Lembro bem do dia que cheguei lá e fiz o teste com o Arílson, meu primeiro chefe no jornalismo. Recordo do bom humor do Seles e aprendizado com ambos.

Antiga Redação da TV Amapá (esquerda) e eu fiz no jornalismo da Rede Amazônica, em 2008 (direita).

Também da parceria da Cleidinha, das histórias do Evandro Luiz, dos amigos da técnica, das sacadas do Edson Cardozo, da rabugice engraçada do Renato, da gentebonisse do Max, seriedade do João Clésio (na época) e da gaiatice dos cinegrafistas, enfim, do quanto fui bem tratado por lá. Sobretudo pelo então chefe de jornalismo.

Pela importância da emissora, contribuição para o crescimento do Amapá e talento dos colegas e amigos que trampam por lá (e sempre me dão apoio onde quer que eu trabalhe), parabenizo a TV Amapá e seus colaboradores. Congratulações, parceiros!

Elton Tavares

Mazagão Velho, a cidade que atravessou o oceano, completa 254 anos – Crônica/resgate de Elton Tavares

Mazagão Velho – Foto: Gabriel Penha. Ruínas de uma igreja construída no século XVIII – Foto: Hélida Penafort Mazagão Velho, no frame de vídeo (documentário em produção) cedido pelo amigo Aladim Júnior Antigo cemitério de Mazagão Velho, no frame de vídeo (documentário em produção) cedido pelo amigo Aladim Júnior Prefeitura de Mazagão – Foto: Elton Tavares

Crônica/resgate de Elton Tavares

Mazagão Velho completa 254 anos de fundação hoje (23). A minha família paterna veio do Mazagão, não do Velho, mas do “Novo” (que não tem nada de novo). Bom, vou falar um pouco da cidade e depois da relação do local com o meu povo.

O município de Mazagão tem uma história peculiar, rica em detalhes sobre o Amapá. Mazagão foi fundada porque o comerciante Francisco de Mello pretendia continuar com o comércio clandestino de escravos, mas pressionado pelo governador Ataíde Teive, resolveu cooperar, fornecendo índios para os serviços de construção da Fortaleza de São José, na capital do Amapá, Macapá.

Foto: Gabriel Penha

Em retribuição, foi anistiado e agraciado com o título de capitão e diretor do povoado de Santana; mas, por conta de uma epidemia de febre, que acometeu os silvícolas, foi transferido para a foz do Rio Manacapuru, e, pelo mesmo motivo em 1769, para a foz do Rio Mutuacá.

Em 10 de março de 1769, D. José I, Rei de Portugal (POR), desativou a cidadela de Mazagão, na então colônia do Marrocos (MAR); eram 340 famílias sitiadas pelos mouros. Elas foram transferidas para Belém (PA). Para alojar estes colonos, o governador mandou construir um povoado às margens do Rio Mutuacá. Em 7 de julho de 1770, começaram a ser transferidas 136 famílias para a Nova Mazagão, hoje cidade de Mazagão Velho, como já se denominava o lugar, pois desde o dia 23 de janeiro de 1770, havia sido elevado à categoria de Vila.

Acervo familiar.

Na verdade, meu saudoso avô paterno, João Espíndola Tavares, nasceu na região do alto Maracá, no Sítio Bom Jesus – localidade de difícil acesso. Para chegar ao local, as embarcações precisavam passar por muitas cachoeiras do município de Mazagão. E minha santa vó, Perolina Tavares, bisneta do senador do Grão Pará, Manoel Valente Flexa (que foi manda-chuva em Mazagão, no tempo em que lamparina dava choque), também nasceu naquelas bandas. Ah, meu vô foi prefeito do Mazagão (preso pelo golpe de 1964, a então “revolução”).

Lá eles namoraram, casaram e constituíram família. Meu pai, Zé Penha e meus tios Maria e Pedro, nasceram no Mazagão. Os filhos mais novos do casal, Socorro e Paulo, nasceram em Macapá, onde minha família paterna é uma das pioneiras. Meu avô partiu em 1996 e meu pai depois dele, em 1998. Mas a família Tavares preserva a dignidade, o respeito e a amizade – fundamentais para a vida – aprendidos no Mazagão e trazidos para a capital amapaense.

Eu, com vó e vô. Gratidão! – Mazagão (AP) – 1978

Quando criança, fui ao Mazagão, mas não tenho essas lembranças na cachola dessa época. Retornei ao município em 2009, quando meu avô foi homenageado na Loja Maçônica da cidade, por ter sido um de seus fundadores. Depois, em 2010,  para cobrir a Inauguração da Ponte sobre o rio Vila Nova, na divisa da cidade com a vizinha Santana. Em 2012, para a cobertura do aniversário de fundação da antiga vila e em 2022, quando nos despedimos de nossa matriarca, a vó Peró, ao jogarmos suas cinzas no Rio Mutuacá.

É, minha família paterna veio do Mazagão (na década de 50). De lá trouxe uma nobreza que admiro e muito me orgulho. Não sei explicar a sensação de ir lá, mas a senti todas as vezes. Parece um lugar em que já estive há muito, muito tempo. Quem sabe noutra passagem por aqui. Do que tenho certeza, é que tais raízes nos deram muita cultura, histórias legais e respeito às tradições. Meus parabéns, Mazagão!

Arte: Secom/TJAP

*Este texto, atualizado para hoje, é parte da monografia que escrevi para o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Comunicação. E também é um entre os 60 escritos do livro “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em 2021.

Ainda sobre Mazagão Velho, assistam a reportagem do programa “Repórter da Amazônia | Mazagão”:

Sobre Macapá, Mazagão e meu avô, João Espíndola – por Bellarmino Paraense de Barros

 *O texto é de 1997. O recorte de jornal foi um presente da minha amada tia Maria Conceição (A “Penha”). Adorei a forma que o senhor Bellarmino redigiu e contextualizou os fatos para enaltecer a pessoa do meu avô, falecido um ano antes do autor escrever esse belo registro. 

Parabéns para mim nesta data querida – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Autor do meme: Pequeno

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Se algum dia um grupo de extraterrestres chegar, entre amigos, conhecidos e familiares, companheiros de trabalho ou de farra, e perguntar por mim sem dizer meu nome, apenas algumas caraterísticas, quem poderá informar?

O líder dos extraterrestres vai perguntar assim:

– Vocês conhecem esse cara?
• Nasceu em Curuçá, no Pará, em 17 de janeiro de 1966.
• Se criou em Santa Maria das Mangueiras de Belém do Grão-Pará.
• Hoje mora em Macapá do Meio do Mundo, se tornando, assim, um amaparaense.
• Escreve, desenha e lê bastante, não necessariamente nessa ordem.
• Rói unha desde que habitava o útero materno.
• Gosta de estourar plástico-bolha.
• É viciado em palavras cruzadas.
• Perfume? Só usa Leite de Rosas.
• Usa alpercatas frequentemente.
• Usa meias por vezes extravagantes.
• Não gosta de pizza.
• Não curte pets. Aliás, curte, desde que estejam beeeemmm longe.
• Não dirige carro. Nem moto. Só bicicleta, mas não sabe soltar as duas mãos. Bicicleta é seu veículo preferencial.
• Bebe muito, de preferência cerveja.
• Fuma muito. Até cigarro.
• Fala muito palavrão.
• Videogame? Nada! Joga somente paciência. E de um naipe só.
• Não se dá bem em jogo nenhum: futebol, vôlei, natação. Nada disso. Joga um pouco de xadrez e bilhar, mas sua estratégia consiste apenas em dificultar a vitória do adversário.
• Não sabe dar aqueles assovios fortes, como a maioria dos moleques de sua geração.
• É do país do futebol, mas é muito ruim de bola.
• Já brigou algumas vezes, mas só aprendeu a apanhar na vida.
• É cheio de TOCs e manias. Não pode ver sandália emborcada, por exemplo.
• Odeia supermercados e não frequenta shoppings.
• Detesta fazer compras, pois evita ao máximo qualquer relação comercial entre pessoas. As únicas coisas que gosta de comprar: livros e revistas. Antigamente, CDs de música.
• Não vê mais televisão, séries, filmes, novelas, noticiários, futebol, programas de auditório, podcasts. A intenção é retornar ao primitivo. Um dia, lá no futuro, já que hoje ainda não dá, vai abrir mão de toda a tecnologia. Vai largar a internet, a futilidade das redes sociais e o tatibitate do WhatsApp. Vai sair de todos os grupos, já que se acha capaz de ser burro sozinho.
• Já foi cabeludo. E careca. E cabeludo. E careca. E cabeludo…
• É destro, mas adoraria ser canhoto. Acha mais charmoso.
• Usa óculos, mas não escuros.
• É capricorniano, mas não liga pra isso.
• Há mais de 30 anos, exerce a profissão de redator publicitário. Isso mostra que ou ele entende mesmo disso ou está enganando muito bem.
• É filho da dona Darlinda e do seu Rodrigo, irmão do Reginaldo, da Ronilda, Renilda, Socorro e Fátima.
• É pai do Pedro, com Maria Lídia, e do Artur, com Patrícia Andrade.
• Não serve de exemplo pra coisa alguma.
E aí? Alguém pode informar?

Aí imaginei alguém respondendo:
– Rapaz, vi uma pessoa assim um dia desses! Mas o que aconteceu? Por que vocês estão procurando?
– É que hoje é aniversário dele e temos uma surpresa.

Aí mostraram um bolo imenso, no formato de um disco voador. Foi quando saí do meu esconderijo e me revelei aos meus irmãos ETs. A partir daí a festa começou e só vai acabar quando eles retornarem à Terra novamente para me levar de volta ao meu planeta originário. Até lá, vamos de festa:
– Parabéns para mim / Nesta data querida / Muitas felicidades / Muito anos de vida…

E segue o baile!

Por um Teatro Municipal (*) – Crônica de Fernando Canto – @fernando__canto S

Teatro das Bacabeiras – Foto: Alex Silveira

Crônica de Fernando Canto

Há tempos a ideia de criar o Teatro Municipal causa grande expectativa nos meios artísticos macapaenses. Artistas com quem conversei disseram que o projeto vinha ao encontro de suas aspirações, principalmente agora que a cidade cresceu e que a maioria deles já tem consciência de que precisa valorizar cada vez mais seus trabalhos. Alguns já vêm desenvolvendo comercialmente suas atividades a partir da realização de cursos de empreendedorismo, que também os obriga a vender bons produtos. O teatro municipal é um sonho de muito tempo. A prefeitura tentou comprar o ex-cine Macapá em 2001 com esse propósito, mas infelizmente as negociações não avançaram. Agora é notório o aumento do mercado de bens culturais e estável o circuito de produtos culturais como teatros, bibliotecas e auditórios, em Macapá.

Para os artistas o teatro do município não só desafogaria a pauta do Teatro das Bacabeiras como daria apoio aos produtores culturais para desenvolverem seus trabalhos. Ao funcionar em consonância com a política cultural do município, o teatro daria ênfase às ações populares como espetáculos teatrais abertos ao público, shows com ingressos mais baratos, além de outros projetos internos que pudessem facilitar o desenvolvimento da arte, por meio de debates, reuniões de trabalho, simpósios, festivais e, sobretudo, com o processo educacional ao lado disso tudo, onde não se furtaria também a constante e imprescindível formação de plateia.

A criação e a implementação do teatro, antes de ser uma decisão que viria beneficiar os segmentos artísticos das artes cênicas e da música, é um princípio que norteará ações tais como o estímulo à formação cultural da população e dos agentes culturais do município. Sua configuração e funcionamento deverão ser regidos dentro dos padrões da política de cultura municipal, o que deverá possibilitar o acesso da população a esse bem cultural, de forma democrática, levando em conta a diversidade cultural, linguagens, identidades e formas de expressão do nosso povo.

No bojo dessa construção o maior interessado é o cidadão, aquele que goza dos bens e serviços efetuados pelos poderes públicos, dos direitos civis e políticos e do desempenho dos deveres para com ele. Este, então, é um princípio necessário ao desenho e à consecução de uma política cultural contemporânea: o dever das instituições políticas e administrativas para com o cidadão, considerando que ações governamentais devem ser feitas para todos e não só para uma elite. É papel importante o de ofertar produtos de acesso garantido ao cidadão, ávido de consumo de arte. Acesso físico e acesso econômico a produtos de boa qualidade.

É bom lembrar que quando falamos em cidadania e cultura estamos diante de abstrações, de conceitos, de uma ideia sobre as coisas. Assim o acesso, aquele que dignifica o cidadão, quer simplesmente dizer ingresso, entrada, chegada, aproximação, alcance de coisa elevada ou longínqua. Entretanto não se pode deixar de registrar que a palavra “acesso” também carrega um conceito de fenômeno patológico ou psicológico que é o chamado “ataque de raiva”, ou impulso, que é uma reação do cidadão ou da cidadã que não vê atendido o seu direito de cidadania.

Da nossa parte cantamos a melodia dos artistas com o mesmo entusiasmo porque acreditamos que um teatro para ser popular e de boa qualidade deve ofertar bons produtos, divertir, unir e corporificar os valores culturais de uma sociedade organizada, de uma sociedade plena de direitos e deveres satisfeitos, de uma sociedade cidadã.

(*) Publicado no JD, em 2007. Mas ainda não temos o tal teatro.

 

Amigo Alessando Nunes gira a roda da vida. Feliz aniversário, “Coxa Bamba”! – @alessandonunes

Sempre digo aqui que gosto de parabenizar neste site as pessoas por quem nutro amor ou amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Acredito que manifestações públicas de afeto são importantes. Neste décimo quarto dia do ano gira a roda da vida pela 44ª vez, o Alessando Nunes. O popular e consideradão da galera, “Coxa Bamba”.

Alessando é o pai dedicado das lindas Ana, Maria e Helena, filho amoroso do Geraldo e Heliana, irmão parceiro do Diogo, Lia e Leilane, namorado apaixonado da Adriana Gato, assessor parlamentar, maluco das antigas, melhor cozinheiro de torresmo, cumpridor de missões impossíveis, artesão e muito brother deste editor e da velha guarda underground.

“A única perfeição da vida é a alegria” – Ezequiel Neves, produtor musical do Cazuza. E sobre o Coxa, pensem num figura feliz. Ele tá sempre sorrindo, com uma fonte inesgotável de otimismo e fé de que tudo sempre dará certo. Alessando Nunes é um doido varrido (no bom sentido), querido por todos. Um cara trabalhador, que alia boemia e trampo com responsa. Ele é, sobretudo, um homem de bem e um amigo querido.

Coxa é carismático como poucos, dono de uma paideguice e bom humor irradiantes. Sempre com sua malandragem refinada e ditados engraçados, ele segue na vida pelos atalhos que os pregos não conseguem enxergar e muito menos trilhar. Dou valor nesse cara.

Alessando, mano velho, “TU SAAAAABES”…Que teu novo ciclo seja ainda mais feliz, produtivo e iluminado. Que sigas pisando firme e de cabeça erguida em busca dos teus objetivos e que tudo que couber no seu conceito de sucesso se realize. Que a Força sempre esteja contigo. E que tua vida seja longa, sem “cara branca”, repleta de momentos porretas. Parabéns pelo seu dia, manão. Feliz aniversário!

Elton Tavares

Inteligência primordial – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Sabe esse negócio de Inteligência Artificial? Pois é! Estou a fim de entrar na era da Inteligência Primordial, a primitiva, aquela que dispensa o uso de aplicativos. Funciona assim: vamos nos desligando. No falar deste tempo, nos desapegando desses produtos que nos deixam conectados.

Eu comecei deixando de ver televisão e tudo o que nela tem: noticiário, futebol, novela, reality show, programa de auditório, talk show… Hoje não vejo filmes, séries, podcast, stand-up, esse tipo de coisa. Minha ideia é entrar em total estado de comunhão com a natureza.

Me libertar, ainda que eu nunca tenha sido preso a isso: influencers, coachs, pastores eletrônicos ou outras malandragens, picaretagens desse naipe.

Muitas coisas me interessam, mas não estão na internet. Estão ao meu redor, sem que haja uma tela entre nós.

Pode-se dizer que eu esteja desligando os aparelhos e morrendo aos poucos. Mas pode muito bem acontecer que, daqui a um ano, mais ou menos, eu esteja me comunicando por telepatia. Sim. Retorno às raízes, tudo isso.

Retorno ao primitivo, ao intuitivo. A comunhão com o planeta, dispensando a vulgaridade de parte da população que o habita, deixando apenas a essência das pessoas que valem a tentativa. Os momentos libertados de selfies, lives, likes e essa porra toda.

Inteligência Primordial. Pensem nisso. Vou terminar citando o beatle John: “Você pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único”. Imagine tudo isso!

Amadurecer pelas ruas de Belém – Por Dulcivânia Freitas – @DulcivaniaF – (publicado hoje em razão dos 408 anos da capital paraense)

Foto: Celso Lobo – Alepa.

Por Dulcivânia Freitas

Durante 10 anos amadureci nas ruas de Belém. Quando se trata de falar sobre a Belém dos anos 1990, me gabo em dizer que sou de casa. Deixei a cidade há quase 18 anos, mas mantenho laços afetivos fortes, que me dão a honra de contar com guarida em várias residências. Tenho ciúmes de Belém, tomo as dores de Belém. Hoje, com um olhar de turista, aponto vários desafios. Mas, se perceber preconceito regional, fecho a cara e reajo com direito a sotaque paraibano.

Belém sabe se defender. Diante de uma lente fotográfica, é fotogênica e faceira. O povo de fora sabe bem dessa habilidade de Belém, é só buscar na web para comprovares. Por sinal, essa conjugação perfeita do verbo na segunda do singular eu aprendi em Belém. Percebi essa beleza na linguagem oral do povo de Belém logo ao desembarcar na cidade, em 16 de abril de 1996, às 20 horas. Sim, era véspera do massacre de trabalhadores sem-terra em Eldorado do Carajás, e eu não tinha noção da importância desse tema.

Foto: Bruno Cecim – Agência Pará

O saudoso taxista, seu Leonardo, sereno no seu chamativo chevette vermelho, me levou direto para a Igreja da Conceição, na Cidade Velha, onde o saudoso e generoso padre David Larêdo me aguardava. Me apresentei com um diploma de jornalista, nenhum medo, muito calor e uma valentia que se esvaiu nos últimos anos. Os primeiros passeios, roteirizados pelo Larêdo, foram o terminal petroquímico de combustíveis no Miramar, onde ele ressaltou que o fluxo de movimentações, em Belém e no Pará quase todo, dependia do perfeito funcionamento das operações naquele lugar. Neste momento conheci também a Praça Brasil e a inesquecível sorveteria Tip Top, onde degustei sabores que nem imaginava existirem.

Amigos da Paraíba comentaram que Belém era uma cidade de comidas esquisitas e recomendaram experimentar com boa vontade. A mente e o coração ficaram tão preparados, que tem dias que não sei se estou vivendo ou temperando frango com tucupi e jambu. Meu Deus, perdoa a soberba por ter a sorte de conhecer o que é açaí de verdade, sem leite condensado. Porém, contudo, pupunha foi um dissabor à primeira vista. Quem tomar um café comigo vai saber detalhes dessa história e vai me dar razão. Comentei com os parentes que chopp em Belém era barato demais. Sabe nada, inocente. O chopp dos paraenses é o dindim dos paraibanos. Ainda como parte das memórias – cada vez mais são lampejos – lembro que arregalei os olhos diante do prédio suntuoso de O Liberal. Não houve deslumbramento patético, mas fiquei contente por trabalhar num lugar espaçoso, chique e cheiroso.

Foto: Celso Lobo – Alepa.

Passar a viver em Belém foi o equivalente a nascer de novo. O que eu trazia em comum com o belenense era somente a moeda e a língua. Foram quatro semanas para aprender a soletrar Ananindeua. Obrigada aos envolvidos pela paciência. O novo, na parte assustadora, me mostrou uma Belém toda pichada. Em relação aos aluguéis, não existia bom e barato na mesma frase, era chegada a hora de me embrulhar nos classificados do jornal, procurando moças para dividir custos de moradia.

No trabalho, caí de paraquedas diante de sumidades do mundo artístico paraense, que se espantavam quando eu lhes perguntava o nome. Em Belém, meu rosto ganhou as primeiras rugas. Surgiram os primeiros fios de cabelo branco. Estava em Belém quando passei a chamada de senhora. Viver em Belém, com o passar de alguns anos, finalmente me fez sentir-me no contexto da Amazônia. Aprendi a valorizar a cultura e o conhecimento amazônida. A amar ainda mais a chuva. Curti as ondas de rio em Mosqueiro, uau, que impressionante. O carimbó é um capítulo à parte. Pensei que jamais na vida me emocionaria com outra dança que não fosse o forró. A expectativa era encontrar na cidade espaços temáticos sobre o carimbó, sua história, exposição de instrumentos, folderes, shows com frequência. Já temos?!

Belém me preencheu de amadurecimento profissional, paixões e experiências pessoais transformadoras. Belém me revelou uma parte bonita e “invisível” do Brasil. Décadas depois me valho dos versos de Celso Viáfora para expressar minha inquietação “será que o Brasil nunca viu a Amazônia?”. Sempre soube que Belém é a cidade do Círio de Nazaré. Mas marquei as férias de 1997 justamente para outubro, e não entendi a estranheza dos meus colegas. Mas depois de 1998 a ficha caiu, porque vivenciei pela primeira vez a grandiosidade do “Natal dos paraenses”.
Este ano, voltei às ruas de Belém. Comecei a caminhada pela avenida Nazaré e paralelas. Fotografei mentalmente paisagens feitas das belas mangueiras, limo nas calçadas, bancas de revistas que incrivelmente sobrevivem, o tacacá, os velhos ônibus de sempre. Muita gente sorridente. A melancolia deu as caras ao sentir falta do grande Cinema Nazaré (1 e 2). De rua em rua, na próxima viagem a Belém chegarei ao bairro da Pedreira, onde vivi 9 dos meus 10 anos em Belém. Ouso me achar uma pedreirense, com pouco samba, mas muito amor. Tenho certeza que a COP 30 trará articulações para aprimorar Belém. Meus parabéns e minha gratidão!

* Dulcivânia Freitas é jornalista. 
**Publicado originalmente no jornal O Liberal de 12/01/2024

Ciclos – Crônica de Rohane de Lima

Crônica de Rohane de Lima

Só uma mulher que nunca tomou anticoncepcional sabe a maravilha que é Trepar no Cio!

Trepar, sentir tesão, transar… pra isso não tem data, todo dia é dia, basta estar bem consigo e se permitir ao Corpo. Mas… Trepar no Cio… Se for com Amor, melhor ainda, se esse amor é bom de cama, se ele sabe o que é uma Mulher no Cio, Não há nada nesse Mundo que se compare a isso. Se sua companhia sabe o que é uma Mulher no Cio, existirá o Tempo sem relógio, existirá o Espaço que antecede e transcende ao Tempo .

Não há poeta, ou poetiza, romancista, roteirista e escritor pornô, homem/ mulher que descreva tamanho transbordamento em nenhum idioma. O Manifestado é sempre Indescritível!

Quando a Mulher passa a ter consciência de seus ciclos e os relaciona com a própria Libido, vai superando essa “necessidade” de fazer sexo todos os dias, e – mesmo se a relação for novidade e cheia de descobertas, quando o desejo vai muito além do corpo… o desejo de conhecer a alma, de penetrar e transbordar segredos e idiossincrasias se mistura e se alterna com o desejo de conhecer e desvendar o desejo do outro, o corpo do outro e como o seu corpo reage ao corpo do outro.

Ainda assim, existe a prevalência dos ciclos, e se a gente vai muito além, começa a ter medo do vazio do outro, pq esse vazio vai revelar o nosso próprio vazio! Então a gente sente a necessidade de recolher-se, de acolher-se, preencher-se de si, para o novo florescer, o novo Cio, o renascer de cada mês. Como esse enternecimento, esse auto acolhimento, esse recolher-se “nunca” foi respeitado pelas sociedades humanas (antes do Patriarcado, os registros são controversos, por isso o “nunca”) muitas de nós desenvolvemos a TPM, a fúria insana que, infelizmente, só foi temida como Chacota.

Nosso sangue passou a ser visto como algo sujo, a ser rejeitado, nosso corpo passou a ser visto como impuro, nosso orgasmo foi visto como algo assustador e além daquilo que esperavam do nós: dar herdeiros aos homens, produzir trabalhadores para o Mercado. As mulheres que não aceitaram isso, as que perceberam previamente o nosso encarceramento moral, rebelaram-se e então viramos bruxas, possessas endemoniadas. Hoje as coisas mudaram: somos histéricas, feias, machudas, bruacas, desequilibradas e estamos com TPM, ou com falta de homem.

Perdoai-os Avós, Mães, Filhas, Netas, eles não sabem o que dizem, o que fazem, e nem por que pensam e sentem dessa forma. Eles não sabem o que perderam, o que perdem, o que perderão! Penso e sinto que, ainda hoje, a maioria dos Homens nunca assistiu, nunca compartilhou esse transbordar-se, pq estão desatentos, ou olhando para os seus vazios, enquanto os nossos vazios transbordam; enquanto a Deusa em Nós se faz Presente.

Depois desse viver a própria morte, também perdem as cenas em que respiramos profunda e suavemente, onde sorrimos sozinhas e saímos do corpo entre cantos e piruetas! Acho que deve ser porque eles precisam entregar-se aos seus esgotamentos nos braços de Morpheu.

* Rohane de Lima é amapaense radicada no Rio de Janeiro. Ela é engenheira agrônoma e professora aposentada da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
** Contribuição de Fernando Canto.

Reverência ao poeta Alcy Araújo (que faria 100 anos hoje) – Por Fernando Canto – @fernando__canto

Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo – Fotos: Blog da Alcinéa

O Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Sou fã de escritores, compositores, músicos, poetas e artistas. Por conta disso, republico aqui o texto do escritor Fernando Canto, em homenagem ao poeta Alcy Araújo, que faria 100 anos hoje, 7 de janeiro (Elton Tavares).

Reverência ao poeta Alcy Araújo

Por Fernando Canto

Alcy Araújo foi um dos nossos mais importantes poetas, e intelectual militante da cultura. Ele foi pioneiro do Território Federal do Amapá e aqui trabalhou como jornalista e servidor público, exercendo altos cargos no decorrer de sua vida profissional. Como escritor incursionou pelo campo da poesia, do conto e da crônica, entre outros.

Era compositor e chegou a ganhar os primeiros festivais de música realizados em Macapá. Mas foi a poesia que marcou definitivamente e de forma gloriosa a sua carreira. Boêmio e amigo de todos, Alcy influenciou dezenas de poetas em suas criações, desafiando-os a produzirem e se aprimorarem. Era conhecido nas rodas boêmias como “Tio” Alcy. Deixou uma quantidade incontável de textos literários que precisam ser publicados e divulgados, pois eles não perdem a atualidade.

Seus livros “Autogeografia” e “Ave-Ternura” foram publicados em 2020, pelo projeto literário “Letras de Ápacam”, da Prefeitura Municipal de Macapá. Contam com apresentação e prefácio meus e do poeta paraense João de Jesus Paes Loureiro.

Entretanto, suas produções literárias precisam ser reunidas e estudadas em várias estâncias do conhecimento, já que nem a Academia (Universidades) local, que tem o dever de preservar a arte e a memória dos escritores não o faz.

Alcy Araújo foi nossa maior referência poética. Precisa ser reconhecido cada vez mais pelo que fez e pelo legado intelectual e artístico que deixou. Por isso o Amapá tem o dever de preservar a memória criativa e cultural dos seus escritores, a fim de que eles possam ser conhecidos pelas novas gerações e pelas vindouras.

É preciso reverenciar seu legado, pois o “Tio Alcy” influenciou várias gerações de artistas e colaborou decisivamente para a formação cultural e intelectual de vários deles.

A você, poeta Alcy Araújo, a nossa gratidão!

* Alcy Araújo faleceu em 22 de abril de 1989.

DIÁLOGO DOS MUDOS (*) – (Tributo ao poeta Alcy Araújo) – Por Fernando Canto

Pedra do Guindaste – Arquivo de Floriano Lima.

Por Fernando Canto

– Ó Pedra! Ó Pedra do Guindaste. Nunca tive esta sensação tão esquisita. – O que ocorre nestas plagas?
– O que há, bela Fortaleza?
– Exala um perfume nas minhas masmorras.
– Deve ser a preamar do Amazonas…

Foto: Floriano Lima.

– Não, não me sinto molhada. E as águas já começam a baixar.
– Então pergunta ao Rio. Ele poderá te explicar, pois daqui também sinto o delicioso aroma.
– Anda, Amazonas, me conta a razão desta apreensão. Algo toma conta de toda a minha estrutura. Algo permeia em mim cruzando os baluartes. É uma fragrância inusitada que emerge das entranhas.
– Mas o que será?

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Não sei, ó Fortaleza, mas ontem vi um anjo viajando no meu dorso..
– Ele cantava rasgando a madrugada.
– E o que dizem suas canções, ó formoso Rio?
– Diziam que as dores de Rosinha se acabaram, que Sheerazade sucumbiu num turbilhão de areia no deserto e que os doces fiordes da Noruega congelaram subitamente.
– E o que quer dizer tal coisa, Rio dos Rios?
– Apenas testemunhei. Não cabe a mim a interpretação das melodias angelicais, Fortaleza da minh’alma.

Foto: Floriano Lima.

– Ah, esse trapiche que te adorna… Saberá ele de algo mais?
– Talvez saiba, ó símbolo telúrico, pois sua vigília vem de um tempo mais recente.
– Diz-me, então, ilustre madeirame, tu que conheces cada passo dos habitantes desta margem. – O que houve, o que está havendo?
– Ouvi o teu chamado, sólido vizinho. Pensei que havia chegado a primavera, pois adere nos meus pés de aquariquara a profusão desse perfume encantador.
– O que sabes, então, ó caminho para o Rio?

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Sei o que os barcos me falaram. Eu também vi o que o Rio testemunhou.
– Fala-me, por favor. Não quero mais esta angústia explodindo no meu peito.- Oh, sublime Marco da Conquista Lusitana, é triste a sina dos homens desta terra. Barcos, velas, velhas vigilengas andam a esmo, como em busca do abstrato. Dizem que quebraram os estaleiros e os portos se fecharam para sempre.
– Oh, não! O que haveria de causar todo esse encanto? Ó Sol, ó Sol, só tu poderás me responder. Diz-me agora Rei dos Astros, não te fecha em nuvens de ameaça.

Foto: Manoel Raimundo Fonseca

– Fecho-me de tristeza, ó Fortaleza. A rosa que desabrochou pela manhã noticiou-me em prantos.
– Finalmente, Finalmente! Finalmente alguém sabe a causa da fragrância vinda do fundo da terra, do cheiro bom que se prolonga nos estirões do Rio e infesta o ar. – Conta-me, ó Sol, o que aconteceu?

Foto: arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

– Ocorreu na madrugada alcoolada o ternural fim do “Homem do Cais”.

(*) Texto escrito em 1989 e publicado no livro Introdução à Literatura do Pará, Volume V – Antologia. Organizado pela Academia Paraense de Letras pelos acadêmicos José Ildone, Clóvis Meira e Acyr Castro. Editora Cejup, Belém, 1995.