Crônica de Telma Miranda
A maioria das pessoas, e durante muito tempo eu me incluí nisso, na vida adulta, se deixa engolir pela rotina, compromissos, boletos, problemas, trabalho, ambições e segue como se os dias fizessem parte de uma grande gincana onde cada minuto é vital para cumprir as tarefas e chegar.
Mas aí quando paramos e nos questionamos: “chegar onde?”, surgem as crises existenciais aos que se permitem. Outros sequer param, pois a urgência e importância dos afazeres estão em lugar privilegiado no ranking de prioridades, pouco sobrando para pensar em si mesmo.
Uma vez participei de um evento onde a palestrante contava sua experiência com crianças de comunidades carentes no sertão, que em seu projeto recebiam a oportunidade de participar de aulas de reforço na alfabetização, teatro, pintura, desenho, música, com o objetivo de fortalecer o lado lúdico e alimentar o sonho dos pequeninos que ali residiam, já tão maltratados pela seca, ausência de energia elétrica, água encanada e outras dificuldades que somos sabedores.
Ocorre que em seu relato, o que mais me chamou atenção foi quando ela falou que em um momento de intervalo, quando todos estavam lanchando, perguntou aos infantes quais eram os sonhos deles e as respostas foram das mais variadas: alguns sonhavam em tomar banho de chuveiro, estudar em escola melhor, ter um sapato, tomar uma Coca-Cola sem dividir com ninguém, e pasmem!, a grande maioria, crianças entre sete e nove anos, afirmou não ter sonho algum.
E eu, na plateia da palestra, tocada pelas respostas que para mim são atividades rotineiras, passei a me perguntar qual era o meu sonho, e depois de muito pensar cheguei a triste conclusão de que minha vida estava tão triste e automática que eu sequer me permitia sonhar.
Se por um lado me sentia privilegiada por ter acesso a maioria dos “sonhos” elencados sem qualquer dificuldade, por outro me senti miserável por não ter um sonho, e isso me incomodou, gerando uma mudança de comportamento que me trouxe grandes benefícios pessoais.
Decidi a partir daquele momento, que seria mais generosa e amorosa comigo mesma. Que me permitiria o ócio, eu que sempre fui uma máquina de trabalhar, sem dia ou hora, e tal ócio me permitiu grandes descobertas. Passei a viver o momento, sentir os cheiros, gostos, sensações e um tomar um banho, ler um livro, gargalhar com os meus, tomar um sorvete, passaram a ser experiências muito mais deliciosas.
Não quero de forma alguma instigar ninguém a achar sua vida ruim, pelo contrário, mas justamente achar a beleza que se esconde todos os dias de olhos ocupados e distraídos. Encontrar satisfação, realização, relevância e sentido. Encontrei meus sonhos justamente aí: nos detalhes e na simplicidade. E hoje posso dizer que os tenho, os vivo diariamente e estou aberta e ter cada vez mais novos sonhos. Experimenta aí! Vale muito.
Telma Miranda
* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.