Sonhar vivendo – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

A maioria das pessoas, e durante muito tempo eu me incluí nisso, na vida adulta, se deixa engolir pela rotina, compromissos, boletos, problemas, trabalho, ambições e segue como se os dias fizessem parte de uma grande gincana onde cada minuto é vital para cumprir as tarefas e chegar.

Mas aí quando paramos e nos questionamos: “chegar onde?”, surgem as crises existenciais aos que se permitem. Outros sequer param, pois a urgência e importância dos afazeres estão em lugar privilegiado no ranking de prioridades, pouco sobrando para pensar em si mesmo.

Uma vez participei de um evento onde a palestrante contava sua experiência com crianças de comunidades carentes no sertão, que em seu projeto recebiam a oportunidade de participar de aulas de reforço na alfabetização, teatro, pintura, desenho, música, com o objetivo de fortalecer o lado lúdico e alimentar o sonho dos pequeninos que ali residiam, já tão maltratados pela seca, ausência de energia elétrica, água encanada e outras dificuldades que somos sabedores.

Ocorre que em seu relato, o que mais me chamou atenção foi quando ela falou que em um momento de intervalo, quando todos estavam lanchando, perguntou aos infantes quais eram os sonhos deles e as respostas foram das mais variadas: alguns sonhavam em tomar banho de chuveiro, estudar em escola melhor, ter um sapato, tomar uma Coca-Cola sem dividir com ninguém, e pasmem!, a grande maioria, crianças entre sete e nove anos, afirmou não ter sonho algum.

E eu, na plateia da palestra, tocada pelas respostas que para mim são atividades rotineiras, passei a me perguntar qual era o meu sonho, e depois de muito pensar cheguei a triste conclusão de que minha vida estava tão triste e automática que eu sequer me permitia sonhar.

Se por um lado me sentia privilegiada por ter acesso a maioria dos “sonhos” elencados sem qualquer dificuldade, por outro me senti miserável por não ter um sonho, e isso me incomodou, gerando uma mudança de comportamento que me trouxe grandes benefícios pessoais.

Decidi a partir daquele momento, que seria mais generosa e amorosa comigo mesma. Que me permitiria o ócio, eu que sempre fui uma máquina de trabalhar, sem dia ou hora, e tal ócio me permitiu grandes descobertas. Passei a viver o momento, sentir os cheiros, gostos, sensações e um tomar um banho, ler um livro, gargalhar com os meus, tomar um sorvete, passaram a ser experiências muito mais deliciosas.

Não quero de forma alguma instigar ninguém a achar sua vida ruim, pelo contrário, mas justamente achar a beleza que se esconde todos os dias de olhos ocupados e distraídos. Encontrar satisfação, realização, relevância e sentido. Encontrei meus sonhos justamente aí: nos detalhes e na simplicidade. E hoje posso dizer que os tenho, os vivo diariamente e estou aberta e ter cada vez mais novos sonhos. Experimenta aí! Vale muito.

Telma Miranda

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

 

Sinto falta!! – Crônica de Elton Tavares

Arte: Hellen Cortezolli (sinto falta também de ter esse rosto da foto)

Quem me lê, sabe: sou um incorrigível nostálgico.

Pior (ou melhor, depende do ponto de vista), quando começo a devanear sobre as coisas que me fazem falta, saudades de pessoas, situações e épocas, aí a “emoção se conecta ao pensamento e ao sentimento” (como diria Vinicius de Moraes). É quando discorro sobre grandes e pequenas carências do cotidiano.

Sinto falta do meu pai, a maior falta da minha vida. Do meu irmão que mora em Belém (PA), que me brinda de tempos em tempos com sua presença. Sinto falta de conviver com minha sobrinha linda, de apenas sete anos de vida.

Sinto falta dos velhos amigos, os que me distanciei por conta de pedras em minhas mãos e dos que não tenho contato hoje em dia por conta dos afazeres da vida.

Sinto falta do cotidiano frenético de redações. Sinto falta de poder comer porcaria sem receio de ficar maior do que estou ou de afetar minha saúde. Sinto falta dos tempos que bebia muito e não tinha ressaca e de quando eu podia beber. Sinto falta dos meus velhos vinis, fitas cassetes e CD’s de Rock, pois agora só tenho arquivos em MP3.

Sinto falta de tremer ao entregar um boletim de notas escolares. Sinto falta de promover festas de rock e de viajar com frequência.

Sinto falta do tempo que era mais bonito (ou menos feio), mais ingênuo, mais empolgado, menos duro, desconfiado e cético em relação ao mundo (e quase todos que nele vivem).

Sinto falta de passar horas jogando videogame e falando merda. Também sinto falta de uma boa briga. Sim, sinto saudade da infância, da adolescência e dos 20 e poucos anos.

Sinto falta da velha rapaziada, do mau comportamento e das más companhias (risos). Sinto falta de escrever algo realmente bom, pois a correria tira totalmente a minha inspiração. Sinto falta do passado, não todo, somente da parte feliz e de tudo que ficou lá.

Sinto falta mesmo é de não ter ficado mais tempo com algumas das fantásticas mulheres que passaram pela minha vida. E sinto uma falta absurda da minha avó, assim como todos os outroas meus que viraram saudades. Essas ausências me fazem muita falta. E como fazem!

Disse uma vez o sábio Drummond:  “Sentimos saudade de certos momentos da nossa vida e de certos momentos de pessoas que passaram por ela”. É isso!

Elton Tavares

Só vale se for intenso (e completo!) – Por Telma Miranda – @telmamiranda

Imagem encontrada no site “Olhe os Muros”, no endereço: https://olheosmuros.com.br

Leminski já falava que devemos deixar de lero lero, pois não existe sexo sem amor se todo tesão é sincero e essa é uma discussão que há tempos divide as pessoas.

Até concordo com Leminski sob certos aspectos, mas claro que falo por mim, pois para que eu chegue às vias de fato, o processo normal é gradativo, de conhecimento, diálogo, envolvimento, confiança, mas quando se chega é a perfeição.

Quando se tem química, claro, pois não adianta todo envolvimento e afinidade intelectual se a carne não pegar fogo, se não der choque quando a pele encosta e se as borboletas no estômago não deixarem sem ar, leve e certa do que se quer.

Não vamos negar a existência dos casos do tesão isolado, do instinto puro de simples satisfação que é até bom, mas não completa. Lembrando que me refiro ao meu sentir, leitores que não concordem com a premissa. Em uma simples visão seria mais ou menos reconhecer que satisfazer o corpo e a carne é bom, sim, como negar!? Mas satisfazer a carne, o corpo e a mente?! Isso SIM é a plenitude.

Intercalar sexo com uma boa conversa, ver um filme abraçadinho, discutir o cenário político, transar de novo, falar sobre tudo sem ter que procurar palavras, simplesmente ser, estar e fazer. Por isso o processo é lindo, pois quando tudo isso acontece comigo (e acredito que com qualquer pessoa!), a conexão mental, somada a reação química da junção dos corpos torna qualquer encontro o melhor de todos.

Não existiu ninguém antes e nem existirá depois que te complete tanto, que te satisfaça tanto, que te alimente e hidrate corpo e alma com tanto sucesso.

Sentir tudo isso é ganhar na loteria num mundo tão líquido, de pessoas tão rasas, que na maioria estão mais preocupadas com quantidade ao invés de qualidade, mas se vc conseguiu firmar vínculo com alguém e sentir algo pelo menos parecido com o que descrevi, saiba que você é um privilegiado, pois você, como eu, SENTE! E sentir hoje é raro, não importa o formato ou nomenclatura, desde que nos faça felizes.

Mesmo que o preço do sentir muito seja depois sentir falta, viva a sua experiência da forma mais plena que puder, pois mesmo quando você estiver com saudade, ou quando chorar no seu travesseiro pelo pé na bunda, lembremos e fiquemos com o que sentimos, com o que essa experiência nos fez melhor e crescer e com a consciência de que tudo realmente passa, seja bom ou ruim, mas já que é para passar, que seja vivido da melhor forma. Sem arrependimentos. Viver é isso.

Telma Miranda

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Nunca fui…(uma crônica megalomaníaca de Elton Tavares)

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica megalomaníaca de Elton Tavares

Nunca fui sonhador de só esperar algo acontecer. Sou de fazer acontecer. Não sou e nunca serei um anjo. Não procuro confusão, mas não corro dela, nunca!

Nunca fui de pedir autorização pra nada, nem pra família, nem para amigos. No máximo para chefes, mas só na vida profissional.

Nunca fui estudioso, mas me dei melhor que muitos “super safos” que conheci no colégio. Nunca fui prego, talvez um pouco besta na adolescência.

Nunca fui safado, cagueta ou traíra, mesmo que alguns se esforcem em me pintar com essas cores.

Nunca fui metido a merda, boçal ou elitista, só não gosto de música ruim, pessoas idiotas (sejam elas pobres ou ricas) e reuniões com falsa brodagem.

Nunca fui “pegador”, nem quis. É verdade que tive vários relacionamentos, mas cada um a seu tempo. Nunca fui puxa-saco ou efusivo, somente defendi os trampos por onde passei, com o devido respeito para com colegas e superiores.

Nunca fui exemplo. Também nunca quis ser. Nunca fui sonso, falso ou hipócrita, quem me conhece sabe.

Nunca fui calmo, tranquilo ou sereno. Só que também nunca fui covarde, injusto ou traiçoeiro.

Nunca fui só mais um. Sempre marquei presença e, muitas vezes, fiz a diferença. A verdade é que nunca fui convencional, daqueles que fazem sentido. E quer saber, gosto e me orgulho disso. E quem convive comigo sabe disso.

Elton Tavares

Sou assim por causa do meu avô – Por Telma Miranda – @telmamiranda

Telma e sua filha Laís, com Seu Miranda, na Foz do Mazagão (AP), na casa de Dalva, mãe dela e filha do ilustre personagem deste texto. Foto: Arquivo familiar.

Todos que tivemos a feliz experiência de conviver com nossos avós e com absoluta certeza guardamos lembranças. Eu tive a felicidade de conhecer meus quatro avós, paternos e maternos, mas o amor da minha vida é o Seu Miranda.

Seu Miranda nasceu Sebastião Miranda, forte, curto e prático até no nome. Meu avô materno, pai da Dalva, um homem rústico e sábio, que ama abraçar filhos e netos, gargalhar, dançar agarrado dando pulinhos e levantando um dos pés e dizer para as netas que elas são lindas e maravilhosas, além, claro, de ensinar todo tipo de saliência pros netos.

Meu avô, apesar de ser um homem pequeno em estatura, possui uma alma enorme. Cabelos branquinhos e cortados bem curtos, desde sempre, cheiroso, vaidoso, alegre e colorido, sempre me foi a personificação do amor, colo e proteção.

Não quero dizer com isso que é perfeito, pois realmente não é. Como qualquer humano, tem suas fraquezas, e a dele, que nunca fumou, bebeu ou tolerou qualquer tipo de jogo, sempre foi mulher. Mas isso não tira meu encanto, amor ou respeito por ele, pelo contrário! Rende histórias hilárias, gargalhadas e grandes lições.

Um exemplo de quem é o meu avô foi quando eu engravidei adolescente, 17 anos, terminando o ensino médio, o pesadelo da minha mãe, que ligou pra ele, morador do município de Ferreira Gomes à época, para contar pessoalmente uma grande desgraça, segundo ela. Chegando lá meu avô preocupado pergunta que grande desgraça era essa e ela responde:

⁃ A Telma tá grávida!
⁃ Mas isso é uma felicidade, minha filha! Sinal que ela gosta de macho, e gosta de f$&@! Desgraça seria se o Thiago tivesse dando o rabo! – responde meu avô com grande tranquilidade, se referindo ao meu irmão em tempos nada politicamente corretos, me abraçando e desarmando minha mãe, que voltou pra casa com outro espírito depois da visita.

Pois essa figura é o meu avô!

Poderia contar inúmeras histórias dele, citar frases como “puta só, ladrão só!”, “o melhor estado civil é a felicidade”, “todo mundo quer ir pro céu, mas ninguém quer morrer”, etc. Ele é material pra uma série de inúmeras temporadas, mas o objetivo aqui é tentar externar pelo menos um pouco desse amor enorme que sinto por ele e explicar porque ele é a causa de eu ser assim.

Ele nunca fumou, só o tabacão carinhosamente chamado de “porronca” e não suportava bebida alcoólica, como eu. Ele diz que eu e ele já nascemos doidos e que não precisamos de desculpa pra aprontar. É verdade!

Outro traço em comum é a praticidade e leveza com que ele sempre administra as piores crises. Uma herança que faço muito uso. Ele me chama de “água de Maria”, uma alusão ao banho-maria, se referindo ao fato de eu sempre tentar compor, dialogar, negociar, sem embate. E soltando aqui e ali uma piada, uma graça, falando uma bobagem pra quebrar o gelo e pra lembrar que as cargas existem, mas precisamos ser leves.

Meu avô é e será sempre o amor da minha vida. Pega no meu pé, mas me diz que sou linda, maravilhosa, cheirosa e gostosa, sempre elevando minha autoestima e alimentando minha alma. Aprendi com o Seu Miranda que amar é falar, fazer e sentir. E esse homem que pescava e caçava, que pintou o barco antes chamado de São José de preto e rebatizou de Diabo pra ninguém mais pedir emprestado e devolver quebrado, aprendi a ser intensa, direta, verdadeira e conhecer meu tamanho e meu valor.

Gratidão, meu amor, e mesmo com esse ano inteiro sem mais te ter no plano terrestre, não há um dia que eu não me lembre, cite ou sinta você em mim. Gratidão por tudo, AVÔ da minha vida, amor da minha vida.

Telma Miranda

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Poema de agora: A imprecisão das horas – Rafael Masim

A imprecisão das horas

São agora 19 horas
e o relógio atrás da porta
marca 11.

na sala do apartamento,
as janelas fechadas
me impedem de olhar o tempo lá fora.
e o relógio desajustado
me dá a impressão de um tempo
que não é o verdadeiro.

ouço grilos e outros insetos
que ajudam a definir
a escuridão que certamente
se faz neste instante lá fora.

nossa vaga percepção do tempo
é ditada frequentemente por um objeto circular
e seus ponteiros preguiçosos
dependentes da energia de uma pilha.

a invalidez temporária
dos ponteiros deste relógio a minha frente,
me faz imaginar Cronos
sendo impedido de devorar o tempo
de forma linear e cronológica.

a confusão do tempo,
a ilusão das horas,
a brevidade da vida
e o relógio agora inútil
fazem pensar na repetição dos nossos dias,
muitas vezes vagos.

como os ponteiros do relógio
andamos em círculo
dia após dia.
semana após semana.
meses e anos.

nossa vida é um tic tac quase eterno.
finita e incerta.
impossível definir nosso tempo aqui na terra.

então
penso em Kairós
e percebo a necessidade
de aproveitar o tempo
da melhor forma possível.

neste instante
enquanto escrevo,
os ponteiros deslocam-se
com dificuldade
em posições pré definidas
e passageiras.

nós,
por outro lado,
mudamos de posição
quase que constantemente.

nosso tempo, mesmo que incerto,
talvez seja o mesmo
dos ponteiros do relógio.

nossa localização e destino final
é que são imprecisos.

Rafael Masim

Poema de agora: Recompensa – Pat Andrade

RECOMPENSA

o dia seguinte
se pendura no ponteiro
como se fosse
se atirar do precipício

de dentro do quarto
ouço o outono
chegando
silenciosamente

o sol desaba no poente
no mesmo instante
em que a cigana
lê a minha mão

para ver estrelas
subo as escadas
como se fossem
montanhas

antes da alvorada
alguém me tira
pra dançar pelas galáxias
desleixada
perco as sandálias
no espaço

minha recompensa
é perceber que toda a poesia
foi feita pra bordar
de alegria e amor
os meus dias tristes

Pat Andrade

Futebol e Emoções – Crônica de Marcelo Guido

Crônica de Marcelo Guido

O maior e mais verdadeiro catalisador de emoções é o futebol. Incrível como o poder do solo gramado, restrito a quatro linhas, dividido ao meio, consegue exercer sobre os meros mortais como nós.

A pelota gira, passa por pés, singra por caminhos inimagináveis construídos por sonhos e inspirações, ela morre dentro das redes e transforma-se em memórias.

Quantas histórias de amor, ódio,  desespero, alegria são construídas em estádios? Quantas figuras vão de heróis a vilões em minutos ? O quanto é enriquecedor para brio humano.

A cada ano, a cada rodada, a cada quarta feira ou qualquer feira inimaginável noção de escolha para cada fim de semana.

Cada taça levantada, cada ponto perdido, um sorriso ou lágrimas , tudo tem dois lados. São iguais unificados pelo mesmo sentido, sentimento. Oposto que se atrai e se trai.

Não importa a agremiação que se torça, ou que se rogue a praga com força. Os torcedores são iguais.

A torcida é  um misto de emoções, confusões e fé . Todos iguais na paixão, amor e lembrança. A cada ano heróis são construídos com lembranças, fé  se renova sempre e a certeza que o melhor está sempre por vir.

Eu só posso ter pena de quem ainda diz que o futebol é só um jogo.

*Marcelo Guido é jornalista, pai do Bento e da Lanna, além de maridão da Bia.

Poesia de agora: Tinturas e Texturas – Lara Utzig – (@cantigadeninar)

 

Tinturas e Texturas

Conheci no meio do caos
as madeixas da cor do sol
que afastaram espíritos maus
e todo o agouro da volta do anzol.
Vi em meio à biblioteca
as mesmas madeixas solitárias
e hoje minha sorte não seca:
ocupa mil hectares e áreas.
As madeixas agora são acobreadas
e as vejo sempre espalhadas pela minha memória
como se cada fio fosse uma linha deixada
para manter-me ebriamente sóbria.
Ela possui todas as cores
e nos olhos uma imensidão
que afasta todas as dores
e se infinita em meu coração.

Lara Utzig

Poesia de agora: A Maiakovski. Poeta Russo – Luiz Jorge Ferreira

A Maiakovski. Poeta Russo

Um dia eles nem chegam!
Já estão escondidos nas sombras que nos acompanham, por todos os lugares.
E nós não vimos, nem sentimos seus cheiros podres, nem sentimos suas mãos nos pescoços.

Simplesmente porque ainda fazem isto só com os outros.

Certo dia em que estamos comprando ovos da Páscoa.
Eles entregam armas aos moleques sem cor dos aglomerados.
Mas com medo neste momento levantamos do sofá, e desligamos a Televisão para não saber mais disto.

Uma noite eleito por nós mesmos, eles se reúnem, e criam facilidades para o domínio.
Empilham placas na rua,
para que indefesos andemos a mercê dos sádicos.

Criam leis para retirar nossas armas, e facilitam a liberdade dos ladrões, e assassinos.

Mas como o domínio ainda nos permite ir a praia – Não protestamos.

Certo dia acordamos com eles em nossas casas, em nossas mesas, em nossas camas, em nossas almas.

Nesse dia, sentiremos seus cheiros podres, seus dentes podres, seus gestos bruscos, e seus torniquetes no pescoços.

Seremos proibidos de ir a praia, caminhar sob o sol, e inocentemente tomar sorvete.

Ansiosos vamos procurar reunir todos para criar uma saída.

Mas então! – Todos serão ninguém, e eternamente!
Será muito tarde.

Luiz Jorge Ferreira

 

* Do livro Tybum.

Poema de agora: “Meu louvor” – Ricardo Iraguany

Meu louvor

Quem não tem argumento
Usa grito, arma, teleguiamento
Não trás a poesia na alma
Se canta
É por puro convencimento
Mas a roda
De tambor
Tem que saber
Improvisar verso ladrão
Improvisar, satirizar, elogiar
Contar histórias
Contar o seu louvor pro senhor
Meu louvor vou contar
Pro senhor, meu louvor.

Ricardo Iraguany

Poesia de agora: ZEPELINS IMAGINÁRIOS – (Marven Junius Franklin)

Arte de Vladimir Petkovic

ZEPELINS IMAGINÁRIOS

I

O meu sonho?
Ah! Ele segue o trilho
de coloridos zepelins imaginários
que zanzam capengas rumo ao fim do mundo

(ele é embarcadiço
em naus portuguesas
que navegam desnorteadas
em busca de aleatórias índias acidentais)

II

O meu sonho?
Ah! Ele espreita
janelas adormecidas
a tatear ilusões em covas-rasas de anfibologias

(ele é delicado
como frágeis lepidópteros
a esvoaçar em meu quintal de sombras)

III

Ah, o meu sonho?
É rio que corre aperiódico
sobre enfadonhos mares fenecidos

(engole vidas e anseios
aparta alfobres de girassóis
e cobreja em calvários e vales da morte
até soçobrar entorpecido
na plataforma de embarque
de minhas incertezas)

Marven Junius Franklin

Poema de agora: “Pandemônios” – Ricardo Iraguany

Tela “A queda dos rebeldes”, de Peter Bruegel, o velho – 1562

“Pandemônios”

O silêncio estrondoso dos fogos de artifício
Anunciava o verso assilábico do poeta
A vida sumindo das cidades, das esquinas
Os sonhos enclausurados nos porões do destino
Cadê João, cadê Maria
Lá se foi o Blanc
Nessa fila de partida
Como outras almas
Parceiros , parentes e outras flores da vida
Nessa enchente de apagões
Onde o céu berrava na madruga fria
Dilacerando sorrateiramente
Como um ínfimo monstro feroz
Cada alma, cada cria
Que se escondiam atrás das máscaras
E não eram pierrot, nem Colombina
Eram só números dissecados
Aos olhos de um Planalto atônito, entorpecido
Nas teias sórdidas de um crápula
E sua horda de pandemônios.

Ricardo Iraguany

Pat Andrade e a literatura durante a pandemia: poesias que encantam o público

A discussão sobre a importância que a arte exerce em momentos de crise cresceu significativamente durante o período de isolamento social. Apesar disso, pouco se fala sobre a escassez de espaços que os artistas possuem para expor seus trabalhos. Alguns tiveram que se adaptar a esse novo período e adequar suas produções ao contexto atual em que vivemos — e a internet é o meio que a classe encontrou para fazer essa divulgação artística.

Essa também foi a maneira que Patrícia Andrade Vieira, ou somente Pat Andrade, encontrou para difundir seus poemas com o restante da comunidade. Pat é artista plástica e escritora. Aos 50 anos de idade, Andrade se autodenomina como uma artista sobrevivente, que encontrou nas redes sociais uma maneira de compartilhar as suas poesias autorais.

Pat Andrade é artista plástica e escritora. Foto/Imagem: Pat Andrade.

Escritora desde os 15 anos, a artista já coleciona mais de 30 livrinhos lançados, com poesias que falam sobre sentimentos e fatos do cotidiano. Seu primeiro trabalho foi realizado em 2001, em uma intervenção cultural do Grupo Urucum, do qual faz parte até hoje — algumas caixinhas de fósforo recheadas de poesia.

Segundo Pat, a literatura passou a ser importante em sua vida ainda na adolescência: “Aos 15 anos ganhei um diário com poemas do Vinícius de Morais, e ali passei a registrar minhas primeiras linhas poéticas. Era uma coisa de adolescente; muitas coisas eu descartei por achar tolas; outras vieram comigo, para a poesia que trago em mim. Hoje a poesia me move, me ampara, me guia, me dá voz para falar do que me oprime, daquilo que me angustia, daquilo que me faz feliz”, comenta.

Escritora desde os 15 anos, Pat já coleciona mais de 30 livrinhos lançados. Foto/Imagem: Pat Andrade.

Sobre o processo de escrita, a escritora conta que nunca escolhe um tema para escrever. “Creio que a poesia escolhe o momento de se apresentar a mim. E pode vir a qualquer hora, em qualquer lugar”, relata.

O período de quarentena também refletiu na escrita da artista, que teve de trocar as ruas da cidade pelo mundo virtual e passou a compartilhar pequenos livros de poesia em suas redes sociais. “O início do isolamento foi terrível. Minha poesia colhe inspiração no cotidiano e nele se derrama; quando esse cotidiano se viu limitado, me assustei um pouco e minha poesia se recolheu também. Mas, por ser uma força viva e pulsante em mim, acabou funcionando também como válvula de escape”, conta Pat.

Segundo a artista, o seu maior incentivo é saber que suas poesias são apreciadas e consumidas como produto cultural. Isso a inspira a continuar escrevendo e compartilhando seu trabalho. “As pessoas compram meus livrinhos há pelo menos 14 anos. Esse é um grande incentivo para seguir escrevendo. Conheci um rapaz que tatuou um poema meu na própria pele. Isso é um incentivo e tanto”, conta Pat.

Pat compartilha seu trabalho no facebook e possui livros publicados em formato pdf. Além disso, sua obra já foi alvo de estudos, sendo discutida e estudada em algumas instituições públicas e privadas. Seu último lançamento, Sobre Vivência, é o seu sexto livro publicado durante a pandemia e aborda temas do cotidiano, marca registrada da escritora.

Confira alguns poemas escritos pela artista:

MUITAS EM MIM

minha linha
do horizonte
me divide,
me recorta,
me retalha.
não em duas,
mas em várias…
além dela,
sou menina,
sou mulher;
sou Anna
Karenina,
sou a Virgem
de Nazaré.
sou Matinta,
sou Iara;
sou floresta
e sou mata.
sou Maria Bonita
e Madre Teresa;
sou tempestade
e correnteza.

(Pat Andrade)

LUTA

a vida é uma guerra
é preciso lutar por tudo
pelo sim
pelo não
luto pelo amor
pelo vinho
e pelo pão
luto sem trégua
e se for preciso
quebro uma
ou outra regra

(Pat Andrade)

FÊNIX

sou fênix
em cada amanhecer
uso restos de cinzas
para pichar poemas
num muro imaginário
transformo em tinta
a fuligem que adeja no ar
apago as falsas cores
do pseudo-mundo
esfrego minhas verdades
na cara de quem
apenas me suporta
e continuo a arder
pelas madrugadas

(Pat Andrade)

Colaboração de texto: Izabele Pereira e Marcela Souza (Bolsistas de Extensão do Escritório Modelo/ Rádio e TV UNIFAP, 2021)