Poema de agora: A CHAMA – Ori Fonseca

 

Ilustração: Burning Man Festival.

A CHAMA

No mundo onde só havia eu mais tu,
O vírus não matava, o amor floria,
Ninguém sabia o que era homofobia,
Um arco-íris no céu de norte a sul.

Tudo era bicho e alma e andava nu,
O ódio não matava, o horror não ria,
Toda palavra emanava poesia,
Um mar azul lambendo a terra azul.

Mas eis que eu sinto um golpe, e, no segundo,
Toda a paisagem desapareceu,
Sinto meu corpo arder… tornar-se breu.

O corte na minha alma é mais profundo,
E agora o que mais quero é aquele mundo,
O mundo onde só havia tu mais eu.

Ori Fonseca

“delírios & subterfúgios”, o novo livro da poeta Pat Andrade, está disponível para aquisição em versão virtual. Compre e incentive a cultura local!

A poetisa, escritora e colaboradora deste site, que assina a seção “Caleidoscópio da Pat”, Pat Andrade, lança mais um livro virtual.

“delírios & subterfúgios” tem apenas 16 poemas. Todos autorais. A arte e diagramação do trabalho são também assinados pela Pat.

A intenção da poeta é arrecadar recursos financeiros nessa época de isolamento social, por conta da epidemia de coronavírus. Além, é claro, de divulgar sua poesia.

Há 21 anos em Macapá, a poetisa paraense escreve belos poemas, declama e edita ela mesma os seus livros. Em tempos normais, comercializa suas obras em eventos culturais, cafés, bares e restaurantes da capital amapaense, o que não é possível nestes tempos de Covid-19.

Sempre compro e recomendo o trabalho de Pat Andrade, de quem sou fã e tenho a honra de ser também amigo.

Eu já tenho o meu “delírios &subterfúgios”. Corre, fala com a Pat, e adquire o teu exemplar virtual. A cultura agradece.

Poema de agora:Escápula – Leo Coutinho (na voz de @manudosertao )

Escápula 

[escápula]

tinha um nome esse lugar que eu me inventava. es.cá.pu.la. lá eu te prometi nenhuma eternidade que escapasse da palma da mão. você não escutava. dizia que sim com a cabeça e eu via teus olhos brilhando em outros rostos que não o teu.

– não sou dado a permanências.

te ouvia dizer fazendo boca, voz, rosto e palavra de um desses personagens emplumados de livros moles. mas em seguida você sorria e era você.

não suportava teus silêncios. fosse só o da palavra vez ou outra ainda me colocaria de pé. era o de não dizer o que havia pra ser dito. ainda que a coisa e a dor e a clareza de um trovão te tropeçassem a língua, você não diria. os olhos baixos afundando no prato.

– tu nunca vai me olhar nos olhos? – como se ainda houvesse esperança.
– nunca é um tempo muito grande. – tua cabeça nem moveu pra dizer isso. cada palavra uma estocada em mim. tua escápula dançava muito nessa luz amarela que eu detestava.

tua ausência crua. minhas precariedades servidas quentes. o calço no pé da mesa me ajudando a sumir dali. minhas desimportâncias enormes caindo no chão. você deu de ombros. tua escápula falava. eu esquecia seu nome por dias.

lembrei… joão.

Leo Coutinho – Imagem e voz: Áquila Emanuelle.

Poesia de agora: Poema para o amigo – @alcinea (com foto da @carmomarcia)

Foto: Márcia do Carmo

Poema para o amigo

É possível que eu te conte
uma história de príncipes e fadas
que escutarás com o olhar perdido na infância.
Ou que te conte uma piada tão engraçada
que rolaremos de tanto rir.
Nossas gargalhadas contagiarão os passantes
e de repente todo mundo estará rindo
sem nem saber por que.

É possível
que eu faça um café com tapioca e te chame
pois café, tapioca e amigo tem tudo a ver.

É possível que eu chegue na tua casa sem avisar
só pra te ofertar uma rosa que acabara de nascer
e te oferecer um Johrei.

É possível que eu te ofereça uma música no rádio
ou te mande, pelo Correio,
uma carta numa folha de papel almaço.

É possível que eu te ligue
no meio da noite
no meio do dia
a qualquer hora
– mesmo na mais imprópria –
só pra dizer:
Amigo, eu amo você.

Alcinéa Cavalcante

Poema de agora: Sobre Amigos – Pat Andrade

Sobre Amigos

amigos são como as estrelas…
ainda que não estejam perto,
podemos ver seu brilho
iluminando caminhos na noite escura.

amigos são como a água
que mata a sede no deserto,
lava o pobre maltrapilho
deixando o sujo de alma pura.

amigos são como o sol
ainda que encoberto,
aquece pai, aquece filho
e enche corações de ternura.

amigos são o nosso bem
essenciais e necessários.
aquele que não os têm
jamais entenderá o que falo.

Pat Andrade

Poema de agora: A CAIXA – Ori Fonseca

Ilustração: Pandora. Óleo sobre tela, de John William Waterhouse, 1896.

A CAIXA

Eu te esperei, Maria, à exaustão,
O cuco ficou rouco e enlouqueceu,
Aquele quarto que era teu e meu
Viaja perdido noutra dimensão.

Sumiste, aproveitando a escuridão,
E desde então, mais nada amanheceu,
O galo se calou, o Sol morreu.
E a Terra se afogou na solidão.

Eu te esperei, Maria, noite afora
E te esqueci num sonho de revolta.
Que a corrente do tempo prende e solta.

Mas cá estou eu na caixa de Pandora:
Se a noite escura te levou embora,
Quem sabe o dia te trará de volta.

Ori Fonseca

Poema de agora: PELE IV. – Luiz Jorge Ferreira

PELE IV.

Sobre a mesa uma Natureza Morta de Paul Cézanne.
Um pouco atrás, uma janela feita de riscos de giz.
Ponteiros, relógios,
tic-tacs e pulsar de corações se encontram.
E se atrapalham no porão que o silêncio cria.

Para quê conservo em mim esta pele cheia de nódoas?
Para que guardo passos debaixo de passos,
como caranguejos abraçados a si mesmos,
achando estranho tudo isso?

Ponho dois copos sobre a mesa, um para que eu tome, outro para que Fernando Pessoa beba.

Mas nada há além da mesa, nada além da janela, mesmo que eu creia, que um imenso Universo, pulsa lá fora.

Nada se arrasta com o ‘apelido’ de tempo, afora meus pensamentos e minha sensação de Onipresença, como se eu fosse Cristo, Einstein, ou Lavosier, ou um dos Magos com as mãos, exalando… Incenso e Mirra.

Estou defronte da mesa, da Natureza Morta de Paul Cézanne, e de uma janela de riscos de giz.
Ela indiferente ao enigma que eu mesmo crio, estática olha o que faço.
Como crio a janela que de giz, existe apenas no meu imaginário.

De repente fecha suas duas partes do todo.
Não ouço mais o Universo, com seus trovões, raios, e sopros de ventos alucinados.

Agora só o silêncio da sala, enche todos os cantos.

Começo a retirar a pele.
Começo ao redor dos olhos.
Elas têm restos de olhares que caíram quando cansaram de mirar os horizontes.
Arranco os que estão mais pertos, e espalho os que estão mais longe.

Vejo que o copo parece ter sido bebido.
Fernando o bebeu, ou o tempo que detesto não poder deter, a tempo de poder retirar a pele, o secou.
Como a me avisar que não sou mais o mesmo,
que iniciou a dois minutos e quarenta e cinco segundos, esse ato de escrever.

Olho a Natureza Morta, parece que flora!
Olho a metade da minha pele …arrancada…
Como um tapete jogado, ao chão.

Quantos sinais vejo na região das costas, este pedaço, que nunca olhei.
Quantas marcas, quantos pelos, quantos anos carregando todos esses.

Tudo está embaralhado, e noto que todos os passos que
dei, estão amontoados sob a mesa, juntos com a pele do resto do corpo.

E não estou morto… imagino…
Mas…Como sei?

Luiz Jorge Ferreira

*Do livro de Poemas “Nunca mais vou sair de mim sem levar as Asas” – Rumo Editorial – São Paulo.

Poema de agora: DE QUE VIVE O POETA? – Pat Andrade

DE QUE VIVE O POETA?

O poeta vive de cisma
E da própria rima;
vive de dores
E alheios amores.
O poeta vive de frases feitas
E da vida nada perfeita;

vive de versos
e de outros universos…
O poeta vive de desespero
E do lamentável erro;
Vive do engano

E sem nenhum plano
O poeta vive de teimosia
E da própria poesia.

PAT ANDRADE

Poesia de agora: Poema do 55 – Luis Carlos Cardozo

Luis Carlos Cardozo

Poema do 55

I
Se eu fosse cronometrar
Tudo o que me aconteceu
Desde os tempos de criança
Até a idade que Deus deu
Diria que o que fiz menos
Foi andar com o pé no chão
São uns cinquenta anos de sonhos
E o resto de realização…

II
Trabalho desde os dez anos,
Não vim aqui reclamar.
Da cuba de picolé a enxada de capinar,
De cambista do jogo do bicho
aos móveis pra polir e montar,
Foi tudo um aprendizado
Até num concurso eu passar.

III
Estudar foi uma vida:
Desde as noites mal dormidas
E lamparina acesa pra ler.
Foi com essa lida sofrida
Que na faculdade da vida
Consegui crescer e vencer.
Mas já conto uns trinta anos
Que eu leio por prazer.

IV
Chorar, chorei uns dez anos
Menino choraminguento!
E choro até hoje em dia
De tristeza ou contentamento!
Mas sorrir, mostrar o dente
Foi de quarenta pra frente
Sorrio até em velório
Ou pensamento indecente…

V
Viajar é outra coisa
Que em anos posso contar
Quando não vou de transporte
Viajo só no pensar
Mas ao entrar no avião
No carro ou embarcação
Já começa a emoção:
Vou pra felicidade!
Vou tomar banho de rio!
Vou me salgar no mar!

VI
Amar, eu fui aprendendo
Até hoje não sei direito
O amor não traz uma bula
Não tem razão nem preconceito
Já vivi tempos amando
Mas depois do tempo passar
Vi que não era amor
E tive que descartar

VII
Mas se eu contabilizar
Amor por filho e parente
Por amigos, bichos e plantas
O sol, a lua e o mar
Amo desde que nasci!
Amo a Deus! (perdão! quase esqueci!)
E amor pra deitar na cama
Tô esperando de pijama!

VIII
Mas se no poema coubesse
Os anos que vivi em vão
Fazendo coisas não nobres
Para quem se diz cristão:
Eu calcularia por baixo
Um pouco mais de um milhão…
Graças a Deus que só conto
As coisas que contam ponto!
E se não é para o meu bem
Não conto o que não convém!
Pra esse humilde poeta
Cinquenta e cinco! Amém!

Luis Carlos Cardozo

* O poeta é servidor do Tribunal de Justiça do Amapá. A poesia foi uma contribuição da jornalista e poetisa Bernadeth Farias.

Poema de agora: Papo de Passarinho – Pat Andrade

Papo de Passarinho

era um lindo passarinho;
vinha sempre à janela
e cantava sem parar…
comprei-lhe uma enorme gaiola
e o convidei a entrar.

ele ficou tristonho
e desviou o olhar…

o que houve, passarinho?
não queres ter um lar?
terás sempre água, comida
e uma grande e bela casa!

me responde o passarinho:
nada é grande o suficiente
para quem nasceu com asas!

PAT ANDRADE

Poema de agora: Com gosto de gente – Bete Ramos

Com gosto de gente

Neste imenso país
Com jeito de paraíso
Vive uma gente que luta
Pra fazer a vida feliz

Arando a terra ardente
Ou enfrentando a geada
Gente que após a enchente
Recomeça a temporada

Gente do sul, gente do norte
Gente que ajuda a vencer a morte
Que mata a fome, alivia a dor,
Ajuda a gente a buscar a sorte

Gente que ora, gente que chora
Gente que tem fé em Nossa Senhora
Paga promessa, faz procissão
Pra ver a chuva cair no sertão

E na hora da colheita
A gente toda agradece
O sofrimento esquece
A fome desaparece

E toda a gente volta a sonhar
A ter esperança, a acreditar
E recomeçar…

E descobrimos contentes
Que o que dá gosto no Brasil
É mesmo a sua gente

Bete Ramos

Poema de agora: “Homo Reclusus” e o Medo da Morte – Rafael Masim

“Homo Reclusus” e o Medo da Morte

é no medo da morte
que reside a salvação da humanidade.

acuados feito coelhos,
permanecem os humanos
enclausurados
refletindo sobre a vida.

querem agora abraçar a todos,
amam a Deus sobre todas as coisas
e estão temporariamente preocupados
com o próximo.

“maldito vírus!”
xingam pela janela.
querendo sair a rua
e contemplar as coisas belas,
e até mesmo as inúteis.

sentem agora saudade da natureza.
apreciam o pôr do sol
e já nem reclamam tanto da chuva.

“Homo reclusus”
orando aos céus,
Zeus, Deus, Poseidon
e a quem mais puder lhes proteger.

como um cão
que faz um circulo antes de deitar,
caminham os homens pela casa,
como se a casa fosse agora um labirinto
do qual precisam encontrar a saída.

culinária, carpintaria, crochê.
regar as plantas, arrumar a casa.
tentativas de solução
para fugir do labirinto doméstico.

quisera Deus ter visto tudo isso
sem precisar da ajuda de um vírus.
talvez Ele esteja lá.
sorrindo agora,
imaginando que ainda há salvação
para esta humanidade.

talvez Ele planeje
lançar um vírus com mais frequência
para apaziguar o mundo
e proteger a natureza.

Rafael Masim

Programa “Conhecendo o Artista”: hoje Kássia Modesto entrevista a poeta Patrícia Andrade

Nesta quinta-feira (16), a partir das 20h, o programa “Conhecendo o Artista” retorna após uma semana de pausa, para o repouso da nossa apresentadora, Kassia Modesto. Hoje a entrevista será com a poeta e amiga Patrícia Andrade, para falar sobre suas obras e sobre a vida.

O programa que já está marcado na agenda de muitos como noites de lindos encontros artísticos está imperdível com a presença de Pat Andrade.

Sobre Pat Andrade

O trabalho da poeta Pat Andrade, se caracteriza pelo aspecto artesanal que ela mesma dá a cada livro. Todos os livros são feitos por ela; desde a concepção, ilustração, diagramação (usando a técnica de colagem), montagem e comercialização. Às vezes manuscritos, às vezes digitalizados.

Depois do livro pronto, ela mesma os vende em bares, restaurantes, escolas, universidades e eventos culturais – a venda ajuda na renda familiar.

A autora é colaboradora do Site De Rocha!; tem poemas publicados na coletânea Jaçanã – Poética Sobre as Águas e na revista virtual de circulação nacional Literalivre. Em 2018, realizou a exposição intitulada Poesia Ilustrada, na Biblioteca Estadual Elcy Lacerda, como parte da programação da Primavera de Museus daquele ano. A mesma exposição foi montada também na Universidade Estadual do Amapá – Ueap, a pedido do Colegiado de Letras da instituição.

Em 2019, compôs a Comissão Avaliadora da Olimpíada Brasileira de Língua Portuguesa na Escola Vó Olga – no município de Mazagão – a convite da Comissão organizadora da OLP no Estado do Amapá.

Hoje, Pat é acadêmica do curso de Letras na Ueap, e se considera uma militante da Literatura: independente de remuneração, visita instituições de ensino e frequentemente é convidada para rodas de conversa, mesas redondas e debates para contar de sua vivência. Também participa de eventos literários e culturais, os mais diversos, levando poesia aonde ela couber.

Alguns profissionais e estudantes da área de Letras têm estudos sobre suas obras, (concluídos ou em andamento). Sua poesia também tem sido discutida e estudada (em pequena escala) em instituições públicas de ensino, por iniciativa pessoal de alguns professores e alunos – na Unifap, no curso de Letras do Campus de Santana; em escolas de ensino médio, em Belém (PA) e em Macapá (AP).

Obras publicadas: fanzines (Poemas, que nada Vol. I e II, Nostalgia, Um quarto de poesia, Olhar 43, Noites sem fim, Sétima esquina, Estilhaços de agosto, Antes da primavera, Para além das flores, Onze poemas, o Próximo poema, Fragmentos, O amor anotado em bilhetes, Quando há poesia, Fantasias poéticas, Subverso, Uma noite me namora, Poesia de brincadeira, Poesia e só, Vidas baratas e Único – poemas escolhidos) e livros virtuais (Desde o início da pandemia, comercializa livros virtuais (Uma noite me namora – uma versão digital de um livro físico já publicado anteriormente, Em tempos de lonjura – ilustrado e ditado pelo iniciante Artur Andrigues e delírios&subterfúgios.

Delírios&subterfúgios é o novo livro virtual da poeta Pat Andrade. São 16 poemas autorais, com arte da própria autora.

A obra traz uma pequena amostra de sua produção em tempos de quarentena.

Com o objetivo de promover o seu sustento e divulgar poesia, o livro será comercializado pelas redes sociais e quem diz quanto quer pagar pela obra é a pessoa que pretende adquiri-la. Para contatos ligue ou mande mensagem pelo Whatsapp (91)99968-3341

A gente aguarda você, hoje às 20h no insta @srta.modesto na Live Programa Conhecendo o Artista.

Apresentadora: Kássia Modesto
Roteiro: Marcelo Luz
Produção: Wanderson Viana
Arte: Rafael Maciel
Artista Convidada: Pat Andrade

Poema de agora: Delonga – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Delonga

taciturno
o controle de Saturno
se põe sobre a gente
e eu que sempre fui paciente
percebo a pressa
emergência submersa
que se tatua
na pele
nos olhares
nas mensagens
na urgência de ser tua

nos desencontros do destino
[esse nosso adversário]
esbarrei em ti tantas vezes
e acenei para seguir caminho
em outro itinerário
mas permanecia sempre olhando pra trás
e para o que eu havia deixado
[um amor que nunca se liquefaz]

eis minha sina
mística fase:
os dias que nos separam agora
são esses intervalos do quase
que tecem junto com a aurora
o senão
que é a certeza
do teu sim

não mais tardo:
em breve
chegarás como uma prece
pois eu, que sou filha do Tempo,
te aguardo
como quem espera um milagre

Lara Utzig