Poema de agora: AMOR DE MARÉ – Pat Andrade

Arquipélago do Bailique – Foto: Max Renê

AMOR DE MARÉ

sinto soprar na pele
um vento leve
cheirando a rios e florestas

enquanto a canoa
desliza suave
na superfície da memória

me transporto
praquelas tardes
douradas do Bailique

Arquipélago do Bailique – Foto: Max Renê

atraco nesse porto
guiada pelo rastro de luz
que reflete sobre as águas

sou arrastada
pelas redes enfeitadas
de peixes e mururés

com meu olho preso
no dorso âmbar
de um caboclo tucuju

Arquipélago do Bailique – Foto: Max Renê

mergulho fundo
nesse amor manso
impregnado de marés

Pat Andrade

Poema de agora: PANDEMÔNIO – Ori Fonseca

PANDEMÔNIO

Quem já pensava o mundo todo acuado
Por quase um nada a nos fazer mais fracos
Não imagina em quanto descompasso
Pode um só monstro a nos deixar de lado.

O amor, o ódio, é tudo inacabado,
Pessoas somem como fossem rastros
Puro algarismo para quem os fatos
São só um destino atroz …. Determinado.

Tudo está escrito, Deus, pobre coitado,
Já não se importa com o fiel pacato.
Fecha seus olhos mil, nega seus braços.

Enquanto o monstro avança em passo largo
Cuspindo ódio e dor no pobre-diabo
Que, por má sorte, lhe cruzar os passos.

Ori Fonseca

*Soneto em decassílabo escrito com rimas toantes, ou seja, quando há conformidade apenas da vogal tônica, ou das vogais a partir da tônica. Para este poema, escolhi as vogais A e O, com a tônica recaindo sobre o A. Como exemplos de trabalhos que se valem dessa técnica há um poema belíssimo da Cecília Meireles, Romance LIII ou Das Palavras Aéreas, do Romanceiro da Inconfidência, e a letra da canção Oração ao Tempo, do Caetano Veloso (Ori Fonseca).

Programação on-line: com diversas atrações culturais, SECULT/AP inicia primeiro final de semana de apresentações do projeto “Ao Vivo Lá Em Casa”

Nesta quarta-feira (8), a Secretaria de Cultura do Amapá (Secult/AP) divulgou a grade de programação do primeiro final de semana do edital “Ao Vivo Lá Em Casa”, iniciativa que contempla diversas apresentações virtuais de artistas amapaenses. Nos próximos dias, serão 91 atrações transmitidas pelo (Facebook e Instagram) e plataformas streaming da Secult e dos profissionais da cultura do Estado. As primeiras apresentações ocorrem de sexta (10) a domingo (12), das 18h às 22h, com show do cantor Naldo Maranhão, Berço do Marabaixo da Favela e muito mais.

A programação definida pela Secult para esse primeiro final de semana, conta com 19 atrações, sendo de Lives e reproduções musicais, teatro de fantoches, capoeira, artes visuais, espetáculos teatrais, dança e festejos juninos, além de demonstrações técnicas sobre iluminação e captação de som, coreografias de hip-hop, discussão sobre a Lei de Emergência Cultural e história da dança capoeira.

Seguindo os critérios de isolamento social – recomendação dos órgãos de saúde para evitar a propagação do novo coronavírus – o projeto levará virtualmente para dentro das residências uma variedade de atrações culturais de artistas amapaenses. A seleção dos profissionais foi feita por meio de chamada pública, onde os proponentes comprovaram atuação continuada na área, o que atendeu técnicos e profissionais da cultura de diversos segmentos.

Por meio dessa iniciativa, a Secult oportuniza a geração de renda aos artistas locais nesse período de crise sanitária, profissionais que foram afetados pela impossibilidade de executarem suas atividades habituais. Ao mesmo tempo, a medida abre uma possibilidade de divulgação global das produções amapaenses, que podem quebrar as barreiras territoriais a partir da internet, chegando a outros estados e países.

É natural dos artistas reunir pessoas com a sua arte, que vem agregar e fortalecer vínculos. Infelizmente as circunstâncias impossibilitaram esses profissionais de estarem próximos de seus públicos, ganhando sua renda; então, como Secretaria de Cultura, precisamos atuar para que essas pessoas tenham a oportunidade de trabalho garantido. O Ao Vivo Lá em Casa vem para quebrar as distâncias e promover em esfera global nossos artistas, trazendo alegria para a população que está isolada cuidando de sua saúde”, declarou o secretário da pasta, Evandro Milhomen.

As atrações ocorrerão nos finais de semana. Acompanhe AQUI a programação completa e agende para não perder nenhuma. PROGRAMAÇÃO DESTE FINAL DE SEMANA.

Poema de agora: DILIGÊNCIA NOTURNA – Pat Andrade

DILIGÊNCIA NOTURNA

nas noites sem sono

tento tecer poemas
feitos de alvoradas
de mesas de bar
de palavras embriagadas
de madrugadas desfeitas

tento tecer poemas
de olhares distantes
de toques ausentes
de bocas sedentas
de amores imaginários

tento tecer poemas
de mãos quentes
de beijos doces
de leitos perfeitos
de finais felizes

tento tecer poemas

Pat Andrade

ADORADORES DO LIVRO IMPRESSO (*) – Crônica de Fernando Canto

 

Crônica de Fernando Canto

Desde o surgimento dos computadores pessoais que ouço falar no fim do livro impresso. E já se vão anos.

Cientistas falam de um mundo novo, de substituição de tecnologias, e apontam como exemplo a revolução sem igual na história que foi a invenção do livro impresso, por Gutenberg, pois antes disso só havia livros copiados, manuscritos que valiam fortunas. A revista Superinteressante do mês passado traz um artigo muito atual sobre o assunto, enfatizando esses aspectos inclusive com a informação de que a revolução citada acima já acabou há dez anos, “quando a internet começou a crescer para valer”, e que ela passaria uma borracha na história do papel impresso e começaria outra. Cita que “os 7 milhões de volumes que a Universidade de Cambridge mantém hoje nos 150 quilômetros de prateleiras de suas várias bibliotecas caberiam em quatro discos rígidos de 500 gigabytes. Só quatro. Sem falar que ninguém precisaria ir até Cambridge para ler os livros”.

Mas apesar disso tudo a internet não mudou muito a história dos livros. Permanece um mistério inexplicável. O livro não foi morto nem enterrado. A Super diz que o segundo negócio online que mais deu certo (depois do Google) é uma livraria, a Amazon. E informa também que o mercado de livros eletrônicos deslanchou nos E.U.A com vendas em torno de 350 milhões de dólares em 2009, sendo que em 2008 elas atingiram um patamar inferior a 150 milhões.

Concordo que ler um livro no computador é um negócio ruim, até mesmo insuportável, porque ler por horas numa tela é o mesmo que ficar olhando uma lâmpada acesa. Não há quem aguente. Porém já apareceu (há três anos) o primeiro livro realmente viável: o Kindle, da Amazon, que cabe 1.500 obras e só pesa 400 gramas. Tem tela monocromática e pequena. Ele não emite luz e a tela é feita de tinta, preta para as letras e branca para o fundo. No início deste ano apareceu o iPad, da Apple, que segundo a revista citada, “tudo o que o Kindle tem de péssimo este tem de ótimo: tela enorme, colorida, páginas que você vira com os dedos, sem botão como se estivesse com um livro normal, mas a tela é de LCD. Não dá para ler um romance inteiro nele”.

Agora dezenas de empresas estão trabalhando para unir o que os dois têm de melhor, até chegarem ao livro eletrônico perfeito. A Phillips, por exemplo desenvolve o protótipo Liquavista, com tela de tinta colorida e a Pixel Qi um com LCD sensível ao toque, mas que não emite luz, de acordo com a informação da Super.

Mas enquanto o “livro perfeito” não vem vou fazendo como os adoradores de livros impressos o fazem sem pestanejar: curtir meu afeto por eles. Quantas pessoas, apaixonadas ou não, já não guardaram dentro deles flores, folhas, cartas, bilhetes, e até mechas de cabelos que lhes trazem boas lembranças, de amores e de desilusões? Folheá-los pode significar o encontro com algumas cédulas de real guardadas por acaso para uma ocasião e esquecida sem querer. Arrumá-los na estante é um trabalho que nunca dá preguiça. Lê-los, sobretudo, é apreender e conhecer o legado da Humanidade. No livro eletrônico essas historinhas bobas de quem ama os livros não seriam possíveis.

Recentemente, ao receber meu livro “Adoradores do Sol” da editora que o confeccionou, confesso do prazer de senti-lo ao tocar sua capa e abrir suas páginas, de ver impresso um trabalho de anos, da satisfação de tê-lo nas mãos e de saber que iria compartilhar com meus queridos leitores as informações e opiniões que deixei escritas em um objeto vivo, que todos podem, como eu, acariciar e carregar nas mãos. Que venha o livro eletrônico. Tudo muda, mas o livro impresso ainda é o bicho.

(*) Texto escrito em abril de 2010 (portanto, desatualizado tecnicamente) e publicado no jornal A Gazeta. Mas, vale ressaltar que os shoppings estão, ainda, cheios de livrarias.

Poema de agora: PANO DE FUNDO – Luiz Jorge Ferreira

PANO DE FUNDO

A brisa entre asas vibrantes de pálidos Zangões…
Pergunta ao silêncio da foto.
Nos éramos muito pobres n’aquele Brasil.
O mormaço abraçado ao amarelo do Maracujá…
Diz em um sussurro perfumado…
Mas nem ligavam para isso… né?
Nenhum pouco.

…como um estilhaçado espelho…

Vejo na fotografia as casas de madeiras caindo aos pedaços.
Para mim eram edifícios de aço comidos por cupins amáveis.

Vi as telhas fraturadas sujas de passado, fraturadas, sedentas d’água, morenas de Sol.
Vi as casas de madeiras caindo sobre nossas magras sombras.
Nem minha sombra eu vi porque pequena e ínfima sumiu sob a sombra de um pé.
Os urubus pousados nos fios eram mais claros que a palidez pintada dos moleques parados fazendo pose para o retratista.
Que possivelmente era o Padre, o Padre da Confissão ajoelhada, que falava dos pecados, veniais e mortais, que descrevia os infernos, e os seus castigos mais terríveis, dos lamentos mais sofridos, até de ser criado sem pai, para um moleque esmirrado que olhava cabisbaixo para a sandália remendada com arame, a desenhar com lágrimas figuras no chão.
Doía.
Enquanto sobre seus olhos ardidos, os mosquitos se esbaldavam nas remelas.

O Padre da Confissão ajoelhada que para mim andava com Deus na garupa da moto, quando subia a Ernestino Borges com seu odor de tabaco.
Deus também fumava?

Na fotografia não há cheiro de suor, nem a pobreza fede, nem se ouve gemidos da fome, a querer comida.


Ouve-se a dor dos olhares.
Ali era o Mundo, espremido defronte da Sede Escoteira Veiga Cabral, onde todos os sonhos de nossa vida, também de chinelos remendados, de puídas camisetas, de existência espremida entre dias preguiçosos e noites suarentas, se expõem ao tempo sujo de saudade.

Estávamos ali… enormes pequenos dentro de si.
Olhando o Padre Italiano nos aproximar do infinito pregados em uma foto indivisível.
Todos olhavam o Padre, e pensavam gritar…
Espere Seu Padre…
Deixe Deus sair da sua Moto e ficar aqui conosco fazendo a mesma pose que a gente faz, olhando sem direção para o mesmo horizonte…
É de lá, que um dia viram dias melhores para as nossas tão desiludidas esperanças.
Espere um pouco… somente um instante em Paz.

Luiz Jorge Ferreira

*Criado a partir da visão da foto do Blog João Lázaro, dos Escoteiros defronte da Sede dos Escoteiros Veiga Cabral, no Laguinho. Dia 8.07.2020. Osasco – São Paulo.

Poema de agora: A CHUVA NÃO ATRAPALHA NOSSOS PLANOS – Rafael Masim

A CHUVA NÃO ATRAPALHA NOSSOS PLANOS

A chuva não atrapalha nossos planos.
Apenas reconfigura nossos dias
Reescreve algumas cenas da vida
Redimensiona o nosso tempo
Umedece nossos caminhos
E encharca nossas chegadas.

Desfaz o cotidiano
Reorganiza o itinerário
Desloca a outras passagens
Provoca acontecimentos fortuitos
E muitas vezes nos faz cair dando risadas.

Mas a chuva nunca atrapalha nossos planos…

Rafael Masim

Poema de agora: O DEVANEIO É O CETRO DO POETA – Paulo Tarso Barros

O DEVANEIO É O CETRO DO POETA

O devaneio é o cetro do poeta.
Flutua, voa, espairece e carece.
Submerge, ondula e flui.
Reina, plácido, entre os aromas
e os cânticos eternos dos poemas.
Mente, esbraveja subversões em lampejos
que mais parecem cometas siderais.

O devaneio é o cérebro incondicional
do poeta,
o coração, as tripas,
os pulmões extracorpóreos.
E o poeta, triste,
da cor só-limão,
caminha por entre as imaginações
e concebe um mundo antimundo:
nem matéria,
nem resultado do big-bang,
nem overdose ficcional,
nem síntese apocalíptica.

Com o cetro na mão,
imperador dos reinos metafísicos,
caçador de sensações,
flutua, enlanguesce, desnuda-se,
contradiz-se e sofre,
principalmente se a palavra não chega
e o silêncio triunfa.

Paulo Tarso Barros

Poema de agora: Cenário – Lara Utzig (@cantigadeninar)

Cenário

quero a Companhia das Letras
quero letras sem companhia

quero ausência de hierarquia
quero legitimação

quero blog
quero livro

quero virtual
quero físico

quero o marginal
deixando de ser periférico

quero zine
se tornando cânone

quero fanfic
na FLIP

quero sarau
quero bienal

quero autonomia
quero edital

quero independência
quero prêmio

quero o underground
ocupando o mainstream

quero slam
mobilizando multidões

quero um infinito leque
de batalhas de rap

quero escritora
ditando regras à editora

quero troca
quero mercado

quero saída
para essa aporia

utopia
sem degrau
múltiplos passos
em patamar igual
nos diversos espaços
do horizonte plural
que é a literatura

Lara Utzig

Poema de agora: Feliz Aniversário, Flávio Cavalcante, Amigo de fé. Irmão. Camarada! – ( do poeta Obdias Araújo para @PedraDeClariana)

“OB” e Flávio Cavalcante

Feliz Aniversário, Flávio Cavalcante, Amigo de fé. Irmão. Camarada!

Cinco de julho é o
septuagésimo
octogésimo dia do ano
no gregorianocalendário.

Flávio Cavalcante
Escolheu este dia
Para imprimir
Seus pedaleiros pés
Molhando de suor menino
O chão e o coração do Agreste.

Neste cinco de julho
Eu te saúdo Flávio
Agradecendo à Deusa
Do Poema que a mim
Mostrou o Azimute de teus
Companheiros passos!

Obdias Araújo

 

Flávio Cavalcante, a fotógrafa Márcia do Carmo, o jornalista Everlando Mathias e eu, em um encontro de trabalho em abril de 2019.

*Dou uma de “enxerido” e pego carona na homenagem do “OB” (como o Fernando Canto chama o Obdias Araújo e ele não gosta) para também desejar ao aniversariante, a quem considero um amigo, além de um de meus chefes, muita saúde, ainda mais sucesso e tudo que couber no seu conceito de felicidade.

Pai, filho, marido e irmão amoroso (gosto de ver suas manifestações para com a família nas redes sociais), escritor (poeta, cronista e contista) ciclista, fotógrafo e incentivador de esportes (também um de seus principais retratistas), Flávio Cavalcante é, sobretudo, um cara muito porreta e um homem de bem. A ele, todo amor que houver nesta vida! (Elton Tavares)

Poema de agora: Prelúdio para a Catedral – Luiz Jorge Ferreira

Prelúdio para a Catedral

Encontro com Fernando Canto, parece que foi Ontem esses dez anos.
Aumentamos o grau dos Óculos.
Estou ileso, chamuscado , teso e ‘liso’, porém pareço eterno.
Ele fala.Eu falo.Bebe-se.
O tempo adoece.


Conversamos então sobre a solidão pousada no prato de azeitona, temo que sejamos herdeiros da mesma angústia que fala de canoas.
Digo-lhe que amaremos a mãe de nossos filhos, ele acha que Cuba pode vir a produzir mamão Papaya.
Divagamos sobre o fim de Tróia, e a glória de estarmos embriagados.
Bebo Conhaque e lhe segredo que sempre amei Helena.
Ele refere-se as Sereias como Sardinhas.
Diz que Deus é brasileiro, acho que tudo começou com um Símio.
Conhece uma Marcha Turca que termina em palmas, canta e eu aplaudo ritmicamente.

Belém está afônica.
Ele imita Sancho, eu imito o Capitão Gancho e Brizola.
Um Padre passa para a Igreja, atiro nele um caroço de azeitona.
Fernando vê-me menino, eu o vejo imberbe, fazendo poemas para as meninas do Colégio.
Digo-lhe que amaremos os netos de nossos filhos.
Ele acha que postumamente.

Os poetas Fernando Canto e Luiz Jorge Ferreira, em algum lugar do passado.

Rimos a ‘bandeiras despregadas’.
Mais ou menos de pé, cantamos o hino, despidos como nascemos.
O dono do bar, nos xinga.
É Domingo, saímos do bar, para a Missa.

Luiz Jorge Ferreira

* Do Livro Thybum – Rumo Editorial – 2004 (Primeira Edição) – São Paulo.

Poema de agora: Sempre a Poesia (Ana Anspach e Patrícia Andrade)

Sempre a Poesia

as notícias sobre o vírus
chegam de todos os lados
o número de óbitos
supera os de cura
meu peito dói
pela dor do mundo

então descanso
olhos e ouvidos
ouço Lenine
leio Cecília
e releio Cora

meu coração pulsa
a poesia que há
bem no fundo de mim
no fim de tudo.

Ana Anspach & Patrícia Andrade

Poema de agora: O DELTA – Ori Fonseca

O DELTA

Dize-me, irmão, por que tens medo dela.
O teu fascínio louco, a tua procura,
O delta pra onde corres na loucura,
Sem nem saber se o mar se encontra nela.

O feromônio, irmão, está naquela
Que, muitas vezes, se em querer te atura;
Aquela que desprezas, a criatura
Que quebra as tuas colunas: ela, Ela!

Que sabes da vagina só de vista?
A vista é a única coisa que te anima?
O que de fato nela te aproxima?

Se achas que a mulher é uma conquista,
E que só parte dela é “terra à vista”,
Nasce de novo, o ponto é mais em cima.

Ori Fonseca