Antigamente era assim…(crônica de @rebeccabraga)

Crônica de Rebecca Braga

Há uns cinco anos, o telefone fixo lá de casa (residência dos meus pais) parou de funcionar. Meu irmão ligou na operadora e disseram que o problema era na fiação, depois disseram que só resolveriam pela matriz e que precisava criar um protocolo de atendimento, enfim, um monte daquelas desculpas que estamos acostumados a ouvir dessas cretinas operadoras de telefonia.

Como tomado por uma iluminação, meu irmão resolveu num dia qualquer, ligar para o nosso número. Vale dizer que essa linha está conosco há pelo menos 20 anos. Damos como contato no trabalho, na escola das crianças, naquela loja do crediário, como referências para os amigos, enfim. Ela nos é muito útil.

Acontece que a operadora havia vendido a linha, com o mesmo número de telefone pra outra pessoa. Meu irmão, já com aquela pose que todo advogado tem (ele é formado há pouco tempo) ameaçou processar e usou uns termos lá que eu não sei do que se trata, e enfim, umas duas semanas depois, resolveram o problema.

Nesse ínterim, desde que o telefone parou de funcionar, levando também a internet, já que se tratava de um serviço combo, até a operadora resolver o problema, eu senti falta do velho telefone fixo, pouquíssimo encontrado hoje nos lares brasileiros.

Quando precisava ligar pro rádio táxi, ou pra pizzaria, ou pro disque lanche, ou pra água, pro gás. E foi isso que me fez lembrar de quando não existiam celulares ainda.

No dia 31 de dezembro, um amigo que fazia aniversário escreveu numa rede social que é de um tempo em que ele sabia o número do telefone das pessoas que eram importantes pra ele, e que com o celular, essa virou uma tarefa impossível.

Eu também sou dessa época. Sabia o telefone da casa das minhas avós, dos meus tios, mesmo os que moravam em outras cidades, dos meus amigos de escola, dos colegas de farra. E hoje, vez por outra eu preciso olhar na minha agenda pra ver o número que tenho num chip de operadora que uso menos. Me sinto totalmente dependente do meu celular, e não sei dizer se isso é ruim. Pra não perder o fio da meada:

Eu lembro que quando eu era criança, os telefonemas eram todos para meus pais. Quando eu me tornei adolescente, as coisas mudaram. Os primeiros namoricos, as conversas intermináveis com as amigas de escola que eu via todo dia mas sempre tinha assunto pra conversar mais, os amigos de farra que ligavam pra marcar a hora e o lugar pra gente se encontrar pra viver as aventuras da noite, os amigos que moravam em outra cidade.

Ah, sobre esses, é importante dizer, sou do tempo que a gente esperava dar meia noite pra pagar um pulso só, e com isso, passar horas da madrugada matando a saudade e falando besteira.

O meu primeiro namorado, eu tinha 14 anos, me ligava todos os dias, no mesmo horário.

A maior parte do tempo a gente ficava calado, ou porque não sabia muito o que falar, ou porque tinha gente por perto e a gente não podia ficar falando aquelas bobagens pueris que a gente diz quando se apaixona pela primeira vez. Até bem pouco tempo atrás, o telefone dele era o mesmo, e ainda que nós tenhamos passado anos sem se ver, quando nos reencontramos e eu precisei falar com ele, não hesitei, liguei e do outro lado da linha ele atendeu. Foi como se um soco de nostalgia tivesse sido dado nos meus ouvidos e reacendido memórias guardadas há muito, junto com alguma saudade e um pouquinho de mágoa.

Certa vez, um amigo extrapolou na conta do telefone ligando pra os celulares dos amigos. A mãe o questionou, ele se saiu e ela armou uma cruzada contra a operadora por cobrar ligações que nunca foram feitas por eles. A operadora ligou pra os números que apareciam na conta mas, ainda que ninguém tivesse combinado nada, todo mundo disse não saber de quem se tratavam aquelas pessoas. Acho que essa conta nunca foi paga.

Uma amiga minha me ligou um dia pra me contar que um colega de turma dela estava apaixonado por mim. Eu pedi o número dele, ela me deu, eu liguei pra ele e do outro lado da linha o menino ficou em êxtase. Começamos a namorar alguns dias depois.

Claro que qualquer situação dessas podia acontecer pelo celular, mas eu sou como dizem, “das antigas”. E antigamente acontecia assim. Pelo menos comigo.

Rebecca Braga, ainda gitinha, ao telefone

Até hoje eu sei o telefone de alguns amigos meus e eu sinto falta daquela época em que alguém atendia em casa e gritava:

-Becca, telefone pra ti!

Às vezes eu sabia quem estava do outro lado, às vezes não. Tem alguma coisa diferente nisso… Pode parecer bobo, mas tem.

Em tempos de smartphones, quem tem telefone fixo, tem uma referência pra abrir um crediário lá no comércio, eu tenho lembranças de um tempo em que não era tão fácil achar as pessoas, mas a gente dava um jeito.

Poema de agora: Tom perfeito – Sabrina Zahara

Tom perfeito

Lá está,
Tudo indica que não sabe nada
Vou aí te mostrar
Cola no meu quadril
No meu tom vem dançar
Arrebenta a sandália.

Sei lá,
De certo, o ponteiro do tempo dispara
Deixa a chuva molhar
Manda nudes da alma
Link que acompanha
Cola na minha calma

Vida!
O tom desse som
É Que não tá certinho?
Vem aqui me mostrar
Faço desse seu jeito
Dois pra lá, dois pra pra cá
E Caio noutro enredo
Todo compasso que você cantar


Eu quero dançar samba…
Mas, Tem ordem nesse caos
Nós não temos segredo
Dois pra lá, três pra cá
Pra toda música que eu cantar
Você é O Tom perfeito.

Sabrina Zahara

Coronavírus: das ruas para o Aluguel Social, empregos e encontros com a família

Da dura realidade para um cenário inverso, que promete proteção e dias melhores. Essa é a expectativa das pessoas em situação de rua que estão recebendo assistência da Prefeitura de Macapá durante a pandemia. Alguns já começaram a trocar as histórias sobre fome e frio para as de esperança e sonhos.

Não há dúvida de que este é um caminho desafiador para se estar vivo. Mas também é um momento em que nossos recursos coletivos nunca foram maiores e mais capazes. Aqueles que estavam “invisíveis” aos olhos da sociedade, os sem “nome” (por falta de documentos) ganharam identidade. Quem não dava e nem recebia amor voltou para casa. E quem um dia sonhou com um “cantinho”, hoje tem seu lar.

Em meio a pandemia, a Prefeitura de Macapá decidiu, por meio de decretos, impor medidas de proteção para diminuir os riscos de contágio do vírus na capital amapaense, assim os atendimentos da rede socioassistencial foram adaptados a esta realidade. A partir destas orientações, o Centro POP Amizade suspendeu seus atendimentos especializados e acompanhamentos, oferecendo apenas os serviços básicos: higiene, café da manhã e almoço.

No dia 27 de março, foi liberado o espaço (Hotel Holiday) para o alojamento temporário para a população em situação de rua, sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social. Nada mais gratificante que, em meio ao caos, onde medo, morte e tristeza andam de mãos dadas, uma risada seja arrancada de quem pouco sorri. A condição de viver nas ruas se deve a diversos fatores, que, na maioria das vezes, acabam em fracasso, e voltar atrás já não é possível. São pessoas que acumulam histórias de fome, frio, abandono, desprezo, vícios, desemprego, rejeição e violência. Usam qualquer espaço que sirva de abrigo.

Quando falamos sobre pessoas, sabemos que há particularidades na condição de várias delas e cada uma pode ter tido um motivo particular para viver nas ruas; mas há também questões em comum entre essas pessoas, que são repetidamente vistas em muitos casos.

Nova oportunidade

“Antes de chegar em Macapá, passei por várias cidades do Brasil. Eu estava há 25 anos no Pará, vim em busca de uma vida melhor, um emprego, mas quando consegui me instalar na cidade veio a pandemia. Sem dinheiro e pouco conhecimento, acabei nas ruas, fiquei desacreditado, infeliz e sem perspectivas, “briguei” com o frio, fome, violência e, principalmente, contra o Coronavírus”, relatou o goiano Dulciney Augusto da Silva, 42 anos, que atualmente vive no alojamento temporário para a população em situação de rua, assistido pela Prefeitura de Macapá.

“Ganhei uma nova oportunidade quando me trouxeram para cá e vou agarrá-la. Por meio da prefeitura, estou retirando meus documentos pessoais, os quais havia perdido na noite. Estão fazendo meu cadastro para ser inserido no programa de aluguel social. Finalizo minha história com uma única palavra: Gratidão”, disse Augusto da Silva.

Uma nova chance

A história do maranhense Gilberto Lima Costa, 34 anos, também tomou rumos bem diferentes depois que ele foi resgatado das ruas e passou a viver no abrigo. “Eu dizia que o dinheiro era meu, que bebia quando eu queria e parava quando eu queria, mas a realidade não foi essa. Eu não tinha noção das coisas, oportunidades passavam e eu não enxergava por conta da bebida e problemas no casamento”, disse sobre sua vida de antes. “Cheguei aqui doente e, com fome, me deram de comer, vestir e também cuidaram da minha saúde. No momento, estou tirando meus documentos e pretendo ir em busca de emprego em minha área, que é de designer gráfico, e pretendo me restabelecer com a ajuda da prefeitura”, pontuou Gilberto.

O reencontro

Uma história com final feliz também para o artista de rua Diego Herman, que voltou ao seu país de origem (Argentina) por intermédio da Secretaria Municipal de Assistência Social, que providenciou documentos provisórios necessários para sua ida. “No abrigo matei minha fome, recebi assistência à saúde, mas também ganhei respeito, carinho e tratamento digno”, falou, demonstrando sentimento de gratidão a todos que o ajudaram.

Esta semana, ele enviou um vídeo agradecendo a todos por tudo que fizeram por ele, e disse: “Estou feliz, estou bem, estou no aconchego de minha família e dando continuidade aos protocolos de prevenção ao Coronavírus, que me foram passados aí. Me mantenho em quarentena”, finalizou o argentino.

Página virada

Antônio Jaime de Souza Gemaque, 51 anos, tinha um lar, mas a dependência química e alcoólica tirou dele a família, amigos e emprego. “Eu tinha uma família, uma vida razoável, mas perdi tudo, e quando tentei voltar foi tarde demais. Passei a viver nas ruas, sem se importar com nada, fui levando os dias, até que vim parar aqui”, relatou.

Questionado sobre os planos para o futuro, Jaime, que trabalha como vendedor ambulante, disse que pretende voltar às atividades e construir um novo capítulo de sua história. Quero esquecer os dias de fome, frio, medo, angústia e incertezas. Será uma página virada em minha história. Hoje, tenho meus documentos pessoais e assim serei inserido no aluguel social. Saindo daqui posso ir para um lugar certo para morar, com segurança”, declarou, sorridente.

“Com expressão cansada, marcada pelas rasteiras da vida e vítimas da exclusão, essas pessoas hoje têm novas perspectivas, outros sonhos e, principalmente, esperança”, comentou Flábio Sena, coordenador do alojamento temporário.

“Foram três meses de convivência. Cada um deles tem sua história, seus limites e, claro, seus sonhos, que há tempos estavam adormecidos. Aqui, eles encontraram incentivo, assistência. Puderam voltar a ter uma vida digna e, ao sair, poderão andar com as próprias pernas. Nesse período que estivemos juntos, temos saldo positivo, os novos caminhos que cada um seguirá daqui para frente, buscando realizar seus desejos com independência”, concluiu Flábio, satisfeito com o saldo do trabalho em equipe.

Alojamento temporário

O alojamento temporário para a população em situação de rua de Macapá está em funcionamento desde 27 de março, na Avenida Henrique Galúcio, nº 1623, bairro Santa Rita (Hotel Holiday), e teve contrato encerrado dia 25 de junho. A partir desse encerramento, será feito o acompanhamento por meio do Centro POP Amizade, que estará com prédio novo sendo oferecido café da manhã, almoço e janta, e a moradia ficará pelo aluguel social, que já está sendo direcionado para cada um que tem as documentações necessárias.

Serviços oferecidos pelo alojamento temporário

Durante a permanência no alojamento temporário, as mais de 100 pessoas em situação de rua que passaram pelo alojamento foram assistidas por inúmeros projetos e programadas pela Prefeitura de Macapá, como o fornecimento de café da manhã, almoço, lanche da tarde e janta, serviços de quarto e roupa lavada, acompanhamento e assistência aos usuários que se encontravam doentes, vacinas e entrega de medicamentos necessários.

Também receberam kits de higiene e máscaras protetoras. Houve a entrega de roupas e calçados. Quem precisou teve auxílio do corpo técnico com assistentes sociais, psicólogo, terapeuta ocupacional, sociólogo e administrador.

Lazer

Os assistidos também tiveram momentos de lazer e entretenimento por meio do “Cine Alojamento Temporário”, uma atividade terapêutica por meio de apresentações de filmes no próprio abrigo com telão de projeção e som de cinema. Aqueles que não tinham documentos, haviam perdido contato com familiares, receberam ajuda dos técnicos para a busca de informações em Macapá em todo estado do Amapá em outros estados da federação e até fora do Brasil.

Secretaria de Comunicação de Macapá
Mônica Silva
Assessora de comunicação
Fotos: Max Renê

ERA UMA VEZ – Crônica de Evandro Luiz

Foto: Maurício Paiva.

Crônica de Evandro Luiz

A cidade era tão pequena e distante dos grandes centros que passava despercebida do resto do país. A população, na maioria agricultores, estava profundamente enraizada com a terra. “daqui só saio para o cemitério’’ dizia Joaquim da Paixão, negro de um metro e oitenta, exímio batedor da caixa de marabaixo, forte como um búfalo, rápido que nem cobra sorrateira e liso que nem giju.

Veleiro no Rio Amazonas – Foto: Manoel Raimundo Fonseca

Com toda essa performance, ganhou fama e prestigio, mas também adversários. as marcas no corpo revelavam uma vida agitada. ainda assim, repetia sempre: “daqui não saio nunca, só morto”. O rio em frente da cidade parecia ser um obstáculo intransponível para quem tinha o desejo de sair do isolamento, tamanho a sua magnitude.

Foto: blog Amapá, minha terra amada.

Além do medo de ter que viajar em barcos que pareciam ser grandes gaiolas, por um período de três dias para se chegar a cidade mais próxima. Viajar de avião era impossível para quem vivia da agricultura de sub existência. então só lhes restavam viver com intensidade o que lhes foram destinados.

Folia Religiosa de São Sebastião, em Mazagão Novo, no Amapá (Foto: Iran Lima/Associação Amapaense de Folclore)

Líderes da comunidade cumpriam religiosamente o calendário dos santos preferidos e de datas importantes. Tradicionalmente se reuniam e faziam a festa do senhor em frente à igreja. Com a chegada de padres italianos os ânimos ficaram acirrados.

Foto: Márcia do Carmo

Os padres não queriam aqueles rituais envolvendo o senhor em frente do templo. Eles espalharam que os festeiros seriam amaldiçoados caso não mudassem a festa da santíssima trindade para outro lugar.

Foto: Chico Terra

Houve resistência foi aí então que a igreja usou do seu quinhão celestial contra os simples mortais. em reunião secreta entre os padres e governo, foi decidido que o centro da cidade seria urbanizada. assim os moradores que viviam em terras, fruto da herança de seus antepassados, estavam entre a desobediência e a cruz. Ainda assim, alguns tentaram ficar. Mas o medo de serem amaldiçoados e banidos do cristianismo falou mais forte.

Foto: Maurício Paiva.

Para enfraquecer o movimento veio o segundo golpe: as lideranças foram divididas e distribuas para lugares diferentes e longe do centro. contudo, o balé das senhoras com roupas coloridas persistiam. e mesmo com as dificuldades, a força e a vontade dos festeiros em preservar os costumes dos antepassados eram fortes. mMs com a fragmentação do movimento, reacende um sentimento incubado nas lideranças. O da disputa pela hegemonia do calendário profano da festa do senhor.

Foto: Maurício Paiva.

A festa da criação da cidade é realizada com toda estrutura governamental e participam do evento os grupos folclóricos em uma tentativa de agradar a todos. Porém, a disputa ficava mais evidente era na corrida de cavalo que os ânimos ficavam acirrados e justamente onde João da Paixão se destacava. Ganhando praticamente todas as provas. Um fazendeiro de São Paulo ficou tão admirado, que não pensou duas vezes: vou levar esse vaqueiro.

A notícia se espalhou rápido. No embarque para são paulo, João tremia que nem vara verde. Pela primeira vez ia entrar em um avião o que estava totalmente fora de seu controle, foram seis horas de muita agonia.

Dois meses depois da sua chegada veio o primeiro rodeio. João da Paixão nunca tinha visto tanta gente reunida. a prova consistia em derrubar um boi em pleno movimento. Prova fácil para o vaqueiro do norte que conquistava cada vez mais admiradores. Na realidade, João se preparava para o grande final que reunia os melhores peões do país. No dia da competição, o vaqueiro do norte entrou na arena sob gritos da multidão.

Foto: Maurício Paiva.

Para trás ficava em definitivo o batedor da caixa de marabaixo.

EDESSA MEDITABUNDO – Conto porreta de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

Solidão.

Há semanas trabalhava intensa e duramente na pesquisa. Tese de doutorado. Haveria de entregá-la no prazo.

A mulher lhe escrevera, mandara encomendas pelo correio nem sabia quando. Não abria e-mail, nem ligava para as redes sociais. Talvez algumas cartas estivessem na portaria. Não. O porteiro lhe teria entregue.

Abriu a lata de atum e o esquentou na frigideira suja, usada mil vezes. O frigir despertou-lhe para alguma coisa. Correu aos livros, consultou-os e escreveu algo num papel sobre a mesa desarrumada que só ele podia entender. Comeu parte da massa compacta com xarope de guaraná diluído em água e, logo após, como se comemorasse, deu um arroto de arrebentar suas próprias entranhas e foi deitar-se nas almofadas espalhadas pelo pequeno apartamento. Ali, há tempos, guardava imemoriais fragmentos de experimentos trazidos do laboratório de sua universidade de origem. Já obtivera bons resultados, estabelecera uma metodologia um tanto quanto complicada para o cruzamento de variáveis. Só ele entendia.

Por ser um voraz usuário do computador vinha comprovando velhas hipóteses até então refutadas pelos seus colegas pesquisadores de todo o país. Uma vitória ali outra acolá, um insigth acordado, uma sacação num sonho. Tudo lhe fascinava. Era um apaixonado pela ciência. Quase nunca dormia porque se ocupava fazendo anotações, lendo e escrevendo como um louco no teclado do seu micro. Mas vencia o tempo a caminho da glória. Ou no mínimo de um salário melhor. Quem sabe obteria mais prestígio dentro da comunidade científica. Era brilhante. Seus colegas haveriam de admirá-lo e de respeitá-lo mais e mais. Com certeza sua tese seria aprovada com louvor pelos sisudos e exigentes doutores da banca examinadora.

Não fumava mais. Pudera. O corpo franzino não aguentaria nem mais um trago. Estava proibido de fumar, beber álcool ou ingerir qualquer droga, mesmo calmantes, analgésicos e vitaminas sem consentimento médico. Seu médico lhe fora enfático: – Ou larga ou não acaba a tese este ano. Deixou o cigarro, mas abusava de tudo. Não se alimentava bem, só comia enlatados, pão dormido, macarrão, quando lhe dava vontade ou quando se lembrava que seres humanos também comem. Adorava porcaria. Daí a dor que sempre sentia no estômago, um sofrimento a mais que o deixava louco de se enrolar pelo chão atrás de algum remédio porventura perdido na bagunça daquele minúsculo apartamento, mas tão cheio de bagulho.

Nessas horas de dor, a lembrança da infância. Brotava a insegurança. Cadê mamãe? Um misto de ternura e desespero. Cadê minha mulher? A solidão doía, a lembrança doía. Ele se recorda, tentando lenificar a dor. Seria entomologista. Ah, seria. Da sua paixão por insetos nasceria um cientista respeitável. Dos seus estudos resultariam proveitos econômicos tão grandes que a História não lhe olvidaria. A Nação lhe seria eternamente grata. Da função dos insetos na natureza tiraria o que de melhor fosse para o desenvolvimento da ciência e, claro, para beneficiar todos os seres humanos. Um idealista. Modesto. Virtuoso. Não precisaria ficar rico com suas descobertas e patentes. Bastaria que lhe financiassem ousados projetos de pesquisas, se possível dentro do país. Por isso estudou Biologia, curso inexpressível numa universidade pública de pequena importância. Por isso, pensava, com seu nome a tiraria do marasmo científico.

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Atrás de tanta vontade. Porém, um trauma. Ainda estudante – monitor concursado de entomologia – coletava insetos na floresta quando inofensivos percevejos saltaram de um arbusto para sua roupa. Eram insetos coloridos, de uma espécie jamais vista por ele. E pelo que lembrava, nunca a vira catalogada nas enciclopédias de seus professores. – Uma espécie não identificada ainda, pensou, eufórico. E no embaraço da emoção explodindo tentou capturá-los. Eles saltavam para outros arbustos deixando no ar um cheiro tão peculiar que o candidato a cientista hesitou na empreitada da captura. Mas prosseguiu. E ao agitar desastrosamente a folhagem, o odor dos percevejos se espalhou pelo ambiente de tal forma que o ar parecia se solidificar como um enorme bloco de concreto sobre seu corpo, a lhe prender e a lhe impedir de se mover. Na luta desesperada viu escorrer pelas mãos o que seria sua primeira conquista profissional. – Já pensou? Um inseto com o meu nome?

Encontraram-no em uma posição ridícula, estático com uma estátua equestre, no meio do mato. Os olhos arregalados, um fóssil conservado em bloco de gelo. Do jeito que estava, duro, foi levado ao primeiro posto médico pela equipe de alunos que monitorava.

Do acontecimento inopinado adveio-lhe alcunhas abomináveis e um recolhimento de muitos dias. Quase perdia o semestre. Quando conseguiu superar o fato, superou-se a si mesmo. Antigas veleidades viraram obsessão: haveria de ser entomólogo, ainda que lhe chamassem de Múmia de Barata em alusão à Metamorfose de Kafka, e de Edessa Meditabundo, uma espécie de percevejos fedorentos. E que rissem ao cruzarem com ele nos corredores do campus.

Débora, uma caloura, foi a única que o compreendeu. Jamais tocava na história inacreditável. Acabou casando com ele logo após terminar a graduação. Mas ficava lá, em sua cidade, cuidando do filho, morando na casa do sogro. Fez um mestrado medíocre na mesma universidade e nela tornou-se professor depois de um concurso muito disputado.

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Doía a solidão. Doía, doía.

Ás favas a solidão, as lembranças, a dor. Rompe, de repente, com o pensamento. A decisão é tomada. Vai descer ou acaba pirando. Antes, porém, olha para o PC e o notebook sobre mesinhas, olha as paredes do cubículo… Desenhos, mapas, quadros, tabelas, referências, classificações. Tudo ali, pregado com durex.

Pediculos humanus humanus / Ischioleneho wollastoni / Coleoptera. / Pyridae, Lampyridae / Periplaneta americana / Coleopteros / Homoptera / Cicadidae / Paraponera clavata / Tineola bisselliélla / Fulgora spp. Schistocerca americana / Apis mellisfera / Soolenopsis beminata / deptera. Culicidae / megalopsy lanata / Sinoeca cianea…

E, atrás da porta de entrada, em letras garrafais:

EDESSA MEDITABUNDO

(Percevejo-filho-duma-vagabunda-
Não-é-o-mesmo-que-vejo)
Vou a fundo
Vou a fundo
Para te encontrar
Viro o mundo
Ou não me chamo

EDMUNDO

Ele come, por fim, o resto do atum, bebe mais guaraná, relê seu poema com orgulho, apaga a luz e sai.

No hall do edifício tudo é silêncio. O porteiro dorme sem roncar.

O doutorando agora hesita em abrir a porta que dá para a rua porque lá fora também é só silêncio. E sua solidão novamente toma conta do corpo, fragmenta a alma e corta recônditas memórias, intuindo um assalto do futuro. Há pouca luz no ambiente. O porteiro dorme, a cidade dorme. A cidade está morta. Raios de luz projetam as sombras de um pé de ficus belga do jardim no teto e nas paredes dos edifícios vizinhos. O pé de ficus belga parece fazer um movimento humano nas colunas que sustentam o prédio. Mas é só impressão. Fruto do cansaço, ele pensa. Anda em voltas pelo jardim e então resolve subir. É madrugada, o dia está para nascer. Não vale a pena sair pelas ruas de seu bairro a essa hora.

Na passagem encosta no pé de ficus belga. Ele não percebe, mas sua camisa está cheia de bichinhos coloridos. Entra no elevador, aperta o número 19 e solta devagar, deixando um cheiro podre pairando por todo o condomínio.


Edessa meditabundo abre a janela. Respira com dificuldade porque o ar lhe solidifica o corpo aos poucos. Filigranas de luz empurram cumulusnimbus espessas e amedrontadoras no dia que já nasce apertado.

Lá embaixo o gás carbônico flutua sobre o asfalto.

Desta vez o percevejo não hesita: – Que doa a solidão!

Com esforço estende as asas membranosas. Dá um arroto de despertar a cidade e salta em busca de alimento.

100 dias de solidão – Por Carlos José Marques (Égua-moleque-tu-é-doido)

Foto: Adriano Machado

Por Carlos José Marques

Com o perdão e a licença poética do magnífico Gabriel García Márquez, aqui o enunciado é para classificar esse longo e — aos olhos de todos — interminável interregno. Lá se foram mais de três meses e o isolamento encerra lições que devem, pelo bem ou pelo mal, transformar a humanidade e a maneira como vivemos em sociedade. Em todas as direções. Econômica, política, de relações interpessoais, profissionais, de conduta emocional e de visão de mundo. Nesses tempos de absoluto confinamento para alguns, de descaso com as medidas para outros, de riscos para quem não tem qualquer opção que não a de sair, vivemos o imponderável, o medo do desconhecido e da morte propriamente dita. Diante da ameaça sorrateira as máscaras caíram. De diversos personagens. Talvez de todos.

Haters dissimulados mostraram a autêntica face e encontraram o ambiente ideal para destilar o ódio que acalentavam. Os desprovidos de compaixão assumiram como de fato não reservam qualquer interesse pelo próximo. São eles em primeiro lugar. Seus negócios, sua realidade, a sobrevivência pessoal que importam. Quanto aos outros? Que simplesmente…morram. É da vida. “Faz parte!”, disse aquele líder bananeiro de atitudes tresloucadas.

Governantes do fim do mundo expuseram a carapuça mais sombria e abominável da ausência de caráter e capacidade de liderança. Nesse caso, nenhum deles superou em aberrações e irresponsabilidade o mandatário brasileiro Jair Messias Bolsonaro, um escroque de maldade e intolerância que maquinou afrontas à segurança nacional e crimes de responsabilidade em profusão. Tripudiou do drama alheio andando de jet ski, a cavalo e em aglomerações provocativas que escandalizaram o mundo. Ignorou qualquer gesto de consolo aos familiares destroçados pela doença, enquanto sugeria fazer um bom churrasco, com três mil participantes, para esquecer tudo e zombar das restrições. Vangloriou-se da condição de “atleta” que não cede a uma “gripezinha”. Foi o insensível em estado puro.

Nesses 100 dias de solidão, quase 60 mil morreram, mais de um milhão caíram de cama vitimados por uma pandemia implacável. E isso apenas no Brasil, que exibe recordes impensáveis e vergonhosos — boa parte decorrente da imprudência, irresponsabilidade, politicagem tacanha de gestores que não entendem o autêntico sentido da palavra governar. Brasileiros estão aprendendo na marra, e de forma dolorida, o quanto custa e o tamanho do problema que é fazer uma escolha eleitoral errada. O contemplado, em circunstâncias limite, sai movido estritamente pelo propósito da sobrevida nas urnas, abrindo caminhos ideologicamente nefastos e socialmente injustos. Messias Bolsonaro, no hiato dos últimos 100 dias, para além da coleção de peripécias, abusos e desvios de conduta, desde que assumiu há mais de um ano, viu seu mandato se esfarelar. Praticamente virar pó, diante de tantas perversões. No momento encontra-se envolto nas investigações do laranjal do filho zero um, de seus comparsas e do esquema de rachadinha, que já levaram para a cadeia o dileto amigo de 40 anos de relação, Fabrício Queiroz, e colocaram em suspeição o advogado da família, tido como um faz tudo da casa. Abatido, o presidente ainda está precisando lidar com acusações de ter interferido na Polícia Federal e, suprema humilhação, tendo de depor para explicar o inexplicável.

Os empresários amigos e políticos aliados foram alvos de batidas policiais e de averiguações em inquéritos que levantam esquemas de financiamento ilegal de fake news e de mobilizações antidemocráticas de ataques aos poderes constituídos. Para completar, o Planalto ainda se enfronha numa mal explicada operação de fuga do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub que saiu às pressas do Brasil, com passaporte diplomático que não poderia usar, para evitar ser pego para julgamento no STF. É uma pororoca de maus presságios que cercam Bolsonaro e um governo que submerge, isolado, solitário, há bem mais de 100 dias. Como tábua de salvação, mistura-se ao que existe de pior na política, o cordão de encalacrados do Centrão que pede verbas e postos em troca de sustentação.

Bolsonaro desce ao poço e se pendura na mediocridade administrativa. Não quer que sejam votadas as reformas, administrativa e tributária, para evitar dissabores com eleitores. Disse isso de viva voz. Alegou ser um “desgaste muito grande” o engajamento nessas pautas que ajudariam no desenvolvimento do País. Ele não está preocupado com isso. É um desinteressado das reformas, do combate à corrupção, da luta em prol do bem comum. Na solidão do poder, governa para ele, para os seus, para os apaniguados. A bem mais de 100 dias é assim, em um interregno que não parece mesmo ter fim.

Fonte: Isto É

Edital “Circula Amapá” da Secult/AP: artistas e produtores culturais terão até 30 de junho para se inscreverem

A Secretaria de Estado da Cultura do Amapá (Secult/AP) reforça que o prazo de inscrição para o Edital “Circula Amapá”, que busca premiar 137 iniciativas da cadeia produtiva da cultura e das artes em todo Estado, irá até 30 de junho de 2020. A medida visa garantir a participação do maior número de segmentos culturais. A expectativa da Secult é receber propostas que propiciem experiências artísticas a população amapaense. A submissão dos projetos segue de forma on-line, no site – http://www.secult.ap.gov.br/.

A chamada pública foi lançada no dia 18 de março pela Secult, por meio de emenda federal articulada pelo senador do Amapá, Davi Alcolumbre, com o intuito de valorizar e fortalecer a cultura amapaense, incentivando a produção local com políticas ampliadas para os projetos que favorecem a circulação de bens, produtos e serviços artísticos e culturais em âmbito local, estadual, nacional e internacional e prorrogada duas vezes por conta da pandemia da Covid-19.

Segundo o secretário da Secult/AP, Evandro Milhomen, a ideia do edital é ampliar o acesso à cultura, uma política que a pasta sempre colocou como prioridade e, agora se torna ainda mais fundamental com a crise de saúde pública. “Com esse incentivo aos segmentos culturais do Estado, ganham os profissionais da cultura, mas principalmente a população do Amapá. Nesse momento triste que o mundo está vivendo, a arte irá restaurar as esperanças e mostrará um novo caminho para todos nós”, ressaltou.

Deste modo, o edital contemplará os múltiplos campos da cultura no Estado, abrangendo os segmentos popular, tradicional e identitária; teatro; arte circense; dança; artes visuais e/ou plásticas; artesanato; audiovisual; livro, leitura, literatura e biblioteca; e música. Poderão participar Microempreendedores Individuais (MEI) e pessoas jurídicas de natureza cultural, com ou sem fins lucrativos, que comprovem tempo de atuação de acordo com sua área pleiteada.

O projeto atenderá diversos profissionais do setor artístico, como, por exemplo, artistas, produtores, grupos, companhias, associações e demais agentes da cadeia produtiva da cultura. As premiações variam entre cinco e dez mil reais, de acordo com critérios estabelecidos no edital, totalizando um investimento na cultura de 938 mil reais. Com essa medida, a pasta quer reconhecer o trabalho desenvolvido pelos empreendedores da cultura do Estado.

Foto: Divulgação Secom/GEA

Atendendo o segmento da cultura popular, tradicional e identitária, o edital contemplará grupos de marabaixo e/ ou batuque, grupos ou comunidades tradicionais, entidades juninas tradicionais ou estilizadas e grupos de capoeira. Já na vertente da leitura, literatura e biblioteca, podem participar escritores (poetas, contistas, cronistas), contadores de histórias, mediadores de leitura e demais agentes.

Os interessados devem realizar o cadastro no Sistema Estadual de Informações e Indicadores Culturais – SEIIC, sendo pré-requisito para participar do edital (vídeo explicativo acima). A Secult/AP disponibiliza em seu site vídeos explicando aos interessados sobre o funcionamento do Edital e como proceder no ato da inscrição.

Marabaixo, manifestação artística da cultura popular do Amapá — Foto: Aydano Fonseca/Tambores e Bandeiras

Além disso, os técnicos da Secretaria também estarão à disposição dos artistas e produtores culturais para sanar quaisquer dúvidas sobre o certame, por meio de ligações e WhatsApp no número – (96) 98808-0736. O acesso também pode ser via o e-mail da Secult/AP: [email protected].

Carol Nascimento gira a roda da Vida. Feliz aniversário, querida amiga!

Meu amigo Fernando Canto escreveu uma vez: “Lembrar também é celebrar. E quando se celebra se rememora, ou seja, se re-memora num tudojunto inebriante, pois o coração aguenta. E ao coração, como sabes, era atribuído o lugar da memória – re-cordis“. Pois é. Lembro de tudo de bom que vivi ao lado de figuras incríveis. Uma delas inicia um novo ciclo hoje (26), a Caroline Nascimento.

Já tem um tempo que perdi o contato com a Carol, da gente sair e tomar umas. Mas ela segue na paideguice discreta que lhe é peculiar e gira a roda da vida hoje, portanto, lhe rendo homenagens.

A moça é fisioterapeuta e sabidona nessa área, o que faz dela uma especialista e, claro, profissional qualificada. Além disso, é apreciadora de Rock and Roll, fuscas, cachorrinhas com nomes engraçados, namorada do Eduardo, irmã, filha e tia amorosa e broda deste jornalista.

A maluca com cara de patricinha é palhaça, bruta, meiga, sem frescura e uma ótima companhia pra conversas descontraídas. Ela também é carismática, bem humorada, sorridente, engraçada e dona de mais uma carrada de qualidades que fica difícil listar aqui, senão o texto ficaria imenso.

Uma característica forte na Carol é o jeito de falar e agir com sua família. Amigos, quem não é bacana com a família, só finge ser bacana com o resto e ponto. Ela tem um bom humor invejável, carisma, mistura brutalidade e meiguice de forma quase bipolar (isso é um elo). Pois é, Caroline tem amor pelos seus e demonstra isso. Em resumo, Carolzinha é demais paid’égua!

Carol, que a força sempre esteja com você. Que teu novo ciclo seja ainda mais produtivo, próspero e que tenhas sempre saúde e sucesso junto dos teus amores. E que a gente não demore a voltar a tomar umas juntos, pois dou valor na senhora.

Parabéns pelo teu dia e feliz aniversário!

Elton Tavares

Feliz aniversário, Rui Brandão! – @RuiBrando9

Eu e Rui Brandão – Mazagão – 2017 – Foto: Gê Paulla.

Quem lê este site, sabe: gosto de parabenizar amigos em seus natalícios, pois declarações públicas de amor, amizade e carinho são importantes pra mim. Quem gira a roda da vida nesta sexta-feira (26), é o competente fotógrafo, companheiro de pautas e mesas de bar, portuga gente boa e brother deste editor, Rui Brandão.

Eu e Rui somos amigos há pouco mais de três anos, mas gosto muito do sacana. O português que atravessou o planeta para morar no meio do Mundo é gentil, prestativo, bem humorado e parceiro. Juntos, já pegamos alguns dias de sol na moleira cobrindo os mais diversos eventos.

Rui é um cara com o olhar apurado, pois manja muito da arte de retratar e é um apaixonado pela fotografia. Eu sou um reles apertador de botão, mas o Brandão é, de fato, um fotógrafo fantástico. Tenho inveja boa da sensibilidade de pessoas como ele, que conseguem fazer poesia com pixels.

Além de excelente profissional, o cara é demais gente fina e possui uma qualidade imprescindível em qualquer área de atuação: o trato com as pessoas.

Rui, mano velho, “tu saaaabes”, Patinhas! Que a força sempre esteja contigo. Que teu novo ciclo seja ainda mais produtivo, próspero e que tenhas sempre saúde e sucesso junto dos teus amores. Saúde, sucesso e sabedoria sempre, Brandão. Meus parabéns e feliz aniversário!

Elton Tavares

NO MEIO DO FIM DO MUNDO – Crônica de Evandro Luiz

Este editor, com o autor dessa crônica porreta, o jornalista Evandro Luiz. Foto de 2017, feita pela poeta Jaci Rocha, na casa da escritora Alcinéa Cavalcante.

Crônica de Evandro Luiz

Antônio Laranjeira sente pingos de chuvas nas costas. É como se fosse um aviso, o que faz aumentar o ritmo de trabalho. Sabe que tem pouco tempo para retirar a última safra de mandioca. Olha para cima e o que vê? São sinais que ele bem sabe interpretar. Nuvens escuras carregadas que expelem relâmpagos sempre acompanhados de trovões. São tão fortes que nem um pássaro se atreve a bailar no meio da floresta.

No rosto de Antônio, o suor e água se misturam e percorrem o mesmo caminho feito pela dureza do trabalho do campo. Início do mês de Março. Das cabeceiras dos rios Jari, Amapari e Araguari são despejados um volume de água imensurável. As chuvas esmagam as plantações agrícolas, nos lagos, igarapés e rios. O nível da água subiu tanto que os peixes desapareceram desses lugares.

É nesse cenário de alternância climática que Laranjeira vive há vinte anos com a mulher Izabel e o filho Lucas, de sete anos. Agora ele decidiu que viria para a cidade grande. Por enquanto, viria só. A mulher e o filho ficariam em casa de amigos. Viria buscá-los com o salário que deveria ganhar trabalhando. Na despedida nenhum choro, nenhum abraço, apenas olhos marejados de quem deixa pra trás apenas o dote da incerteza.

No meio do caminho, ouviu o grito dos vaqueiros tocando a boiada rumo as marombas, curral de madeira construído acima do nível do rio. Serão assim nos próximos 5 meses. O caminhão, um pau de arara velho, já carregado com frutas e legumes é o único meio de transporte para a chegar na cidade grande. Depois de uma viagem longa e dolorida, Antônio Larajeira, desembarca em uma estação rodoviária barulhenta, suja e muita gente correndo de um lado para outro.

O mototaxi foi a primeira novidade. Mostrou o endereço no bairro Zerão e, lá se foi Antônio Laranjeira com sua pequena bagagem na garupa de uma moto cortando as ruas e avenidas da cidade. Foi levado até uma área de ponte. Na frente da casa onde ia ficar, 4 crianças brincavam sem perceber o perigo que corriam se alguma delas caísse dentro do lago. Ele foi recebido por Dayse, de 15 anos de idade, sobrinha da esposa de Laranjeira. Ela vivia com José Gregório, conhecido na baixada como Faísca.

Corria pela boca pequena na comunidade, que Faísca era foragido da polícia. Acusação: ele tinha deletado o CPF de três homens em Bacabal, outro município do Maranhão. O barraco tinha apenas uma sala e dois quartos. Tudo dividido por cortinas de pano.

Nem bem chegou, e já queria sair atrás de emprego. Foi aconselhado a descansar e no outro dia sairia com Faísca em busca do emprego. Mas no meio da madrugada, foi acordado. Faísca disse que tinha um trabalho a fazer e que renderia um bom dinheiro. Deixou a pequena mochila em um canto onde fez dela o travesseiro.

De bicicleta os dois saíram, ninguém na rua, silêncio total. De longe avistou um estádio, sentiu no rosto o ar fresco da madrugada vindo do grande rio. Olhou para o outro lado e ouviu o som de tambores gemendo as dores dos antepassados. Faísca disse que ia faze rolé pra ver a situação. Antônio ficaria esperando. No meio da escuridão, Laranjeira pensou na família, nos tempos em que a pororoca atraia gente de vários lugares do mundo e sempre requisitado por conhecer bem a região.

O amanhecer chegava e as estrelas sumindo. O céu ia tomando cores avermelhadas e o azul do infinito se espalhava anunciando um novo dia. Antônio Laranjeira como que embriagado pela atmosfera flutuava em sonhos platônicos.

A volta a realidade foi tão dura quanto a vida que levou. O impacto por trás o levou a lembrar do ronco da pororoca chegando, anunciando a destruição que o fenômeno fazia ao encontrar o que tinha pela frente. Laranjeira foi arrastado por mais de cem metros deixando no asfalto sangue e a esperança que tanto sonhou. O carro sumiu deixando Antônio agonizando. Viu a vida passar como se fosse no vídeo tape.

Foto: Márcia do Carmo

Sentiu um calor suave no rosto. Era o exato momento do alinhamento do sol com a linha imaginária do equador. O som dos tambores diminuíam em sintonia com as batidas do coração do agricultor. Antônio Laranjeira deu o último suspiro e morreu no meio do mundo em pleno Equinócio das Águas.

Poema de agora: Um amor amazonas – Jaci Rocha

Um amor amazonas

O mar é lindo
O mar dá medo
– Amar também –

Amar é uma ‘onda’
Tem tudo a ver com o mar:
profundo, belo…um risco!
também, salgado…

No mar, há zonas.

E o Amazonas é um mistério
feito de doçura e imensidão…

É, depois de um tempo
Amor de Amazonas é tudo que a gente precisa:
Aquela onda doce, aquele vento forte
A sensação de carícia enquanto a maré dança

A mística fantástica, a energia quântica
A coisa simples e cabocla,
Ah…tudo que a gente precisa
é de amor…

e de um tanto de Amazonas!

De forma tal que o peito se transborde,
multiplique e viaje sem medo,
Pois navega nessas águas como quem é parte
de um todo muito mais bonito

de um segredo profundo e coletivo
Uma coisa doce e rouca
Como maré do Equador…

AH! e não seria seria exatamente isso
O que a gente diz – e quer- do AMOR?

Jaci Rocha

Cartas Que recebi, Mas leio agora (parte III) – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

São Paulo
19.Junho.1944

Bonjour Monsieur, Francisco B. De Holanda.

Gracias, por ter respondido a carta que lhe encaminhei pelo Luiz Cláudio, excelente Músico, que por meio do nosso conhecimento há muito estabelecido, prestou-me esse favor.

Nesse período , em que plagiando você…’ A coisa aqui está preta’…eu em uma noite dessa ouvi…Beatriz…Sua e do Edu Lobo…inclusive frequentamos a mesma Sociedade…Escritores Médicos em São Paulo…eu e Sérgio Perazzo, ótimo Contista, que foi e o é, amigo do Edu, e com ele estudou desde as primeiras séries, até a conclusão do Segundo Grau, ambos jogando no time de Basquete do Colégio, que agora dele não me recordo o nome…era um time de ‘ pequenos ‘ grandes jogadores, assim ele relata…de maneiras que após ouvir Beatriz, fiquei instigado a criar perguntas de uma forma de poema, e lhe mandar, parece loucura que bolei isso, mas o fiz, não a giz, mas a caneta.

Ah…ah…ah… Obrigado. Já recebi Cartas de todos os lugares, todos pesares, e todos os algures…como diriam os Fadistas… Senhor Jorge Luiz… Desculpe…Luiz Jorge… Vinicius…O Cantuaria, homem de Zaga no time do Politheama…tem um primo Luiz Jorge…Inversão do invertido.

Mas , respondendo às suas colocações…

…Ela é triste porque é atriz. Ou porque as notas diminutas são lágrimas ocultas atrás do pedal do piano. Ela usa um vestido lilás, porque é a cor que a cena pede, ou porque realça mais o desenho do confete no apogeu da derradeira cena.

Ela corre para cair da escada, e tomar o rumo da história escrita a quatrocentos anos. Ou apenas ensaia um pulo repetido a tempos, e nada mais a acompanhará no fim. Nem a ela, nem a mim, que sei ser impossível entrar na sua vida.

Eu mesmo Chico…( rs..rs..rs) *Como poderia não ser eu… Não tenho por hábito fazer comentários sobre a parte do parceiro em nossas criações , porém ao ler o trecho de sua Carta em que chama a atenção para a sutileza Musical do Edu, ao usar bloco de quatro diminutas, em varias ocasiões do trecho melódico, e causar ao ouvinte, associada a parte da letra que insinua devaneio, devaneios, a semelhança de Litz, eu até mesmo aproveitei para imaginar Chopin.

Esse Comentário, não levei ao Edu, e talvez nunca com ele comente. Outrossim obrigado, por estar atento a presença da escola Provençal poética, ao caminho de Beatriz, o que é um caminho por mim…Chico, na confecção…um tecelão… ( rs…rs…rs)…você o disse.

Música para Peças Teatrais, são tecidas artisticamente e matematicamente coesas, com a cena, e os minutos do ator em cena. Agradeço tudo que exaltou em seu texto , e o trabalho que se deu, para faze-la chegar, até Luiz Cláudio,excelente Musico, que a mim entregou…

Quando voltarmos aqui em casa as ‘ peladas ‘ com bola (rs…rs…rs…) , um dia, será nosso convidado. Demais, e ademais, um abraço…recomendações a família.

Chico.

Guitar Hero – Texto sensacional de Régis Sanches

Régis, o “Beck” ou “Anjo Galahell”, um dos melhores guitarristas que vi tocar – Fotos: Elton Tavares

Por Por Régis Sanches

Hoje me preparei para escrever sobre a vida errante dos guitarristas. Pensei nos menestréis, com seus alaúdes, levando alguma alegria para o festim dos lúgubres burgos ao redor dos castelos medievais. E não poderia deixar de reverenciar a memória de Django Reinhardt, o cigano belga que criou o naipe de duas guitarras, tendo seu irmão Joseph empunhando a base e ele próprio no solo. Reinhardt vestia-se a caráter. Em plena segunda guerra mundial, enquanto os foguetes alemães V-1 e V-2 explodiam nos céus de Paris, sua banda animava os sobreviventes do conflito no Clube de France.

Certa noite, a cidade-luz às escuras, Django retornou para casa, exaurido, após mais um show. Ele deitou-se em sua cama, os fumos do sono o absorveram por completo. Sua mulher havia esquecido uma vela acesa, a tênue chama tremulou e alcançou os lençóis. O guitarrista cigano sobreviveu, mas teve sua mão direita lesionada pelo fogo. Nas raras imagens desse precursor das modernas bandas de rock, podemos vê-lo com as cicatrizes do incêndio. Ele nunca desistiu de retirar das seis cordas o lamento necessário para cicatrizar as feridas da vida.

No início desta manhã, eu estava eletrizado pelo som metálico da minha guitarra. Lembrei de uma frase de Eric Clapton, chamado de Deus em pichações nas paredes do metrô de Londres, no final da década de 1960. “Ninguém consegue tocar blues honestamente de barriga cheia”. Mister Clapton é a alma dos guitarristas, uma espécie de Fênix que sobreviveu a todas as tragédias. Como mestre de George Harrison, roubou a mulher do melhor amigo. Transtornado, mergulhou e emergiu do mundo negro das drogas. Certa ocasião, seu filho caiu da janela do apartamento. Seu coração ficou dilacerado. Mas a resposta veio na forma da sublime “Tears in Heaven”.

O melhor de Eric Clapton pode ser sorvido, ouvindo-o executar a belíssima “White room”, de Robert Johnson. A poesia que descreve a solidão – “um lugar onde o sol nunca brilha/onde as sombras fogem de si mesmas” – só encontra dueto à altura no lirismo poético dos riffs arrancados pela slowhand do velho bluesman.

Poderia citar uma legião de guitarristas: Chuck Berry, B. B. King, Jimi Hendrix, Jimmy Page, Jeff Beck… Seria em vão. Os verdadeiros guitarristas, nós podemos contá-los nos dedos de apenas uma das mãos. Os homens de verdade sabem que há duas coisas no mundo que não se vende, nem se empresta: a mulher e o carro. Incluo no rol a minha guitarra. Pois aqueles que tiveram a sorte de nascer com a alma de guitarrista hão de concordar. Na essência de todo guitarrista, além da sensibilidade, da disciplina e de uma dose exagerada de humildade, existe uma tragédia iminente rondando o destino desses modernos menestréis. Vida longa a Eric Clapton!

Meu comentário: Régis Sanches é o jornalista com um dos melhores textos que conheci na vida e um dos maiores guitarristas que vi tocar (Elton).

Frases, contos e histórias do Cleomar (III Edição Especial Coronavírus)

Tenho dito aqui – desde fevereiro de 2018 – que meu amigo Cleomar Almeida é cômico no Facebook (e na vida). Ele, que é um competente engenheiro, é também a pavulagem, gentebonisse, presepada e boçalidade em pessoa, como poucos que conheço. Um maluco divertido, inteligente, gaiato, espirituoso e de bem com a vida. Dono de célebres frases como “ajeitando, todo mundo se dá bem” e do “ei!” mais conhecido dos botecos da cidade, além de inventor do “PRI” (Plano de Recuperação da Imagem), quando você tá queimado. Quem conhece, sabe.

Assim como a primeira, de março passado e segunda de maio, segue a III Edição Especial Coronavírus, cheia de disparos virtuais do nosso pávulo e hilário amigo sobre situações vividas em tempos de Covid-19 no mês de abril. Boa leitura (e risos):

Barulho no Céu de Macapá

Alguém sabe me informar se tem algum barulho marcado pra essa noite?

Boçalidade

Quero entender como esse pessoal se reconhece por aí usando máscaras, eu não reconheço ninguém, aviso logo pra não parecer boçal.

Casal

Aqui em casa quem manda sou eu (as más línguas dirão que é a Nara), portanto ela decreta, digo, eu decreto, que o isolamento continua, visitas continuam suspensas até segunda ordem, minha é claro. Gostamos de vocês, mas nesse momento, vocês aí e nos aqui, protejam-se!

Dia dos Namorados

Queria ver se tivesse dia dos namorados toda semana, até onde vocês iriam com essa melação.

Lições da Vida

Hoje minha filha, com seu próprio dinheiro, comprou uma cama nova, fibra de bambu, molas ensacadas, comprou também um cobertor novo, tudo coisa de primeira. Logo depois, ela triste veio me falar que seu celular havia pifado. Dizer o quê? Bem vinda ao mundo cruel dos adultos minha filha, onde a gente compra uma camisa, e o ladrão leva duas da corda. 😁