Cheiro Azedo (corredores)
Aqui comigo tenho o urro dos bois vagabundos na memoria
E com eles eu reencontro os cheiros que eu considerava
enterrados.
À noite eles perambulam nos corredores
Junto com estrelas e sombras na parede.
Estou repleto de mim, tatuado de sol, dentes sujos
De fiapos de frutas e restos de palavras
E ao sul dos quintais minha infância toma banho nua
Sente frio e olha-me assustada com a quantidade de rugas
Olha-me os pés e suas rotas de fugas
Que nunca vão além de um palmo
Eu canto canções antigas
Cuja melodia parece uma praga dita em russo e tusso.
Aqui, quando o sol se afasta espalhando negro
É que chegam os fantasmas dos bois
Com seus urros e babas que mancham
As cortinas, as vaginas e os saltimbancos.
Assanham e arranham
A prenhez da luz e a epilepsia das sombras recortadas na parede
Com eles fogem os cheiros.
Lembra-los dói
Por isso eu expulso gritando hora, dia e ano
Em que nasceram os girassóis pintados por Van Gogh
Eles comem as prateleiras, as dobradiças
E os dentes postiços da Yeye
Sujam o corredor e a fé dos protestantes da terceira rua
Pisam no sorriso da Mona Lisa e mijam.
Minha infância nua os chama para Macapá
Expulso-os aos berros e aos urros,
Cantando uma cantão tão antiga
Que parece estranha e amiga.
Eles deixam um cheiro tão azedo
Que o tempo fica lerdo
Os ossos fraturados estalam, os olhos ficam escuros
E absorvem a luz que foge das pupilas dos fantasmas dos bois.
Solitário, morro e apodreço sozinho
Pelos corredores o cheiro azedo só incomoda
A prenhez dos urubus.
Luiz Jorge Ferreira