Meu inferno – Crônica de Elton Tavares – Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”

Ilustração de Ronaldo Rony

Acho que se existir inferno, coisa que duvido muito, cada alma pecadora tem um desses locais de pagamento de dívidas de acordo com suas ojerizas. Nada como no clássico da literatura “A Divina Comédia”, o inferno do escritor italiano Dante Alighieri, que escreveu sobre os nove andares até a casa do “Coisa Ruim”.

Quem nunca imaginou como seria o Inferno? Como seríamos castigados por nossos pecados? Volto a dizer, pra mim o inferno é aqui mesmo. Mas vou pontuar algumas coisas que teriam no meu, se ele está mesmo a minha espera.

Bom, meu inferno deve ser quente. Não tô falando das labaredas eternas com o Coisa Ruim me açoitando pela eternidade. Não. Esse é o inferno mitológico e ampliado da imaginação religiosa. Falo de calor mesmo, tipo Macapá de agosto a dezembro, com quase 40° de temperatura (a sensação térmica sempre ultrapassa isso no couro da gente) e sem ar-condicionado.

Neste inferno, todo mundo é fitness, come coisas saudáveis e é politicamente correto. Meu inferno tem gente falsa, invejosa, amarga, que destila veneno por trás de sorrisos. Ah, meu inferno tem incompetentes, puxa-sacos, gente de costa quente que conta do padrinho que o indicou. E pior, neste inferno sou obrigado a conviver com elas diariamente.

No meu inferno tem gente que atrasa, que me deixa esperando por horas. Ah, lá tem caloteiros e enrolões, daqueles que demoram a pagar serviço prestado por várias razões inventadas.

Neste inferno moldado a mim tem parente pedinchão, “amigo” aproveitador, filas e mais filas para tudo. Tem também muita etiqueta e formalidades hipócritas. E também todo tipo de “ajuda” com segundas intenções. De “boas intenções” o inferno tá cheio.

Neste lugar horrendo só vivo para trabalhar, estou sempre sem dinheiro, sem sexo, sem internet e sem cerveja. Nó máximo Kaiser, aquela cerva infernal de ruim. No meu inferno toca brega, pagode e sertanejo sem parar.

Eu sei, leitor, que devo agora estar lhe aborrecendo. Mas perdoe-me, esta alma é chata e sentimental. Às vezes vivemos infernos mesmo no cotidiano, pois vira e mexe essas coisas aí rolam. Por isso dizem que o inferno é aqui. Ou como explicou o filósofo francês Jean-Paul Sartre, na obra “O Ser e o nada”: o inferno são os outros. É por aí mesmo.

Ainda bem que tenho uma sorte dos diabos e Deus é meu brother, pois consegue me livrar dos perigos destes possíveis infernos cotidianos e nunca fará com que tudo isso descrito acima ocorra por toda a eternidade. No máximo, de vez em quando, para que eu pague meus pecadinhos neste plano (risos).

Este seria mais ou menos o MEU inferno. Como seria o seu?

Foto: Flávio Cavalcante

Elton Tavares

*Do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”.

Poema de agora: Ilusão – Luiz Jorge Ferreira

Ilusão

Ela nunca mais havia penteado os cabelos.
Os cabelos agora estavam todos sujos de azul.
Ela estava prestando mais atenção nas ovelhas.
Que teimavam em retirar mel de um tronco podre florido.

Aí se eu pudesse descrever a cor que o céu tinha lá adiante.
Eu diria que havia sido lilás.
Mas ela não me deixava olhar.
Ela dançava de um lado para o outro, como embriagada pelo odor dos bem me quer.
Ela costumava nessas horas deitar como outrora e rolar entre os capins entrelaçados.
As vezes imitava uma borboleta, e saía batendo as asas rumo ao horizonte.
Outras vezes não, como uma cobra coral, deslizava entre as pedras soltas no quintal, até que amanhecesse novamente.
Eu nada fazia. Eu me satisfazia em embaralhar no alguidar de açaí o passado, o futuro, e o presente.

Quando eu era menino, eu achava que ela era uma bruxa.
Reparando nas suas unhas pintadas.
Mais tarde achei que ela era Mágica, pois desaparecia em si com minhas esperanças, mais depois achei que ela fosse eu.
E assim nos conhecemos.
Em uns dias de Janeiro quando ameaçava a grande seca, e as tardes eram secas, e as noites secas eram, e a língua era seca, e o cuspe foi secando, e as lagrimas também secaram, e o seco em si secou, foi que nos tivemos um filho.
Hoje não sei onde ele anda, pode ser que transporte água no lombo dos burros para Piancó, pode ser que transporte Piancó para as águas no lombo dos burros…
Pode ser mesmo que esteja em Macapá vendendo nozes e avelãs…
Estranhamente vestido de pijama…sentado no Mercado Municipal sob o olhar atônito dos peixes congelados.

Sei que ele se chama Lázaro, e que em um dia de finados ele me enterrou, no outro ano, ele se enterrou.
Despenteando diariamente os cabelos embaraçados pela brisa beira-mar.
Ela é a única que vive.

Luiz Jorge Ferreira

BiblioSesc retoma serviço itinerante nas escolas públicas de Macapá

A unidade móvel BiblioSesc retomou o trabalho itinerante que leva mais de 3 mil títulos literários para locais onde há pouco acesso à leitura. Entre agosto e novembro, quatro escolas públicas de Macapá vão ser atendidas pelo projeto que disponibiliza livros de literatura brasileira, estrangeira, infanto juvenil, didáticos e obras de referências como atlas, enciclopédias e dicionários.

A primeira parada do BiblioSesc foi o Bioparque da Amazônia, onde fica até o dia 29 (sexta-feira) como um espaço de leitura para os visitantes. Após, o caminhão segue para a escola Nancy Nina da Costa, localizada no bairro Zerão. Nessa segunda parada, tanto alunos e docentes quanto a comunidade local poderá realizar empréstimo de livros a partir do cadastro feito no ato da aquisição.

BiblioSesc – o projeto foi idealizado pelo Departamento Nacional do Sesc em 2005 e, em novembro de 2007, o Regional do Amapá recebeu uma unidade móvel. O caminhão do BiblioSesc percorre bairros periféricos e distritos de Macapá com o propósito de democratizar o acesso ao livro e à leitura e o desejo de chegar a locais onde inexiste biblioteca ou sala de leitura. Assim, visa suprir a carência de aproximar o livro das comunidades e escolas, através dos serviços de cadastro, empréstimo, consulta e devolução das publicações. Como resultado, o projeto espera alcançar mais famílias lendo, tendo contato com a leitura e, consequentemente, elevar o nível de conhecimento e entendimento de cada cidadão.

O reconhecimento do bairro que recebe a biblioteca itinerante acontece através de visita in loco da equipe de Cultura do Sesc, fazendo contato, na maioria das vezes, com os presidentes das associações de moradores do bairro e diretores de escolas públicas. Um dos requisitos para a permanência da unidade é que não exista nenhum foco de leitura.

SERVIÇO:

Retomada do projeto itinerante BiblioSesc
LOCAL: Bioparque da Amazônia
DATA: 22 à 29 de julho de 2022

Haynan Iago Araújo – Coordenador de Comunicação e Marketing
Cel/WhatsApp (96) 98115-7855
Jamily Canuto – Assessora de Imprensa
Cel/WhatsApp (96) 98115-7855
E-mail: [email protected]

Não descarte pessoas! Uma hora você pode ser descartado – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

Amo meus amigos com todas as minhas forças e como eu li dia desses, não sou anti-social, sou socialmente preguiçosa, e por conta disso os vejo pouquíssimo, mas procuro afagá-los, seja por um bom dia inesperado, uma ligação, um comentário em rede social ou do jeito que a oportunidade oferecer.

Falo isso porque já sofri rupturas bruscas de várias naturezas e não há sensação pior do que se sentir descartável. Quando falo descartável, me refiro, por exemplo, a uma pessoa com quem você tem um relacionamento sair um dia da tua casa dando tchau, amanhã a gente se fala e sumir. Modernamente chamamos de “ghosting”, o famoso “saiu pra comprar cigarros e nunca mais voltou”.

Porém isso também ocorre nas amizades. Não que eu seja uma pessoa carente, porque isso realmente eu não sou. Posso ser tola, mimada, manhosa, entre várias e várias coisas, mas amor não me falta, nunca me faltou e se Deus permitir e meu comportamento ajudar, jamais faltará! Mas fico incomodada, quando alguém com quem eu estava convivendo rotineiramente some.

Fico me perguntando se eu fiz algo para contribuir com essa “saída estratégica seja-lá-pra-que-lado-foi”, se a pessoa está ocupada, se tá precisando de ajuda, penso um monte de coisas. Minha cabeça é um parque de diversões 24h pros meus “Divertidamentes”, os seres que habitam minha cabeça e que são hiperativos e tomam todo tipo de estimulante como água e não me deixam em paz um minuto com pautas aleatórias e diversas, mas isso é outra e ótima história!

Por mais que dure pouco o tempo que gasto me perguntando o que aconteceu, acredito que é de bom tom, se existir afeto e respeito, claro, sempre que precisarmos nos ausentar da vida das pessoas, dar um “oi, vou dar uma sumida porque tô enrolada, mas a gente vai se falando!”. Ressalto que EU penso assim, pois jamais quero causar em alguém sentimentos que me causaram e me fizeram muito mal durante um tempo, mas a terapia me ajudou e entender que isso não é meu e nem sou eu. Enfim. Em tempos líquidos, onde tudo é muito intenso, frenético e fulgaz, cuide da água que te cerca, pois tudo o que se descarta pode não ser biodegradável, e de repente água contaminada, turva e cheia de resíduos não é segura pra mergulhar. E que Deus me livre de ser resíduo em oceanos alheios!

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Poetas Azuis levam recital sobre amor para Festival de Inverno de Garanhuns

O Amor Mora Aqui, recital criado em 2019 pelo grupo Poetas Azuis, foi selecionado para o 30º Festival de Inverno de Garanhuns – FIG. A apresentação do grupo amapaense está marcada para o dia 31 de julho, às 18h na Praça da Palavra. O FIG acontece no período de 15 a 31 de julho na cidade de Garanhuns no Agreste Pernambucano.

Com produção da Duas Telas Produtora Cultural, os Azuis, embarcam no dia 29 para Garanhus. Está será a primeira vez que o grupo se apresenta no Festival que reúne grandes nomes da cena artística nacional. A seleção ocorreu por meio de inscrição no edital de chamada pública realizada em abril.

Para este espetáculo os Poetas prepararam uma seleção diversa de poemas e canções, algumas que inclusive estarão no primeiro EP do grupo que será lançado no segundo semestre.

Poetas Azuis

É um grupo lítero-musical amapaense criando em 2012 com o intuito de promover o encontro da poesia falada e a poesia cantada através de seus recitais-shows. Tendo como seu primeiro grande projeto o recital Quando o Amor Florir. Já se apresentou em outros estados do Brasil e participou de festivais ligados a literatura e a música tais como: Off Flip, FLIMAR, FLIU e Música na Estrada. Além de circular por projetos apoiados pelo SESC como Viajando Pelo Mundo da Literatura e SESC Amazônia das Artes.

FIG

Após um hiato de dois anos, o Festival de Inverno de Garanhuns está de volta. A 30ª edição do FIG, ocorre de 15 a 31 de julho. Entre as atrações confirmadas, estão nomes como Gal Costa, Xamã, Pitty, Filipe Ret, Baco Exu do Blues, Nando Reis e Duda Beat. Este ano, o evento será ampliado, contando com mais de 800 atrações em 24 polos culturais espalhados pela cidade. Toda a programação do festival é oferecida gratuitamente ao público.

Assessoria de comunicação – Fotos: Eudes Vinicius

Movimento em defesa do livro ganha força no Amapá

Uma carta de compromisso para valorizar a leitura, a escrita e bibliotecas amapaenses será assinada na quinta-feira (28), às 17h, por dois representantes de lutas sociais e defensores a literatura no Amapá: os pré-candidatos Lucas Abrahão e Alzira Nogueira. O evento ocorrerá na galeria D’Paulo e Oliete, centro de Macapá. A ideia é discutir a necessidade da democratização do acesso a livros.

Diante dos retrocessos que a educação vem sofrendo, o Amapá entra no mapa da defesa da leitura. Com isso, o movimento – que tem envolvimento nacional – busca a garantia da implementação de políticas públicas eficientes, divididas em quatro eixos: – Cadeia Produtiva – festivais e Salões literários; – Cadeia Criativa – Escritores e Literatura Oral; – Equipamentos- Bibliotecas Públicas e Comunitárias; Mediadores de Leitura e Contadores de Histórias.

“É fundamental que os políticos e os pré-candidatos tenham esses compromissos bem firmados em suas plataformas”, explicou Angela de Carvalho, defensora e multiplicadora da leitura no Estado.

O movimento tem uma página na internet que está arrecadando assinaturas. Todos podem fazer parte! Acesse: https://www.change.org/p/carta-aberta-em-defesa-do-livro-da-leitura-da-literatura-e-das-bibliotecas.

Assessoria de comunicação

Mário Sérgio – O “Vesgo” – Crônica de Marcelo Guido

Crônica de Marcelo Guido

O futebol brasileiro  apresenta vários nomes todos os anos, poucos fazem história por várias rivais, sendo reconhecido por várias torcidas como gênio. Mário Sérgio Pontes de Paiva é sem dúvida alguma,  um desses singulares casos.

Cria da Gávea tinha tudo para despontar como mais um craque formado pelo celeiro que mostrou ao mundo Zico, Adílio e Junior dentre outros daquela geração de ouro, mas seu temperamento forte não o deixaram permanecer no time rubro negro.

Oriundo do futebol de salão, tinha uma técnica expirada, como um verdadeiro craque conduzia suas equipes sempre da forma mais ofensiva, muitas vezes fora acusado de ser “fominha”, por puxar o jogo para si e prender muito bola, mas de seu pé canhoto sempre saia algo espetacular, passes que rasgavam o tapete verde e encontravam atacantes ávidos por marcar gols.

Foram 13 camisas vestidas, treze torcidas apaixonadas, títulos nos principais campeonatos do Brasil, e o mundo conquistado em uma carreira de 18 anos  marcada por polêmicas e muito futebol.

Vestiu vermelho e preto na boa terra, e pelo Vitória levantou o campeonato baiano de 72, suas boas atuações o trouxeram de volta ao Rio de Janeiro, para ser uma das principais engrenagens da primeira máquina tricolor, e junto de Rivelino e Edinho levantaram o estadual de 75 e no ano seguinte o bi campeonato. Mas uma indisposição com o mandatário tricolor o fizeram vestir o alvinegro ainda em 76. Pelo Botafogo que tinha formado um senhor time “problemático”, mas bom de bola, com Dé, Renê e Paulo Cesar, esse escrete da estrela solitária foi apelidado de “Time Camburão” pelo jornalista Roberto Porto, que além de escriba também era um botafoguense dos bons.

Mário Sérgio chega para vestir  vermelho no sul do país, a pedido de ninguém menos do que de Falcão. No Internacional foi fundamental na conquista do nacional de 79 de forma invicta. Suas jogadas espetaculares faziam a festa de Bira e realmente o time sobrou em campo de forma absoluta naquele ano. Em 80 chegou a disputar a final da Libertadores, o título não veio, mas com a saída de Falcão para ser o Rei em Roma, tornou-se o principal jogador da equipe que ainda levou o gauchão de 81.

Sua idolatria conquistada por méritos próprios no Internacional não o impediram de vestir as cores do Grêmio, sua habilidade singular o fizeram ditar o ritmo do jogo mais importante da historia do time do olímpico,  O Vesgo, deixava os marcadores alemães extremamente confusos com seus passes, olhar para um lado e lançar para o outro, melhor jogador da partida foi Renato, mas pelos gols, claro o mais importante , mas Mário Sérgio foi sem duvida alguma o responsável central pelas jogadas que pintaram o mundo de tricolor em 83, foi apenas um jogo que trouxe a maior conquista do Grêmio de Futebol Porto Alegrense.

No “Grenal” da entrega das faixas, já em 84 vestindo vermelho novamente recebeu a faixa azul do mundial e foi aplaudido e ovacionado pelas duas torcidas, fato que mostrou toda sua idolatria no sul, ídolo marcante tanto de Colorados e Tricolores.

No Verdão, foi pego no doping depois de um jogo contra o São Paulo, onde vários jornalistas viram um certo Doutor Marco Aurélio Cunha, médico do São Paulo oferecendo uma famigerada “Soda Limonada” ao jogador, resultado positivo para cocaína lhe rendera um gancho de 6 meses. Mário ainda voltaria a mostrar seu bom futebol ao alviverde, mas o clima não estava mais como no começo e depois de uma passagem pelo Botafogo de São Paulo, o craque foi para a Suíça.

Depois do clima gelado dos alpes, o sol da boa terra novamente, agora vestindo as cores do Tricolor de Aço. Pelo Bahia, Mário já não conseguia acompanhar o ritmo dos outros jogadores, contusões e a idade já cobravam o preço e vestindo a 10, pediu para sair depois de um primeiro tempo na quinta rodada do brasileirão de 87, despediu-se dos jogadores, da comissão técnica e encerrou assim sua notável carreira de jogador profissional.

Mário Sergio, foi um dos melhores canhotos que o futebol brasileiro produziu, jogador diferenciado que por seu temperamento não jogou a copa de 82, substituído por Éder na convocação final, que deu tiros ao alto para assustar a torcida do São José, quando atuava pelo São Paulo, um dos primeiros casos de afastamento por doping no futebol nacional, mas nenhuma dessas manchas chega perto de suas conquistas dentro de campo.

O Vesgo foi sem dúvida um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos.

Mário Sérgio Pontes de Paiva se foi desse mundo no dia 28 de novembro de 2016 no acidente aéreo  que vitimou a delegação da Chapecoense a caminho da final da Copa Sul-americana.
       
*Marcelo Guido é Jornalista, pai da Lanna e do Bento e maridão da Bia, além de vascaíno.

Poema de agora: Sinal vermelho – Pat Andrade

Sinal vermelho

vejo a exaustão triste
nos ombros e nos olhos
do homem no semáforo

a fome é quem ajuda
a sustentar o cartaz

suas crianças sujas
se distraem com as moscas
não despertam afeto
simpatia ou compaixão

por trás do vidro fechado
impaciência e repulsa
disfarçam o olhar desconfiado

a crítica se manifesta
e se exalta indignada
mas não enxerga
um palmo além da imagem
diante do para-brisa

a miséria é coisa da TV
vai passar em algum canal

o sinal se abre
e o tráfego segue
seu fluxo normal

Pat Andrade

Borboletas são almas – Crônica porreta de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Há certas épocas do ano que os céus de Macapá se enchem de borboletas amarelas. São nuvens flutuantes que parecem seguir em direção ao sudeste da cidade, atravessando o rio. Milhões delas são vistas diariamente por todos os lugares da região buscando o seu rumo, pulsando a uma dança arrítmica e farfalhando as asas para suplantar os obstáculos que se antepõem na sua louca viagem em busca de calor. Sabe lá quanto tempo não ficaram em estado de larva, encerradas em seus casulos antes de serem belas ninfas a se transformam em insetos alados. Quanto tempo será que a natureza não lhes condenou à escuridão para que num só evento as libertasse abruptamente em suas novas formas? Os pitagóricos diziam que a borboleta era o símbolo da imortalidade, pois, proveniente de Deus e de sua natureza, não se atém estritamente ao invólucro carnal e não está sujeita à morte.

Curiosamente a língua grega usa uma só palavra – psyché – para designar tanto a alma humana como a borboleta. Muitas culturas de antigas civilizações a usaram como representação simbólica de suas crenças e religiões. É possível que a analogia da lagarta em seu estado de crisálida com o homem morto tenha nascido no Egito, pois os defuntos mumificados, enrolados em bandagens de betume e substâncias balsâmicas se assemelhavam a ela no se estojo de seda. O corpo humano não era mais do que o invólucro da alma, que escapa pela porta da morte, assim como a ninfa rompe a extremidade de seu casulo e desenrola suas asas, tornando-se borboleta.

Os primeiros cristãos também interpretavam esses fenômenos da mesma forma, e se fechavam para meditar no interior de celas de pedras de onde só saíam quando a alma estivesse pronta para empreender seu grande voo. Até hoje os ascetas do Himalaia se retiram para cavernas inacessíveis e durante anos só comem o estritamente necessário à sobrevivência para se tornarem gurus, comparando-se a si mesmos às grandes borboletas dos rios Ganges e Indo. Na mitologia japonesa os insetos são associados às flores e consequentemente à iluminação búdica.

A palavra borboleta (belbellita) é uma designação comum a insetos lepidópteros diurnos. Existem espécies noturnas como as mariposas, aquelas que voam ao redor da luz. Cristãos da Idade Média interpretavam a chama como a fêmea tomada de luxúria, atraente e falsa, que queima a mariposa, essência da vida. Essa idéia tem sua origem no mito bíblico da Queda, com Eva e o pecado original. A natureza e o sexo passam a ser corruptos, sendo a mulher a representação máxima do sexo e o próprio ser corruptor. Entretanto, o sufismo interpreta poeticamente o fenômeno ao dizer que a mariposa estaria tomada de amor divino pela chama, lançando-se ao fogo místico sem temer o aniquilamento de sua própria vida. A Mariposa esfinge que na nossa região é conhecida por “bruxa” traz superstições como a que ao entrar em uma casa significa prenúncio de morte de um dos moradores.

Esta semana as borboletas amarelas se despediram da paisagem macapaense. Uma ou outra ainda ficam perdidas solitariamente, mas antenadas à procura da luz, num tempo em que o sol se abre em solstício após deitar sobre a linha do equador e deixar sua aura de força sobre nossas cabeças. Da prisão do casulo ao vôo libertário em busca do fogo divino lá vão elas, iluminadas, celebrando a vida em sua essência cheia de energia, enquanto o sol começa um breve afastamento para descansar dos homens e de suas almas-borboletas.

Texto que deu origem a música “Panapanâ, a migração das borboleta”s, com melodia de Osmar Jr:

Poesia de agora: Explicação – Por @alcinea

Explicação

Vivo do ato de escrever
sobre tragédias
e espetáculos
sobre o candidato vitorioso
e o derrotado
sobre o deputado corrupto
e o governante que finge ser honesto
sobre a exportação da mandioca
e a importação da farinha
sobre a fome
e a riqueza
sobre o real
e o dólar.
Perdoa-me, Anjo,
não sobrou tempo
para escrever
um poema de amor.

(Alcinéa)

*Alcinéa é uma das grandes poetas e escritoras do Amapá, além de querida amiga minha. Este poema foi republicado por conta de hoje ser o Dia Nacional do Escritor. 

Hoje é o Dia Nacional do Escritor (minha homenagem aos confrades literatos) #diadoescritor

Na imagem, os escritores: Mauro Guilherme (in memorian), cronista e poeta falecido em 2021; Fernando Canto e Alcinéa Cavalcante (Imortais da Academia Amapaense de Letras);a escritora quilombola Esmeraldina dos Santos; e da nova geração, Lara Utzig, Pedro Stkls e Tiago Soeiro (os dois últimos conhecidos como Poetas Azuis).

 

Hoje (25) é o Dia Nacional do Escritor. O conceito diz: Escritor é o artista que se expressa através da arte da escrita ou, tradicionalmente falando, da Literatura. É autor de livros publicados, embora existam escritores sem livros publicados (chamados, por alguns, de amadores, mas não para mim).

A data foi instituída em 1960 pelo então presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), João Peregrino Júnior, e pelo seu vice-presidente, o célebre escritor Jorge Amado.

O Dia do Escritor, no Brasil, surgiu após a realização do I Festival do Escritor Brasileiro, iniciativa da UBE. O grande sucesso do evento foi primordial para que, por intermédio de um decreto governamental, a data fosse instituída com a finalidade de celebrar a importância do profissional da palavra escrita – profissão que, infelizmente, nem sempre tem sua relevância reconhecida.

Alcinéa Cavalcante e Fernando Canto. Dois imortais da Academia Amapaense de Letras, meus ídolos e queridos amigos. Foto: Flávio Cavalcante (também amigo escritor).

Hoje parabenizo os escritores que conheço e sou fã: Fernando Canto (para mim o melhor escritor do Amapá), o talentoso Paulo de Tarso, o genial Ronaldo Rodrigues, a fantástica Alcinéa Cavalcante, a doce Angela Maria de Carvalho, os impressionantes Lara Utzig, Marven Junius Franklin, Flávio Cavalcante, Mauro Guilherme (em memória), Kassia Modesto, Áquila Almeida, Arilson Souza, Aline Monteiro, Esmeraldina dos Santos, Gian Danton, Mayara La-Rocque, Amanda Moura, Tiago Quingosta, Luiz Jorge Ferreira, Leacide Moura, Renivaldo Costa, Maria Ester, Mary Rocha, Hernani Marinho, Mary Paes, Lorena Queiroz, Jô Araújo, Júlio Miragaia e Lulih Rojanski. Os poetas sensacionais Jaci Rocha, Pat Andrade, Annie de Carvalho, Bruno Muniz, Andréia Lopes, Carla Nobre, Hayam Chandra, os maravilhosos Poetas Azuis Pedro Stkls e Tiago Soeiro e o professor e poeta Carlos Nilson. Admiro muito todos vocês.

Também parabenizo grandes escritores amapaenses que não conheço pessoalmente, mas possuem grandes obras e contribuições expressivas para a literatura do nosso lugar no mundo. Deste grupo, em especial, o admirável Manoel Bispo, de quem sou fã, mas nunca troquei uma palavra. Minhas homenagens aos que viraram saudade há pouco tempo, como Gabriel García Márquez, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves e Ariano Suassuna. Também felicito os meus grandes e velhos amigos Victor Hugo, Mário Quintana, Fiódor Dostoiévski, José Saramago, Franz Kafka, Manuel Bandeira, Mário Prata, Machado de Assis, Luís Fernando Veríssimo, Charles Bukowski Friedrich Nietzsche, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, entre outros tantos, que me ajudaram a melhorar a percepção das coisas.

Com os escritores Pat Andrade, Fernando Canto, Ronaldo Rodrigues e Alcinéa Cavalcante. Amigos!!

Os exímios escritores, que com habilidade e criatividade usam as palavras e ajudaram a abrir cabeças e ensinaram pessoas a ler nas entrelinhas, são, como diz a minha amiga jornalista manauara Juçara Menezes, “máquinas pensantes para outros começarem a pensar”. De fato!

Quando perguntavam qual a minha profissão, dizia que “sou jornalista, assessor de comunicação e editor de um site. Mas que, um dia, gostaria de ser escritor”. Pois é, me tornei escritor e estou feliz com isso. Fiz a estreia nas antologias “Cronistas na Linha do Equador” e “61 Cronistas do Amapá”, lançadas em 2020. Sobre essas duas publicações, agradecimentos aos escritores Mauro Guilherme (saudoso amigo que fez a passagem há pouco tempo) e Alcinéa Cavalcante, querida amiga que sempre me apoia.

Também tenho dois livros publicados. São as obras “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias” (de 2020) e “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo” (2021). Eles foram os primeiros de muitos que virão, se Deus permitir. Agradeço sempre aos familiares e amigos que contribuíram  e foram fundamentais ambas as publicações da obra.

Voltando à data celebrada hoje, parabenizo ainda os jornalistas que escrevem crônicas e contos. A licença poética (da poesia marginal, claro) e liberdade de expressão me permitem dizer: o que vocês fazem é bom pra caralho!

Ah, aos que nunca conseguiram publicar seus livros, deixo o recado: continuem tentando, sempre!

Enfim, senhores escritores, meus parabéns por rabiscarem ou digitarem seus pontos de vista, histórias e estórias próprias ou de terceiros, causos, contos, devaneios, tudo com muita sagacidade, inteligência e humor. A nós, literatos imparáveis, desejo muita insPiração e um feliz Dia do Escritor.

Elton Tavares – Jornalista e escritor.

Gerúndio – Um pequeno texto quase Crônica, de Luiz Jorge Ferreira

Gerúndio… Um pequeno texto quase Crônica, de Luiz Jorge Ferreira

Eu ando muito puto com a morte…

Ligo para Macapá ela ameaça um dos amigos que junto comigo atuaram nos Cordões de Junho, peças folclóricas, de lendas e crendices populares da Amazônia.
Assisto o jornalismo da TV…um astro das novelas ou filmes se foi.
Sempre ela.

Não se pode mais viver em paz.
Não se pode fazer planos para o futuro…ali na frente 20 anos.
Suspendi comemorar aniversários, e se de repente ela chega, vinha buscar o vizinho em frente, mas ele saiu para o Mercado, ela ouve aquela conversa alegre, aquele tilintar de copos, e resolve tomar um copo de vinho, coisa que eu sei que ela gosta…esteve rodeando a Santa Ceia, mas foi expulsa pelo Arcanjo São Gabriel…

De repente ela entra em casa…os cães, os pássaros, as tartarugas, ficam imóveis, o gato Janjão, é o único que eriça os pelos, atribuindo isso ao fio descascado na parede… ela me avista, e me chama pelo apelido que possuía na escola…eu faço de contas que não escuto…e abro a porta da geladeira e me ponho atrás…


Com o controle remoto da TV na mão aumento o som.
A notícia que chama a atenção é de que um curto circuito, interrompeu uma festa de Aniversário, e o anfitrião atrás de uma porta de geladeira, foi atingido pela explosão.
Olho para a porta, ela saí sorrateira, lhe atiro o copo de vinho que tenho a mão…
Devia ter bebido antes…
Tarde demais para dançar um Tango…
Os que choram em torno do que restou do meu corpo…tomam café em silêncio.

Pequena linda resenha sobre o livro “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias” – Por Lorena Queiroz (@LorenaadvLorena)

Por Lorena Queiroz

É difícil fazer análise de uma leitura, escrita por pessoas que conhecemos a uma vida inteira. Digo isso porque corremos o risco de ser tendenciosos ou superficiais, pois podemos estar usando o véu da simpatia no nosso julgamento.

Semana passada, lendo o livro “Crônicas de Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, do Elton Tavares, concluí que não se trata disso. É um livro gostoso de ler. Uma leitura que rapidamente cria intimidade com o leitor. Não apenas pelos textos sobre o velho Penha (pai dele), bem como pela linguagem que sai diariamente das bocas de todos nós, mas pela sinceridade das emoções e como elas se expressam nos textos.

No título, “Em dias de chuva”, a gente consegue transitar pelas emoções, que foram comum à todos na infância. “As Mirandas” que encontramos na vida, quem nunca?. E, por fim, se você já ficou de bobeira no canto do Xodó, aprendeu a tomar um trago por ali, e não se encantou com o texto da página 45, então, meu amigo, é porque você não tem uma boa história pra contar.

* Lorena Queiroz é minha prima, mas sempre foi muito mais minha irmã mais nova e amiga pra tudo. A gente vive longe um do outro (ela mora no Sul), mas tá sempre dentro do meu coração (Elton Tavares).

Poema de agora: Corpo-saudade – Iana Ribeiro

Corpo-saudade

Você já pensou… onde no corpo que a gente sente a saudade?
Estava pensando…
às vezes nas pontas dos dedos
por causa do toque,
outras nos cabelos
por causa de um cafuné,
algumas na ombro
por ter um lugar para encostar a cabeça, tem vezes que é nas ideias
para ter com quem se expressar e
também para ficar em silêncio depois de uma boa conversa.
Ah! Tem saudade dos cantos da boca,
daqueles momentos que abrimos grandes sorrisos.
A saudade é o lugar da falta,
mas também da presença-ausente.
A minha saudade é tão sentida no corpo, mas não apenas no peito,
como alguns dizem.
No corpo viajante,
ela está dentro e na mochila,
como as lembranças.
Ela  toma o corpo todo.
Ah! A saudade
vai com a gente, por onde a gente for.

(Iana Ribeiro)
17/11/2021