Poema de agora: O Beijo – Lara Utzig (@cantigadeninar)

O Beijo

Como se um pedaço de mim se esvaísse
Em cada suspiro que solto por ti,
Como se minha alma se bipartisse
Em cada saliva que entrego a ti,

Sinto meus pés se elevarem do chão,
Sinto-me flutuar como em meditação,
Sinto a taquicardia de meu coração,
Sinto o latejar de nossos sexos em pulsação.

Como se meu espírito fosse uno com o teu,
Nossos lábios se encaixam perfeitamente um ao outro.
Como se teu corpo fosse o mesmo que o meu,
Nossa respiração se mistura em sinal de bom agouro.

Sinto o clamar de nossas bocas sedentas,
Sinto o palpitar de uma troca sincera e lenta,
Sinto o rebuliço das partes outrora amenas,
Sinto nosso beijo da forma mais plena.

Lara Utzig

Poema de agora: as bolinhas de sabão: … – @juliomiragaia

as bolinhas de sabão: …

as bolinhas de sabão:
incontáveis e
pequenas flores
aquáticas
que movem
velozes
tuas duas pequenas
asas:
teus-pés-a -correr

tuas duas pequenas
pernas (ou asas),
que ainda
não sei
serem canhotas ou destras,
escrevem breves- profundos-poemas
no chão da praça
de olhos-outubro

com tintas de sol
de grama e de terra,
tuas duas pequenas asas,
(os teus pés)
pisam
firmes,
apesar da verde
falta de força,
sobre as canções
que planam saxofônicas
atrás das bolinhas
que nada mais são
que pequenos
espíritos
de água
e sabão

São bolhas-espírito
que sopras
e assombras
e espantas
de dentro de mim
todas as doces, as loucas
e longas
chuvas e pedras

de solidão

Júlio Miragaia

 

*Para minha filha, Rafaela. Sobre uma manhã de domingo, na Praça da República em Belém do Pará (Júlio Miragaia).

Poema de agora: Emaranhado – Marven Junius Franklin

EMARANHADO

Um tempo fechado
– atitudes embaralhadas
com horas vagarosas
a espelhar tediosos autorretratos

(desaforos em prontidão
– segredos emaranhados com cachimbadas
de ódio e pitadas dadivosas de solidão).

No quarto … um eco
– Maria Aurora resignou:

sapatilha largada;
o livro de Kundera no pé da cama
e o voo acrobático pelo arrebol.

Marven Junius Franklin

Poema de agora: Vogal infrator – @juliomiragaia

Imagem Ilustrativa do Post: FEBEM // Foto de: PATRICIA SANTOS // Sem alterações

Vogal infrator

Nos becos líricos de uma Macapá
Marginais invadem palafitas de verbos
E baixadas de adjetivos

Os malaquinhos intransitivos
Fazem concordâncias nominais
E uma crase reféns

A PM gramatical negocia a rendição
Até que os infratores da norma culta
Se entregam

Passarão alguns meses
Na cartilha-cesein
Até fugirem com advérbios

E morrerão em troca de tiros
Com as reticências e as aspas
De uma facção rival

Júlio Miragaia

Poema de agora: Ode à impermanência – Jaci Rocha

Ode à impermanência

Às coisas impermanentes!
Perfeitas em movimento
As coisas fluídas
Que vão e se transformam ao sabor do vento

Que logo também se desfarão…

Eu brindo o instante, que é o ontem que se transformou
No agora
Que não se demora
Aquela linha acima, desfez…passou

Eu brinco com o instante
Esse sopro de luar, esse verbo em movimento
Que faz a curva delicada do coração se entrelaçar
De tanta leveza, sinto mesmo que posso voar….

E vou.

Eu sinto… o instante
É só o que posso ser
Entre o que passou e o agora
Tudo que importa

É ser e fazer valer.

Jaci Rocha

Poema de agora: Sol com Sétima – Luiz Jorge Ferreira

Sol com Sétima

Amo os Beatles.
Falta John…Falta George.
Abro a capa do Lp.
A tosse sai em direção às Gaivotas.

Encontro com eles em uma rua de Londres.
Um beco em Carapicuíba…um Gueto negro em Macapá.
O silêncio entre nós foge com o meu estalar de dedos.
E escondo o olhar de meus olhos dentro de um bueiro.
Estão quase nus…azuis…restos de Blues.
Mastigam alguns Sustenidos e Bemóis.

Além do Sol o sorriso de Paul.
A seriedade com que Ringo empina pipas com as cordas das guitarras, achando que saudade é coisa de Americanos do Sul.
Escondo na areia os vocais, sobre as manhãs eu derramo Ketchup e Mel.

Nascem as rugas sobre barbas por fazer.
Devoro o tempo com enormes goles de Whisky, e Café.
Escuto o farfalhar dos anos, e o tropel das décadas.
Desfolho os cílios, enquanto os jeans desbotam.
E envelheço em meio aos Outonos que estão uns trapos.

Luiz Jorge Ferreira

*Osasco. 08.04.2021.São Paulo. BRASIL.

Poema de agora: EXÍLIO – Patrícia Andrade

EXÍLIO

era por causa do poeta
que havia orvalho nas folhas
e por causa dele o mar se agitava
por causa dele o outono vinha
e o vento segredava mistérios

o poeta existia
para que as flores
se abrissem
e a madrugada derrubasse estrelas
para que o sol
invadisse as casas
e secasse lágrimas
de um abandono

o poeta existia
para que nas noites de insônia
viessem os vagalumes
e para que as auroras trouxessem sorrisos

o poeta existia
para que o amor
pudesse transbordar sua fúria
e depois descansar
em alvas camas
e para que a ternura
brotasse em mãos calosas

o poeta existia
para que os homens pudessem
beijar à distância
para que desejos
fossem saciados
para que a saudade
pudesse apenas ser
e para que toda a música
fizesse dançar a tarde

mas era tão duro o mundo
e tão cegas e surdas as pessoas
que um dia o poeta se foi

e ninguém percebeu

Patrícia Andrade

Poema de agora: Isolamento psicossocial – Ramon Tavares

Isolamento psicossocial

Em frente à pandemia
Um “Burnout” se cria

Meu castelo sob vigia
Vem à mente a exaustão

Isso traz um medo tirânico
Gerando a Síndrome do Pânico
Atacou meu império hispânico
Me ajoelho para a guerra cessar

Quando tudo se torna nada
Vem a Ansiedade Generalizada
Corro até a sacada
Chegou a vez de gritar

Nem sei quantos problemas são
Depois que vem a Depressão
A mente insiste que não
Volto ao quarto a rezar

Acordo no chão
Nem sei a direção
Parece tudo normal
Terceira noite de isolamento psicossocial

Ramon Tavares

Especialista em finanças lança livro para orientar financeiramente mulheres para a Maternidade

“Às vezes, a vontade de ser mãe vem acompanhada de uma falta de coragem para se planejar financeiramente”, essa é uma das percepções da planejadora financeira, Rosielle Pegado em seu mais recente trabalho literário, o livro “Maternidade e Finanças”. A especialista conta que planejar a chegada do bebê é essencial e destaca duas fases importantes: a preparação que é o momento de gestação e o nascimento da criança.

Rosielle expõe que fortes emoções ligadas a decisão de compra podem alterar o sentido de direção do enxoval, alvo fácil aos fortes apelos comerciais que envolvem a maternidade. “É comum os pais ficarem mais sensíveis às propagandas ligadas às crianças e quando percebem compram muito mais que o necessário para o bebê. Eu também já cometi vários erros financeiros na minha primeira gestação”, comenta.

Para orientar às famílias quanto ao planejamento desse momento tão especial a planejadora financeira escreveu o livro Maternidade e Finanças. “Minha mudança ocorreu quando eu decidi alinhar meu planejamento financeiro com os meus objetivos. Morei 5 anos na Alemanha com minha filha mais velha e lá pude vivenciar uma transformação financeira consistente, passei de fato a escolher o que era importante e deixei de lado vários desejos que não faziam sentido nenhum para o meu momento de vida”, confessa.

O livro será lançado dia 10 de abril de 2021 por meio de uma live nos canais de comunicação da autora, mas já pode ser encontrado pela site https://loja.rosiellepegado.com/product/maternidade-e-financas/

Dividido em 11 capítulos, a obra literária contém tópicos que tratam desde o plano financeiro para cuidados com a alimentação, rede de apoio, plano de saúde, exames e até os direitos trabalhistas desta fase. “Essas etapas fazem parte da gestação e todas envolvem custos”, finaliza Rosielle.

Flávia Fontes
Jornalista e Consultora de Comunicação
19 99299-7436
@flaviafontescomunica

Resenha do livro “Torto Arado”, de Itamar Vieira Júnior – (Por Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena)

Por Lorena Queiroz

Torto Arado é uma obra recente e publicada pela primeira vez em Portugal. O livro também foi o ganhador do prêmio LeYa em 2018, vindo posteriormente a ser publicado no Brasil. Esta obra de Itamar Vieira Júnior já tem cheiro e jeito de clássico.

O enredo trata das vidas de uma família composta por pessoas fortes. Pretos, mulheres e homens que carregam ainda o orgulho e o fardo de sua ancestralidade. O pai desta família é Zeca chapéu grande, marido da guerreira Salu e, curandeiro que emprestava seu corpo como cavalo nas noites de Jarê, religião de matriz africana, mais especificamente um candomblé de caboclo, exclusivo da Chapada Diamantina. Zeca é filho de Donana, mulher forte que sobreviveu a três maridos e que, transmitia aos seus a força que era evocada nas horas difíceis. Zeca, Salu e Donana são, respectivamente, pai, mãe e avó de Bibiana e Belonísia, personagens que, sob sua ótica, a trama irá se desenrolar. O livro ainda conta com uma terceira personagem narrando, mas disso evitarei falar, pois seria um spoiler bem desagradável.

As irmãs Bibiana e Belonísia cresciam em uma fazenda no interior do sertão brasileiro. Certo dia, as irmãs ainda crianças, mexem em uma mala velha onde sua vó Donana guardava alguns pertences. Lá encontram uma faca que, não era guardada por Donana como um mero souvenir, aquele objeto guardava uma importância e simbologia para aquelas pessoas, mesmo que elas ainda não soubessem disso. A curiosidade das irmãs, mediante ao metal brilhante encontrado na mala, causa um acidente, deixando muda uma das irmãs. Assim, as meninas selam um pacto silencioso, onde uma seria a voz da outra.

O mais interessante neste livro é que ele não precisa em que época a trama se passa. Em algum momento você faz um cálculo, pois, Zeca chapéu nasceu apenas trinta anos após a abolição da escravatura. O mais estarrecedor é que, independente de você se localizar ou não no tempo histórico, você se depara com uma realidade que ainda perdura nos tempos atuais. A família de Zeca chapéu grande morava em uma fazenda chamada Água Negra. As pessoas dessa comunidade viviam em situação análoga à escravidão, não recebiam salário ou alguma folga. Os fazendeiros “cediam” parte da terra para que, quem lá quisesse viver, construísse sua casa e cultivasse seu sustento. Ocorre que, o cobrado em troca era trabalho duro no cultivo das terras do fazendeiro. Moravam em casas de barro, proibidos de construir casas de tijolo, pois assim não se fixariam no local.

Então, de tempos em tempos, tinham que erguer outra casa, pois as enchentes e a ação do tempo, deterioravam as casas de barro. Estas pessoas quase não tinham tempo de cultivar na terra o seu sustento, a vida difícil que consumia a saúde e antecipada a velhice. Passavam por longos períodos secas e enchentes, que se alteravam como uma dança de má sorte. Sorte essa que era pedida que se afastasse através das súplicas aos encantados. E quando conseguiam fazer brotar da terra o que comer, os fazendeiros, através de seus empregados, efetuavam saques nas casas destas pessoas. Em determinado momento, quando há um questionamento sobre a posse da terra, fica muito claro no trecho as injustiças que ainda estão incrustadas em nossa sociedade: “Que chegou um branco colonizador e recebeu dádivas do reino. Chegou outro homem branco e foram dividindo tudo entre eles. Os índios foram sendo afastados, mortos, ou obrigados a trabalhar para esses donos da terra. Depois chegaram os negros de muito longe, para trabalhar no lugar dos índios. Nosso povo que não sabia o caminho de volta para sua terra, foi ficando”. Dentro deste panorama é impossível não lembrar Rosseau quando disse que, “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro homem que, tendo cercado um terreno, disse: isso é meu. E encontrou pessoas suficientemente ingênuas para respeita-lo. Quantos crimes, guerras e assassinatos, misérias e horrores teria evitado à humanidade aquele que, arrancando as estacas desta cerca tivesse gritado: não escutem este impostor, pois os frutos são de todos e a terra é de ninguém. “

Somos convidados não só a refletir sobre como se deu de forma injusta a posse de terras, como também perceber essa população que nunca teve permissão da sociedade para sair da escravidão. Índios expulsos de suas terras que se unem aos pretos sequestrados para trabalhar e servir aos ladrões das citadas terras roubadas. Outro trecho que esclarece com muita precisão essa condição : ” Os donos já não podiam ter mais escravos, por causa da Lei, mas precisavam deles. Então, foi assim que passaram a chamar os escravos de trabalhadores e moradores. Não podiam arriscar, fingindo que nada mudou…Passaram a lembrar para seus trabalhadores como eram bons, porque davam abrigo aos pretos sem casa”.

Este livro mostra uma parte esquecida do país que, apesar de fazer parte de suas entranhas, é veementemente desconhecida ou ignorada por uma boa parcela da população. Sei que é incômodo à algumas pessoas, lembrar que, talvez a casa onde mora, o terreno que habitamos, foi roubo em sua origem. Lá no começo, quando o sujeito achou de cercar tudo e acabou por fazer raiva a Rosseau. Ou talvez seja mais incômodo ainda, pensar que boa parte da população preta e indígena se encontram entre os mais pobres por questões que vigoram desde nossa colonização. Mas esse é um povo forte, acostumados ao sofrimento que seus ancestrais e descendentes carregam, tais como bambus que vergam mas não se quebram, carregando através dos tempos sua religião, suas crenças e seus costumes. Teimando em não deixar suas raízes morrerem como vítimas do preconceito.

Não, caro leitor, minha intenção não é deixá-lo deprimido ou culpado, ao contrário, quero que você sinta o que eu senti lendo esta obra, quero ainda, apenas parafrasear Belchior : ” Eu quero é que este canto torto,feito faca, corte a carne de vocês. “

* Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site.

Poema de agora: Retrovisor – Ori Fonseca

Homem Velho com a Cabeça em Suas Mãos, de Vincent van Gogh (1882).

RETROVISOR

Agora que estás só, alquebrantado e exangue,
Que a vida se te vira a face transtornada,
Responde ao precipício que te espera ao Nada:
Que solo de batalha devorou teu sangue?

Tua cara apavorada em rugas de desgosto
Escondes entre as mãos ossudas e sem tato,
E tentas encontrar no mofo do retrato
Se lembras a cor da água que banhou teu rosto.

Mas tua imagem de vigor ficou perdida
Na sopa densa a amalgamar tempos e espaços,
Na esmola de teus dias que te são escassos,

No tempo que te espera à porta de saída,
No ocaso, olhando o Sol, retrovisor da vida…
Que areia eternizou tua vil lembrança em passos?

Ori Fonseca

Malhando os malhadores (Crônica porreta de Ronaldo Rodrigues)

Semana Santa. Sempre que chega esta data fico pensando no sentido de justiça de certas pessoas. Elas pegam Judas e fazem o diabo com ele. Malham o cara de todo jeito. Dizem que é a única forma de fazê-lo pagar pelo crime de ter traído Jesus. Isso é o que mais me preocupa. Se tudo já estava escrito, segundo a própria Bíblia, qual é a culpa de Judas? Se há culpa, é de quem escreveu.

Prefiro acreditar que Judas foi um elemento para que a história se cumprisse da forma que se cumpriu. Judas foi um aliado de Jesus e agiu daquela forma para que tudo saísse segundo o roteiro do Todo (Todo é como chamo o Todo-Poderoso na intimidade). Ora! Parem com esse negócio de associar o nome de Judas à traição. E parem de fazer essa justiça esquisita que comporta todo tipo de torpeza que vocês veem no cara, que condenam nos outros, mas que em vocês é aceitável.

Traidores são vocês! Traidores da palavra de Deus! (vocês são quem vestir a carapuça). Na verdade, sou a favor da reabilitação de todas as figuras malditas da Bíblia, pelo mesmo motivo: não foram elas responsáveis por seus destinos. Como dizem os árabes: maktub! (estava escrito!).

Portanto, Judas, Caim, Lúcifer, Barrabás, Pilatos, Herodes etc. devem ser vistos como personagens desempenhando seus papéis. Aí algumas pessoas dizem que há o livre-arbítrio, que esses personagens poderiam ter tomado outro caminho. E como ficaria a palavra do Todo?

Na verdade, os cristãos (a maior parte deles) confundem tudo. Esse papo de dizer que Jesus morreu para nos salvar acho exagero e injusto com o cara. Cada um tem que fazer por si, pela sua salvação, e não achar que está tudo bem, bastando ir à igreja rezar que – abracadabra – estamos salvos. Muito confortável, não acham?

Agora vou me despedir porque tem uma multidão de fanáticos correndo atrás de mim querendo me linchar. E olha que eles nem leram esta linhas. É que estou com barba e cabelo grandinhos e estão me confundido, claro, com Judas. Por que não me confundem com Jesus Cristo? Ah, daria no mesmo! Só que, em vez de me linchar, eles me colocariam na cruz. Ó my God!

Ronaldo Rodrigues

O Perdão – Por Rohane de Lima

Por Rohane de Lima

Durante muitos anos fui professora das aulas de Ética na Universidade. Sempre busquei sair do campo da Deontologia e ir mais pro espaço da História das Ideias, pro campo da Filosofia. Com o surgimento da Agenda 21, conseguimos incluir como disciplina , dentro do Módulo de Introdução às Ciência Agrária a disciplina Ética para a Sustentabilidade. Tudo isso me fez ler muito sobre épocas em que a humanidade teve que passar por mudanças de paradigmas… nunca imaginei que viveria o suficiente para tamanha angústia…

O Mundo em que vivemos está de cabeça pra baixo, não existem certezas, não existem dúvidas, não existe ordem… instala-se o Caos. O medo passa a ser um sentimento prevalente, pois a bolha pessoal, de cada um, encontra-se ameaçada. O Mundo, tal como o conhecemos parece estar no fim, parece estar ruindo diante de nosso ser sobressaltado. E o Novo, o Mundo que vai nascer, ninguém consegue saber como será. Ninguém sabe se estaremos prontos pra ele, se seremos capazes de construí-lo, se conseguiremos nos adaptar ao novo! Novo? Que novo será este que nossa imaginação não alcança? Parece que nossas referências, onde sempre nos ancoramos já não conseguem nos fazer sentir que estamos seguros, já não funcionam…!

Os mais conservadores resistem tentando manter o velho mundo a todo custo, os que tem a mente um pouco mais aberta se desesperam, porque acreditam que o novo virá mas também padecem do desespero do fim, pois toda crença não passa de uma crença! E tudo, tudo nos mantém em altos níveis de estresse.

Ávidos olhamos pro Céu e pedimos ao Pai que nos mostre o caminho da estabilidade, da certeza – no máximo, alguns conseguem ter esperanças, outros continuam em desespero! Parece que o Pai não responde, não nos ouve… talvez! Vou sugerir que em lugar de olharmos para o Céu (O Pai) olhemos para a Terra (A Mãe)! Afinal, o Pai definiu os princípios, os caminhos da vida, os valores de permanência, e Ele fez isso desde a criação, há muito tempo. Dizem que até nos mandou O Filho!!

A Mãe, a Terra que nos acolhe, o útero e o Coração Materno do Criador, de quem recebemos a matéria primordial, é ela que vem tentando nos educar. Olhemos para dentro, pois que somos Terra, olhemos para as nossas águas (emoções, sentimentos, sensações), olhemos para o quanto nos ferimos, para o quanto tem de cada um de nós nesse Caos!! Tentemos perceber o tanto que nos afastamos da Mãe que nos carrega até hoje; o quanto temos ferido a vida, ao desvincularmos nossas necessidades daquelas que a Mãe nos supre. Quanta energia temos desperdiçado para sermos diferentes, para sermos indivíduos intocáveis e únicos? Quantos esforços temos desprendido para não nos importarmos com a Grande Mãe que, concretamente, é o único Presente que a Vida nos deu?

Tudo isso nos tornou indivíduos autônomos, independentes, fortes! Mas também nos tornou apegados a matéria inútil, nos tornou centrados demais no ego. A grande consequência foi o afastamento, o distanciamento que tomamos uns dos outros, foi o olhar para o outro pela diferença que humilha, que exclui.

Assim, cada dia mais distantes da Mãe, daquela que nos gerou e que, ainda hoje nos embala, fomos perdendo os sentimentos de equidade, de pertencimento, de compaixão. Nos tornando doentes. E doentes, formos perdendo a cada dia, geração após geração, os vínculos que nos identificam como Filhos e Filhas da Terra, fomos esquecendo a cada dia que fomos feitos do barro, que somos pó e de que ao pó voltaremos.

Auto-suficientes, independentes, fomos preenchendo os vazio da alma com consumo de mercadorias, de tecnologias, de drogas lícitas e ilícitas, fomos criando a ilusão de que uma Mulher, ou um Homem nos bastariam, que os filhos preencheriam nossas vidas, que nossos pais seriam eternos, que seríamos eternos para nossos filhos… fomos cada vez mais nos iludindo com a falsa estabilidade da matéria vazia de vida… até que a exclusão, que fazíamos de conta que não existia, que a solidão de quem se basta foi se tornando tão grande, tão imperativa, a ponto de não podermos mais receber visitas, visitar os que amamos, abraçar e beijar amigos, comungar do mesmo espaço, da amizade, da comensalidade…!

Não podemos mais sair nas ruas, passear nas praças, ir à praia sem medo do invisível (porque do visível já tínhamos pavor). Não podemos mais ver os sorrisos e nem sorrirmos, pois ninguém mais verá nosso sorriso.

O Mundo Velho está se decompondo junto com as ilusões de que o ser Humano, que o indivíduo é soberano sobre a Terra. O Mundo Velho precisa morrer…

Que Mundo estará nascendo?

Que mundo construiremos?

Seremos capazes de nos adaptar?

Nessa Sexta-feira da Paixão de Cristo, dia do Perdão das Ofensas, peçamos perdão a todos, peçamos perdão a Terra, peçamos perdão a Vida e esperemos (com Fé) que tenhamos a chance do auto perdão para que possamos construir e desfrutar (com alegria) do Novo.

*Rohane de Lima é amapaense, professora universitária que trabalhou por anos no Pará e hoje reside no Rio de Janeiro.
**Contribuição de Fernando Canto.

Poema: Onde Bate Meu Coração – Patrícia Andrade

ONDE BATE MEU CORAÇÃO

meu coração bate
em muitos lugares

numa praia bonita e distante
na praça vazia do Largo do Carmo
na casa antiga daquela esquina
na rede dentro do barco
nas vielas da Cidade Velha
na marquise do teatro

meu coração bate
em tantas rodoviárias
nas mesas dos piores bares
nas feiras amanhecidas
na sarjeta da Riachuelo
no Bosque Rodrigues Alves

meu coração bate junto
com o de cada companheiro
que lutou ao meu lado
meu coração bate alto
na passeata
pulsa junto com a massa
pelas ruas da cidade

meu coração tem batido triste
e em descompasso
no meu peito
em cada vida perdida
em cada hospital
em cada cova
em cada leito

meu coração
machucado
ainda bate

nesses dias tenebrosos
uma coisa me consola
a lua que vejo agora
é a mesma que os camaradas – irmãos meus
olham também a esta hora

Patrícia Andrade