Meus amigos de Liverpool – Crônica (memória fictícia) de Ronaldo Rodrigues – Republicada por hoje ser o Dia Mundial dos Beatles

Crônica (memória fictícia) de Ronaldo Rodrigues

Tudo começou em 1963, quando conheci o John. Ele era meio maluco, falava muito e estava sempre a fim de fazer alguma coisa: montar uma banda de rock, formar um grupo de apoio social ou reunir uma galera boa para invadir um pub e roubar toda a cerveja. Pois foi uma banda que nós resolvemos montar.

Ele apareceu uma vez com um cara que tocava muito, o Paul. Depois, o Paul trouxe outro cara que tocava demais, o George. Tínhamos então eu no vocal, John na guitarra base, George na guitarra solo e Paul no baixo. O Pete, que era nosso baterista, não ficou muito tempo e logo apareceu um tal de Ringo, que já desfrutava de um certo sucesso.

Fizemos umas pequenas turnês, já angariávamos algum prestígio e muita gente curtia nossas músicas. A maioria era de minha autoria, mas o John e o Paul brigavam tanto por serem as estrelas principais que abri mão da minha participação e deixei os dois assinando as músicas, mesmo que várias delas fossem minhas.

Gravar um disco ainda era um sonho muito distante, mas entrou em cena outro cara, o Brian, que surgiu atraído pelo sucesso que fazíamos no pequeno circuito em que transitávamos. Ele já tinha todos os macetes e sabia, como se diz hoje, o caminho das pedras. Antes que o Brian tomasse conta do grupo, eu resolvi sair. Era muita correria: compor, ensaiar, gravar, cumprir a exaustiva agenda de shows… Ufa! E, também, a minha timidez não combinava com o estrelato. A vida pacata que levei desde então foi o suficiente para mim.

Voltei para minha pequena cidade e segui minha carreira de ilustre desconhecido, bem mais quieta do que a vida de celebridade. Aquela banda se tornou mesmo um sucesso mundial e eu passei a colecionar recortes de jornais com shows e entrevistas daqueles amigos que eu havia deixado em Liverpool e que logo depois se mudaram para Londres. Jamais revelei a alguém minha ligação com a banda.

Depois que os rapazes conquistaram o mundo, a banda se dissolveu. Os fãs diziam que o fim foi cedo, que ainda havia muita música boa para vir à tona. A maioria dos fãs culpava a nova esposa do John pelo fim. Outros diziam que o Paul queria a liderança a qualquer custo e isso desgastou a relação. A minha opinião, que não foi pedida por ninguém, é que as coisas boas, para terem existência completa, precisam mesmo acabar. Começo, meio e fim: esta é a fórmula.

Meus amigos de Liverpool continuaram fazendo sucesso em suas carreiras solo, o tempo passou e o período em que fiz parte daquela banda ia ficando nos desvãos mais recônditos da memória. Até que, certa manhã, ao abrir o jornal, fui despertado do meu resto de sono pelo barulho ensurdecedor de vários tiros e a manchete que jamais esperei ler algum dia, a notícia crua, a frieza do assassino. As lembranças voltaram dolorosamente: os óculos redondos, o humor sardônico, as passeatas pela paz mundial. E aquela data ficou para sempre sangrando em mim: 8 de dezembro de 1980. Mas quem vai acreditar nisso?

*Republicada por hoje ser o Dia Mundial dos Beatles. 

Futebol e “arte”: a estátua feiona do Bira na esquina do estádio Glicério Marques

Estátua em nada lembra o saudoso Bira

Que estátuas visam prestar homenagem a pessoas ilustres, todos sabemos. Afinal, preservar memória e reconhecer talentos é essencial para a história de qualquer comunidade, cidade ou país. Também temos a ideia que arte é sinônimo de beleza, certo? Infelizmente, nem sempre. Como hoje, 15 de janeiro, o Estádio Glicério Marques completa 74 anos (com crônica sobre aqui), lembrei que um dos maiores do futebol amapaense, Ubiratan do Espírito Santo, o popular Bira, que faleceu aos 65 anos, em setembro de 2020, foi “homenageado” com uma estátua na esquina do Estádio Glicerão, em 2023.

O problema é que o monumento divide opiniões, pois, para mim e para a maioria das pessoas que conheço, o monumento não tem nada a ver com o Bira. Sério. A estátua, com dois metros de altura, nem de longe se assemelha ao artilheiro falecido.

O Bira jovem, quando jogador (que “ins- Pirou” a escultura)

A escultura, que remete a um homem negro, forte e com cabelo Black Power (características que o Bira tinha quando ainda brilhava nos campos de futebol do Brasil) é estranhíssima. E esse é comentário de todos que conheceram o nosso artilheiro.

E não é nada contra o artista, que tem talento reconhecido no Amapá. Inclusive, com seus trabalhos diversas vezes divulgados aqui (é só ler). Pois ele já fez coisas fantásticas, como as estátuas do professor Munhoz e professora Zaide ficam no Largo dos Inocentes, atrás da Igreja São José. Ou quando ajudou a eternizar figuras históricas do marabaixo. Isso pra citar apenas esses trampos, entre outros brilhantes. Entretanto, este não retrata sua genialidade.

Porém, nem sempre acertamos. Não é toda vez que EU escrevo algo que preste (aliás, muitos podem discordar deste texto). Mas como estamos aqui para aplaudir, incentivar, entre outras paideguices em relação a arte, esporte, história e memória amapaense, também temos direto de tecer críticas quando a coisa não fica bacana.

Mais sobre o Bira

Bira começou no Esporte Clube Macapá, mas o Fernando Canto disse que eles jogaram juntos no Flamenguinho do Laguinho. Foi campeão de quase tudo que disputou como amador e profissional.

Bira passou pelo Paysandu, de Belém-PA, mas foi um dos maiores (se não o maior) artilheiro da história do Clube do Remo, também de Belém, e campeão brasileiro invicto com o Internacional de Porto Alegre-RS, em 1979. Ele passou por vários times: Atlético-MG, Juventus-SP, Náutico-PE, Novo Hamburgo-RS, Brasil de Pelotas-RS, Aimoré de São Leopoldo-RS, Tiradentes-PA e encerrou a carreira no Vila Nova, de Castanhal-Pa.

Bira era amigo do meu saudoso pai, Zé Penha. Tive o prazer de conviver com ele em um período da minha vida, entre 2004 e 2009, e rir bastante dele e com ele, pois o cara era engraçadão, bem-humorado, boa praça e muito gente fina.

Ou seja, uma estátua para eternizar a memória do saudoso craque amapaense está longe de capturar a essência do artilheiro. No entanto, o que se vê naquela esquina é uma caricatura malfeita, que contrasta drasticamente com o que deveria ser: um testemunho tangível da admiração e gratidão por um atleta que elevou o futebol amapaense.

Em resumo, o monumento é bizarro. O centroavante raçudo de muita força física, que trombava com zagueiros e fazia muitos gols, não deve ter curtido, lá nas estrelas. Só que isso nada apaga o legado de Bira, que sempre continuará com a sua chama acesa nos corações daqueles que celebram o esporte e a história do Amapá.

Elton Tavares, jornalista, escritor, fã de futebol e amigo do saudoso Bira

Hoje é o Dia Mundial do Compositor – Meu texto em homenagem

Arte: Hellen Cortezolli

Hoje é o Dia Mundial do Compositor. Música é primordial, ela tem o poder de nos emocionar. Tenho uma inveja de quem toca, compõe ou canta.Já disse o genial escritor Friedrich Nietzsche: “Sem a música, a vida seria um erro”.

O Dia Mundial do Compositor foi instituído no México em comemoração à fundação da Sociedade de Autores e Compositores do México (SACM), em 1945. No entanto, a data somente foi oficialmente celebrada no mundo a partir de 1983.

Eu com Enrico, Geison, Wedson (os irmãos castro), Rebecca, Naldo, Alan, Val, Joãozinho, Ricardo e Helder.

O conceito diz que: “compositor é um profissional que escreve música. Normalmente o termo se refere a alguém que utiliza um sistema de notação musical que permita a sua execução por outros músicos. Em culturas ou gêneros musicais que não utilizem um sistema de notação, o termo compositor pode-se referir ao criador original da música.

Nesse caso, a transmissão para outros intérpretes é feita por memorização e repetição. Em geral, o compositor é o autor da música e, como tal, é o detentor dos direitos autorais. Atualmente as composições musicais são defendidas pela legislação de direitos autorais.

Com Finéyas, Zé, Patrick e Canto

Existem editoras especializadas em música e o compositor ou detentor dos direitos da composição recebem royalties sempre que uma nova gravação comercial ou execução pública é realizada”.

É. Pessoas que escrevem e compõem as trilhas sonoras de nossas vidas, principalmente os meus heróis da música local, nacional e gringa, além dos compositores meus amigos como: Fernando Canto, Ricardo Pereira, Val Milhomem, Zé Miguel, Lula Jerônimo (em memória), João Amorim, Lara Utzig e Ana Martel.

Com o saudoso Lula, Larinha, Rico Blues Man e Ozy

E, ainda, Wendril Rodrigues, Rebecca Braga, Ruan Patrick, Raoni Holanda, Naldo Maranhão, Joãozinho Gomes, Enrico Di Miceli, Alan Yared, Roni Moraes, Wedson Castro, Geison Castro, Fineias Nelluty, Ricardo Iraguany, Marcão Franco, Ozy Rodrigues, Helder Brandão, Jean Carmo, Zezinho, entre tantos outros compositores talentosos do Amapá.

Vocês são foda! Meus parabéns pelo Dia do Compositor. Desejo ainda mais sucesso a todos!

Elton Tavares

Por um Teatro Municipal (*) – Crônica de Fernando Canto – @fernando__canto S

Teatro das Bacabeiras – Foto: Alex Silveira

Crônica de Fernando Canto

Há tempos a ideia de criar o Teatro Municipal causa grande expectativa nos meios artísticos macapaenses. Artistas com quem conversei disseram que o projeto vinha ao encontro de suas aspirações, principalmente agora que a cidade cresceu e que a maioria deles já tem consciência de que precisa valorizar cada vez mais seus trabalhos. Alguns já vêm desenvolvendo comercialmente suas atividades a partir da realização de cursos de empreendedorismo, que também os obriga a vender bons produtos. O teatro municipal é um sonho de muito tempo. A prefeitura tentou comprar o ex-cine Macapá em 2001 com esse propósito, mas infelizmente as negociações não avançaram. Agora é notório o aumento do mercado de bens culturais e estável o circuito de produtos culturais como teatros, bibliotecas e auditórios, em Macapá.

Para os artistas o teatro do município não só desafogaria a pauta do Teatro das Bacabeiras como daria apoio aos produtores culturais para desenvolverem seus trabalhos. Ao funcionar em consonância com a política cultural do município, o teatro daria ênfase às ações populares como espetáculos teatrais abertos ao público, shows com ingressos mais baratos, além de outros projetos internos que pudessem facilitar o desenvolvimento da arte, por meio de debates, reuniões de trabalho, simpósios, festivais e, sobretudo, com o processo educacional ao lado disso tudo, onde não se furtaria também a constante e imprescindível formação de plateia.

A criação e a implementação do teatro, antes de ser uma decisão que viria beneficiar os segmentos artísticos das artes cênicas e da música, é um princípio que norteará ações tais como o estímulo à formação cultural da população e dos agentes culturais do município. Sua configuração e funcionamento deverão ser regidos dentro dos padrões da política de cultura municipal, o que deverá possibilitar o acesso da população a esse bem cultural, de forma democrática, levando em conta a diversidade cultural, linguagens, identidades e formas de expressão do nosso povo.

No bojo dessa construção o maior interessado é o cidadão, aquele que goza dos bens e serviços efetuados pelos poderes públicos, dos direitos civis e políticos e do desempenho dos deveres para com ele. Este, então, é um princípio necessário ao desenho e à consecução de uma política cultural contemporânea: o dever das instituições políticas e administrativas para com o cidadão, considerando que ações governamentais devem ser feitas para todos e não só para uma elite. É papel importante o de ofertar produtos de acesso garantido ao cidadão, ávido de consumo de arte. Acesso físico e acesso econômico a produtos de boa qualidade.

É bom lembrar que quando falamos em cidadania e cultura estamos diante de abstrações, de conceitos, de uma ideia sobre as coisas. Assim o acesso, aquele que dignifica o cidadão, quer simplesmente dizer ingresso, entrada, chegada, aproximação, alcance de coisa elevada ou longínqua. Entretanto não se pode deixar de registrar que a palavra “acesso” também carrega um conceito de fenômeno patológico ou psicológico que é o chamado “ataque de raiva”, ou impulso, que é uma reação do cidadão ou da cidadã que não vê atendido o seu direito de cidadania.

Da nossa parte cantamos a melodia dos artistas com o mesmo entusiasmo porque acreditamos que um teatro para ser popular e de boa qualidade deve ofertar bons produtos, divertir, unir e corporificar os valores culturais de uma sociedade organizada, de uma sociedade plena de direitos e deveres satisfeitos, de uma sociedade cidadã.

(*) Publicado no JD, em 2007. Mas ainda não temos o tal teatro.

 

Inteligência primordial – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Sabe esse negócio de Inteligência Artificial? Pois é! Estou a fim de entrar na era da Inteligência Primordial, a primitiva, aquela que dispensa o uso de aplicativos. Funciona assim: vamos nos desligando. No falar deste tempo, nos desapegando desses produtos que nos deixam conectados.

Eu comecei deixando de ver televisão e tudo o que nela tem: noticiário, futebol, novela, reality show, programa de auditório, talk show… Hoje não vejo filmes, séries, podcast, stand-up, esse tipo de coisa. Minha ideia é entrar em total estado de comunhão com a natureza.

Me libertar, ainda que eu nunca tenha sido preso a isso: influencers, coachs, pastores eletrônicos ou outras malandragens, picaretagens desse naipe.

Muitas coisas me interessam, mas não estão na internet. Estão ao meu redor, sem que haja uma tela entre nós.

Pode-se dizer que eu esteja desligando os aparelhos e morrendo aos poucos. Mas pode muito bem acontecer que, daqui a um ano, mais ou menos, eu esteja me comunicando por telepatia. Sim. Retorno às raízes, tudo isso.

Retorno ao primitivo, ao intuitivo. A comunhão com o planeta, dispensando a vulgaridade de parte da população que o habita, deixando apenas a essência das pessoas que valem a tentativa. Os momentos libertados de selfies, lives, likes e essa porra toda.

Inteligência Primordial. Pensem nisso. Vou terminar citando o beatle John: “Você pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único”. Imagine tudo isso!

Amadurecer pelas ruas de Belém – Por Dulcivânia Freitas – @DulcivaniaF – (publicado hoje em razão dos 408 anos da capital paraense)

Foto: Celso Lobo – Alepa.

Por Dulcivânia Freitas

Durante 10 anos amadureci nas ruas de Belém. Quando se trata de falar sobre a Belém dos anos 1990, me gabo em dizer que sou de casa. Deixei a cidade há quase 18 anos, mas mantenho laços afetivos fortes, que me dão a honra de contar com guarida em várias residências. Tenho ciúmes de Belém, tomo as dores de Belém. Hoje, com um olhar de turista, aponto vários desafios. Mas, se perceber preconceito regional, fecho a cara e reajo com direito a sotaque paraibano.

Belém sabe se defender. Diante de uma lente fotográfica, é fotogênica e faceira. O povo de fora sabe bem dessa habilidade de Belém, é só buscar na web para comprovares. Por sinal, essa conjugação perfeita do verbo na segunda do singular eu aprendi em Belém. Percebi essa beleza na linguagem oral do povo de Belém logo ao desembarcar na cidade, em 16 de abril de 1996, às 20 horas. Sim, era véspera do massacre de trabalhadores sem-terra em Eldorado do Carajás, e eu não tinha noção da importância desse tema.

Foto: Bruno Cecim – Agência Pará

O saudoso taxista, seu Leonardo, sereno no seu chamativo chevette vermelho, me levou direto para a Igreja da Conceição, na Cidade Velha, onde o saudoso e generoso padre David Larêdo me aguardava. Me apresentei com um diploma de jornalista, nenhum medo, muito calor e uma valentia que se esvaiu nos últimos anos. Os primeiros passeios, roteirizados pelo Larêdo, foram o terminal petroquímico de combustíveis no Miramar, onde ele ressaltou que o fluxo de movimentações, em Belém e no Pará quase todo, dependia do perfeito funcionamento das operações naquele lugar. Neste momento conheci também a Praça Brasil e a inesquecível sorveteria Tip Top, onde degustei sabores que nem imaginava existirem.

Amigos da Paraíba comentaram que Belém era uma cidade de comidas esquisitas e recomendaram experimentar com boa vontade. A mente e o coração ficaram tão preparados, que tem dias que não sei se estou vivendo ou temperando frango com tucupi e jambu. Meu Deus, perdoa a soberba por ter a sorte de conhecer o que é açaí de verdade, sem leite condensado. Porém, contudo, pupunha foi um dissabor à primeira vista. Quem tomar um café comigo vai saber detalhes dessa história e vai me dar razão. Comentei com os parentes que chopp em Belém era barato demais. Sabe nada, inocente. O chopp dos paraenses é o dindim dos paraibanos. Ainda como parte das memórias – cada vez mais são lampejos – lembro que arregalei os olhos diante do prédio suntuoso de O Liberal. Não houve deslumbramento patético, mas fiquei contente por trabalhar num lugar espaçoso, chique e cheiroso.

Foto: Celso Lobo – Alepa.

Passar a viver em Belém foi o equivalente a nascer de novo. O que eu trazia em comum com o belenense era somente a moeda e a língua. Foram quatro semanas para aprender a soletrar Ananindeua. Obrigada aos envolvidos pela paciência. O novo, na parte assustadora, me mostrou uma Belém toda pichada. Em relação aos aluguéis, não existia bom e barato na mesma frase, era chegada a hora de me embrulhar nos classificados do jornal, procurando moças para dividir custos de moradia.

No trabalho, caí de paraquedas diante de sumidades do mundo artístico paraense, que se espantavam quando eu lhes perguntava o nome. Em Belém, meu rosto ganhou as primeiras rugas. Surgiram os primeiros fios de cabelo branco. Estava em Belém quando passei a chamada de senhora. Viver em Belém, com o passar de alguns anos, finalmente me fez sentir-me no contexto da Amazônia. Aprendi a valorizar a cultura e o conhecimento amazônida. A amar ainda mais a chuva. Curti as ondas de rio em Mosqueiro, uau, que impressionante. O carimbó é um capítulo à parte. Pensei que jamais na vida me emocionaria com outra dança que não fosse o forró. A expectativa era encontrar na cidade espaços temáticos sobre o carimbó, sua história, exposição de instrumentos, folderes, shows com frequência. Já temos?!

Belém me preencheu de amadurecimento profissional, paixões e experiências pessoais transformadoras. Belém me revelou uma parte bonita e “invisível” do Brasil. Décadas depois me valho dos versos de Celso Viáfora para expressar minha inquietação “será que o Brasil nunca viu a Amazônia?”. Sempre soube que Belém é a cidade do Círio de Nazaré. Mas marquei as férias de 1997 justamente para outubro, e não entendi a estranheza dos meus colegas. Mas depois de 1998 a ficha caiu, porque vivenciei pela primeira vez a grandiosidade do “Natal dos paraenses”.
Este ano, voltei às ruas de Belém. Comecei a caminhada pela avenida Nazaré e paralelas. Fotografei mentalmente paisagens feitas das belas mangueiras, limo nas calçadas, bancas de revistas que incrivelmente sobrevivem, o tacacá, os velhos ônibus de sempre. Muita gente sorridente. A melancolia deu as caras ao sentir falta do grande Cinema Nazaré (1 e 2). De rua em rua, na próxima viagem a Belém chegarei ao bairro da Pedreira, onde vivi 9 dos meus 10 anos em Belém. Ouso me achar uma pedreirense, com pouco samba, mas muito amor. Tenho certeza que a COP 30 trará articulações para aprimorar Belém. Meus parabéns e minha gratidão!

* Dulcivânia Freitas é jornalista. 
**Publicado originalmente no jornal O Liberal de 12/01/2024

Marcelo Sá gira a roda da vida. Feliz aniversário, mano “Vampiro”!

Sempre digo aqui que gosto de parabenizar neste site as pessoas por quem nutro amizade. Afinal, sou melhor com letras do que com declarações faladas. Acredito que manifestações públicas de afeto são importantes. Neste décimo segundo dia de janeiro, gira a roda da vida o amigo Marcelo Sá. Fico feliz pelo seu ano novo particular, pois o “Vampiro” é porreta!

Marcelo é um maluco das antigas, skatista presepeiro, safo, viajante e competente Guia de Turismo. Um cara experiente na área, articulado, inteligente e sempre aberto ao diálogo; batalhador do turismo amapaense, ainda que com muitas dificuldades. Ele está sempre antenado com o que acontece neste setor. Mesmo nascido e criado em Macapá, Sá conhece todo o Estado. Em Oiapoque, desde o Parque Nacional Amazônico da Guiana Francesa à foz do rio Oiapoque, Saint George e Camopi.

Marcelo também é um doido gente fina, tranquilo, prestativo, às vezes sem noção, mas sempre porreta. Além de brother da galera. Eu e Vampiro nunca andamos juntos, mas sempre nos encontramos nos locais mais legais e com as pessoas mais paid’éguas. Nem sei desde quando somos amigos e muito menos como isso aconteceu. Só sei que gosto do sacana.

Marcelo, mano velho, que teu novo ciclo seja ainda mais firmeza. Que sigas com a sabedoria e coragem que te é peculiar. Que tudo que couber no teu conceito de sucesso se realize. Que a Força esteja contigo. Saúde e sucesso, sempre. Parabéns pelo teu dia, brother. Feliz aniversário!

Elton Tavares

Ciclos – Crônica de Rohane de Lima

Crônica de Rohane de Lima

Só uma mulher que nunca tomou anticoncepcional sabe a maravilha que é Trepar no Cio!

Trepar, sentir tesão, transar… pra isso não tem data, todo dia é dia, basta estar bem consigo e se permitir ao Corpo. Mas… Trepar no Cio… Se for com Amor, melhor ainda, se esse amor é bom de cama, se ele sabe o que é uma Mulher no Cio, Não há nada nesse Mundo que se compare a isso. Se sua companhia sabe o que é uma Mulher no Cio, existirá o Tempo sem relógio, existirá o Espaço que antecede e transcende ao Tempo .

Não há poeta, ou poetiza, romancista, roteirista e escritor pornô, homem/ mulher que descreva tamanho transbordamento em nenhum idioma. O Manifestado é sempre Indescritível!

Quando a Mulher passa a ter consciência de seus ciclos e os relaciona com a própria Libido, vai superando essa “necessidade” de fazer sexo todos os dias, e – mesmo se a relação for novidade e cheia de descobertas, quando o desejo vai muito além do corpo… o desejo de conhecer a alma, de penetrar e transbordar segredos e idiossincrasias se mistura e se alterna com o desejo de conhecer e desvendar o desejo do outro, o corpo do outro e como o seu corpo reage ao corpo do outro.

Ainda assim, existe a prevalência dos ciclos, e se a gente vai muito além, começa a ter medo do vazio do outro, pq esse vazio vai revelar o nosso próprio vazio! Então a gente sente a necessidade de recolher-se, de acolher-se, preencher-se de si, para o novo florescer, o novo Cio, o renascer de cada mês. Como esse enternecimento, esse auto acolhimento, esse recolher-se “nunca” foi respeitado pelas sociedades humanas (antes do Patriarcado, os registros são controversos, por isso o “nunca”) muitas de nós desenvolvemos a TPM, a fúria insana que, infelizmente, só foi temida como Chacota.

Nosso sangue passou a ser visto como algo sujo, a ser rejeitado, nosso corpo passou a ser visto como impuro, nosso orgasmo foi visto como algo assustador e além daquilo que esperavam do nós: dar herdeiros aos homens, produzir trabalhadores para o Mercado. As mulheres que não aceitaram isso, as que perceberam previamente o nosso encarceramento moral, rebelaram-se e então viramos bruxas, possessas endemoniadas. Hoje as coisas mudaram: somos histéricas, feias, machudas, bruacas, desequilibradas e estamos com TPM, ou com falta de homem.

Perdoai-os Avós, Mães, Filhas, Netas, eles não sabem o que dizem, o que fazem, e nem por que pensam e sentem dessa forma. Eles não sabem o que perderam, o que perdem, o que perderão! Penso e sinto que, ainda hoje, a maioria dos Homens nunca assistiu, nunca compartilhou esse transbordar-se, pq estão desatentos, ou olhando para os seus vazios, enquanto os nossos vazios transbordam; enquanto a Deusa em Nós se faz Presente.

Depois desse viver a própria morte, também perdem as cenas em que respiramos profunda e suavemente, onde sorrimos sozinhas e saímos do corpo entre cantos e piruetas! Acho que deve ser porque eles precisam entregar-se aos seus esgotamentos nos braços de Morpheu.

* Rohane de Lima é amapaense radicada no Rio de Janeiro. Ela é engenheira agrônoma e professora aposentada da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
** Contribuição de Fernando Canto.

Feliz aniversário, Esmeraldina dos Santos!

Gosto de parabenizar amigos em seus natalícios, pois declarações públicas de amor, amizade e carinho são importantes pra mim. Além disso, o Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Esse texto, além de ser uma felicitação, é um momento de reconhecimento. Quem gira a roda da vida neste décimo primeiro dia de janeiro é a escritora Esmeraldina dos Santos e fica aqui nossa homenagem para essa amiga e autora de quem sou fã.

Sempre fui um jornalista comprometido com a cultura da minha terra e entusiasta da boa literatura produzida no Amapá. Esmeraldina é um exemplo pra mim, que também sou escritor e para outros aurores mais jovens, pois ela possui trabalhos literários de sua autoria.

Ela é também dançadeira de marabaixo do Grupo Raízes do Bolão, poeta, artesã e sambista. Sem dúvidas, uma artista que representa a cultura viva do Amapá.

Esmeraldina dos Santos, que nasceu no bairro do Laguinho, em Macapá, mas é moradora do Quilombo do Curiaú, também na capital amapaense, tem 61 anos. Ela é filha de Maximiano dos Santos (tio Bolão) e Francisca Santos (tia Chiquinha), ambos nascidos no Curiaú e reconhecidos mestres da cultura popular do Amapá já falecidos. A escritora estuda pedagogia e tem nas histórias de seus ancestrais sua principal fonte de inspiração. Por meio da produção literária revela a importância da valorização da cultura negra no estado.

Esmeraldina despertou para a literatura após voltar a estudar, depois de adulta. Repetindo a tradição de negros amapaenses que descreviam seu cotidiano nos “ladrões” (versos) de Marabaixo, ela escreve o dia-a-dia da família e de seu povo em livros e contos.

Não à toa, dá nome ao Troféu Esmeraldina Santos, prêmio que tive a honra de receber de suas mãos, durante o II Edição do Festival Literário de Macapá (Flimac), em 2023.

Dona Esmeraldina, querida amiga, que teu novo ciclo seja ainda mais paid’égua. Que sigas com sabedoria, coragem e que tudo que couber no seu conceito de sucesso se realize. Que a Força sempre esteja contigo. Saúde e sucesso sempre. Parabéns pelo teu dia e feliz aniversário!

Elton Tavares

Inspirações no Bar: literatura marginal, birita e produção cultural

Luiz Jorge Ferreira, Fernando Canto, Elton Tavares e Lorena Queiroz entram em um bar. O ambiente esfumaçado, à meia luz é frequentado pelas melhores e piores companhias. Assim que o boteco é bom. Ao som de um bandolim, violão ou guitarra, entre uns goles e outros, eles confabulam sobre seus aventuras e desventuras. Fazia anos que marcaram esse encontro etílico para falar sobre a literatura marginal mútua que compartilham há anos no site Blog De Rocha. Os dois primeiros citados, poetas. E os últimos mencionados, cronistas. Tá, tudo bem, são todos contistas.

Fernando também escreve crônicas. Lorena produz resenhas literárias e Luiz entoa textos poéticos. Eu, Elton, além de redigir meus devaneios, sou o jornalista que publica todos eles. Enfim resolveram batizar parte dessa produção em um livro que se chamará “Antologia Bares”. A obra é fruto da vivência dos quatro em levantar muitas taças de vinho, tomarem umas e outras em excesso em suas famosas e longas bebedeiras. Conversas essas com leve embriaguez ou excessivamente bêbados.

De volta ao ponto, a literatura marginal possui o papel fundamental de dar voz às experiências muitas vezes esquecidas ou marginalizadas pela sociedade convencional. Dentro desse universo, as histórias e estórias de bar emergem como uma expressão autêntica das vivências cotidianas permeadas por humor, relatos, aventuras e desventuras. Esta forma de narrativa não apenas resgata a essência das relações humanas, mas também desafia as normas literárias tradicionais, que oferecem uma visão crua e autêntica da realidade.

Sem nenhuma apologia ao alcoolismo, mas a maioria dos intelectuais bebem. E muito! “Para conviver com os tolos um homem inteligente precisa beber”, disse Hemingway. Claro que o goró estimula a criatividade, é só lembrar dos fascinantes papos que batemos durante uma simples reunião etílica.

Conhecidos cachacistas épicos são geniais e respeitados escritores. Bons exemplos são: Truman Capote, Vinicius de Moraes, Jack Kerouac, F. Scott Fitzgerald, Edgar Allan Poe, Ernest Hemingway e icônico biriteiro Charles Bukowski. Também mestres da Literatura daqui que foram e são chegados numa birita, como os fantásticos Alcy Araújo, Isnard Lima e Fernando Canto.

Na obra dos quatro escritores, os bares, com sua atmosfera descontraída e propícia ao encontro de pessoas das mais diversas origens, se tornam palco para uma rica tapeçaria de experiências humanas. As narrativas que nascem nesse ambiente exploram a complexidade das relações interpessoais, oferecendo um retrato sincero e, muitas vezes, humorístico da condição humana. O humor, em especial, torna-se uma ferramenta poderosa nas mãos dos escritores marginais, permitindo uma abordagem crítica e irreverente diante de temas sensíveis e tabus.

Ao contrário da literatura convencional, que muitas vezes busca a idealização e a formalidade, as histórias de bar na literatura marginal celebram a autenticidade. Elas capturam as nuances das experiências cotidianas, expondo as alegrias efêmeras e as tristezas profundas que se entrelaçam nos encontros e desencontros humanos. Essas narrativas, ao invés de romantizar a vida, optam por desnudar a realidade, enfrentando as contradições e os desafios de forma visceral.

As aventuras e desventuras contadas em meio a copos de cerveja ou doses de destilados transformam-se em metáforas poderosas para a condição humana. Os personagens dessas histórias, muitas vezes excluídos pela sociedade, ganham vida própria e representam uma resistência à marginalização literária. Ao explorar as profundezas emocionais de personagens comuns, a literatura marginal revela uma riqueza de histórias que, de outra forma, permaneceriam no anonimato.

Além disso, as histórias de bar na literatura marginal desempenham um papel importante na desconstrução de estigmas e preconceitos. Ao expor as camadas mais íntimas das vidas dos personagens, essas narrativas desafiam os estereótipos, proporcionando uma compreensão mais profunda e empática das diversas realidades que coexistem à margem da sociedade.

Em síntese, as histórias e estórias de bar enriquecem o panorama literário ao oferecer uma perspectiva autêntica e diversificada das experiências humanas. Elas desafiam convenções, celebram a singularidade das vivências cotidianas e, acima de tudo, proporcionam um espaço para vozes antes silenciadas. Essa abordagem única e irreverente contribui para a construção de uma literatura mais inclusiva, que reflete a riqueza e a complexidade da condição humana em sua forma mais crua e honesta.

Em meio à penumbra aconchegante, as risadas se misturam com o tilintar dos copos, desdobram-se histórias singulares que transcendem o simples ato de beber. Nesses espaços, onde a cultura se insinua entre as conversas entrecortadas, a literatura encontra um lar peculiar, um terreno fértil para suas sementes germinarem.

Não temos fotos com o Luiz Jorge. Montagem feita enquanto o encontro etílico não rola, pois vale o improviso.

No livro, eles criam um microcosmo efervescente de experiências. Ao adentrar nesse universo, somos recebidos por uma sinfonia de vozes, cada uma delas contando sua própria história, como capítulos de um livro inacabado. Na mesa, as páginas se desdobram em diálogos intensos e confissões sussurradas ao pé do ouvido. Tudo ganha vida ao sabor de um gole de cerveja ou vinho.

E assim, o bar se converte em um epicentro cultural, onde a literatura é mais do que palavras impressas; é um eco das vidas que ali se entrelaçam, uma sinfonia de experiências que ressoa entre as estantes de garrafas e os murmúrios da clientela. Onde a bebida, além de aquecer gargantas, aquece almas e fertiliza a produção cultural, fazendo de cada noite um capítulo memorável na efêmera epopeia de um boteco qualquer.

É assim, como disse a Lorena (que já bebeu até com Zaratustra): “o Tratado Noturno em uma mesa de bar” ou Canto, quando entoado, afirmou que Bar é uma Antena Social. Bem que o Luiz Jorge previu esse encontro, quando em um conto, disparou: “… e que havia recebido um telefonema de Macapá dos escritores Fernando Canto, Elton Tavares, Lorena Queiroz, porque haviam tido notícias sobre o Bar Cochilo, e vinham a mim convidar para escrever alguma coisa sobre ele, tendo em vista que havia morado em Macapá e haveriam de publicar um Livro sobre estórias de Bares…”. E rolou mesmo. É isso!

Elton Tavares

Quem é o cantor? – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Ilustração de Ronaldo Rony

Crônica de Ronaldo Rodrigues

Ele gostava de cantar. Era apaixonado pela arte do canto. A arte do canto é que não dava a mínima para ele. A arte do canto o deixava no canto. Não gostava nada daquele aspirante a cantor, cujos únicos talentos eram a persistência e a cara de pau.

Seus amigos o evitavam para não serem obrigados a escutar aquele repertório surrado e pessimamente cantado. Mas ele insistia. Cantava e depois perguntava:

– Vocês acham que essa música foi bem executada?

Como ele não poupava os amigos, estes também não o poupavam:

– Gostamos muitíssimo. Principalmente da parte em que acabou. Achamos que a música foi mesmo executada, sem dó nem piedade. E se não tivesses parado de executá-la, o executado serias tu.
– Tudo bem, pessoal. Não se pode agradar a todo mundo.
– Mas desagradar a todo mundo pode. E tu consegues!

Ele não ligava para as críticas. Na verdade, ligava sim. Achava que as críticas tinham o poder de elevar a sua vontade de se consagrar na música. Pensava que as opiniões, mesmo as menos favoráveis, faziam um cantor amadurecer a sua arte. Novamente, os amigos opinavam:
– A tua arte já está amadurecida, quase para cair. Aliás, já apodreceu!

Fugindo à regra, essa crítica o abalou. Ele resolveu pedir a opinião materna:

– A senhora acha que eu sou um artista chato?
– Claro que não! Tu és só chato, não artista!

Sua mãe se arrependeu de ser tão direta e tentou consolá-lo:

– Fica triste não, filho! Ainda irás fazer muito sucesso. O Oscar Niemeyer começou a carreira assim.
– Oscar Niemeyer? Mas ele era arquiteto!
– Pois é. Ele tentou a música, viu que não tinha nada a ver, foi para a arquitetura e arrebentou!

Mesmo com todo esse incentivo, ele se inscreveu no The Voice Brasil. Assistiu a várias edições anteriores do programa e achou que dava para ganhar no grito:

– Eu só vejo o pessoal gritando lá. Basta gritar que eu levo, pelo menos, o terceiro lugar ou um contrato com alguma gravadora.

Realmente, ele estava certo. A gritaria tomou conta. Ele entrou no ritmo e gritou também. Mas se ele queria levar alguma coisa do programa, levou: muita vaia.

Nas canjas dos bares, ele marcava presença, sempre suportando o sarro dos amigos:

– Leva Chão de Giz?
– Levo!
– Então leva pra bem longe que ninguém aguenta mais!

– Leva Canção da Despedida?
– Levo!
– Mas é a canção da tua despedida!

– Leva Manu Chao?
– Levo!
– Então, mano, tchau!

E as gargalhadas não paravam. Os amigos entoavam trechos de músicas para que ele se tocasse:

– “Apesar de você…”.
– “A noite vai ser boooaa…”.

A gota d’água (não, não me refiro à música Gota d’Água, do Chico Buarque) foi numa noite dessas. Ele subiu ao palco para mais uma canja e disse o que muitos cantores de bar dizem:

– Vocês têm algum pedido a fazer?
Uma voz de bêbado gritou lá do fundo:
– Sim! Coloca um vinil pra rolar!

Desistiu de uma vez por todas. Sacou que já tem muita gente que não canta nada brilhando nas paradas de sucesso e fazendo carreira. Atualmente, ele se dedica a cantar garotas, repetindo o mesmo sucesso que fazia na música.

Centenário de nascimento do poeta Alcy Araújo – Texto de Fernando Canto

Fernando Canro e Alcy Araújo – Foto: Blog da Alcinéa

Texto de Fernando Canto

Hoje, dia 08 de janeiro de 2024, Alcy Araújo nascia do município paraense de Peixe-Boi. Mas foi aqui no Amapá que realizou suas utopias, fabricou sonhos e vislumbrou grandes especulações que iriam beneficiar o povo amapaense que tanto amou em vida e nos seus escritos imorredouros. Alcy era imortal da Academia Amapaense de Letras, cujo patrono é o jornalista Mendonça Júnior, jornalista como ele. A sua cadeira é ocupada atualmente pela jornalista e também poeta Alcinéa Cavalcante, filha dele.

Até hoje o poeta Alcy Araújo vive no imaginário dos escritores e leitores que queriam ser como ele. Nós da AAL, que o reverenciamos sempre, criamos para este ano o “Concurso de Poesia Alcy Araújo”, como uma forma de homenagem ao seu centenário. Alcy nos deixou em 1989, mas sua permanência é um fato espiritual que inspira a todos pela beleza única de sua literatura.

Abaixo o texto sobre os 50 anos de publicação do seu primeiro livro, o “Autogeografia”. Preferi deixa-lo na íntegra, pois este era o quadro quando foi escrito.

TRIBUTO A ALCY ARAÚJO PELO SEU “AUTOGEOGRAFIA”

Cinco escritores amapaenses realizaram ontem uma homenagem sui generis ao cinquentenário de lançamento do livro “Autogeografia”, do poeta Alcy Araújo. Esse livro foi o primeiro do mais importante autor que passou pelo Amapá, lançado em julho de 1965.

A homenagem foi feita exatamente às 12h00, em quatro pontos da cidade e sob o monumento Marco Zero do Equador, quando todos leram ao mesmo tempo trechos da obra Alcyniana. Os escritores escolheram esse momento místico para fazer a leitura de textos do livro a partir de quatro lugares da cidade, em direção ao Marco Zero do Equador, a fim de realizar uma Pirâmide Mental direcionada ao vértice desse extraordinário ponto de convergência, receptor de energia astral da cidade de Macapá, que tanto o poeta amava.

Alcy Araújo foi pioneiro do Território Federal do Amapá e aqui trabalhou como jornalista e servidor público, exercendo altos cargos no decorrer de sua vida profissional. Como escritor incursionou pelo campo da poesia, do conto e da crônica, entre outros. Era compositor e chegou a ganhar festivais de música por aqui. Mas foi a poesia que lhe marcou definitivamente e de forma gloriosa a sua carreira. Boêmio e amigo de todos, Alcy influenciou dezenas de poetas em suas criações, desafiando-os a produzirem e se aprimorarem. Era conhecido nas rodas boêmias como “Tio” Alcy. Deixou uma quantidade incontável de textos e poemas que precisam ser publicados e divulgados, pois sua poesia não perde a atualidade.

O Amapá tem o dever de preservar a memória criativa e cultural dos seus escritores, a fim de que eles possam ser conhecidos pelas novas gerações e pelas vindouras. O livro “Autogeografia” merece urgentemente uma reedição, bem como os outros livros que o poeta chegou a publicar como “Poemas do Homem do Cais” e “Jardim Clonal”. Seus contos e crônicas e contos precisam ser reunidos e estudados, entretanto nem a Universidade nem os setores culturais oficiais mexem sequer um dedo para reacender essa memória escrita, preferindo a cultura de massa em detrimento da nossa formação intelectual.

Poetisa Alcinéa Cavalcante, filha de Alcy Araújo, no Marco Zero do Equador – Foto: Fernando Canto

A pirâmide é o símbolo da ascensão. Ela, invertida sobre a ponta, é a imagem do desenvolvimento espiritual: quanto mais um ser se espiritualiza, mais sua vida se engrandece, se dilata à medida em que ele se eleva. Do mesmo modo no plano coletivo: quanto mais um ser se espiritualiza, maior é a sociedade de seres personalizados na vida dos quais ele participa. Convergência ascendente, consciência de síntese, a pirâmide é também o lugar de encontro entre dois mundos: um mundo mágico, ligado aos ritos funerários de retenção indefinida da vida supratemporal, e um mundo racional, que evocam a geometria e os modos de construção. Na pirâmide há, ainda, uma pulsação dinâmica que pode ser vista como o símbolo matemático do crescimento vivo, expressão esta que melhor exprime o simbolismo da pirâmide. Atribui-se a Hermes Trimegisto uma ideia análoga: o cume de uma pirâmide simbolizaria o Verbo demiúrgico, Força primeira não engendrada, mas emergente do Pai e que governa toda coisa criada, totalmente perfeita e fecunda.

O ato realizado pelos cinco escritores não objetivou caracterizar uma liturgia mística ou religiosa, mas uma ação respeitosa àquele que foi nossa maior referência poética e que precisa ser reconhecido cada vez mais pelo que fez e pelo legado intelectual e artístico que deixou. Os escritores foram: Manoel Bispo, Fernando Canto, Paulo Tarso Barros, Osvaldo Simões e Alcinéa Cavalcante (filha do poeta).

Uma forte emoção tomou conta de todos os cinco participantes na hora de realização do ato piramidal e poético, com a leitura dos textos abaixo. Em setembro, por ocasião do Equinócio da Primavera, novo ato será realizado, desta vez com a participação de grupos poéticos e teatrais.


MENSAGEM – (Alcy Araújo)

O mar está ficando cada vez mais distante.
Já quase não divulgo o cais enevoado
que o mar vai levando
e o navio desapareceu em direção
ao outro lado do hemisfério,
deixando meus olhos inertes, sem lágrimas,
dentro da paisagem estacionária do espelho.
………………………………………………………………………………………….
Voltarei a me encontrar com o Mundo.
E, quando terminar este descanso, Amada,
será chegada a hora bíblica de enviar,
por um verso em demanda,
uma mensagem de encorajamento
ao povo nascente que habita
a terra em formação
na Latitude Zero.

TEXTO 2.

Estou nu, como o sou diante do meu Anjo, desde a minha inauguração até o agora. Amanhã, talvez, terei mudado. Metamorfose ou metempsicose. Mas aí estas palavras e estes carinhos terão passado, por ser só este pouco o muito pouco que posso oferecer: o meu humílimo gesto de poeta.

A você, poeta Alcy Araújo, a nossa gratidão!

FERNANDO CANTO
PRESIDENTE DA ACADEMIA AMAPAENSE DE LETRAS

Reverência ao poeta Alcy Araújo (que faria 100 anos hoje) – Por Fernando Canto – @fernando__canto

Hoje – Centenário do nascimento do poeta e jornalista Alcy Araújo – Fotos: Blog da Alcinéa

O Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Sou fã de escritores, compositores, músicos, poetas e artistas. Por conta disso, republico aqui o texto do escritor Fernando Canto, em homenagem ao poeta Alcy Araújo, que faria 100 anos hoje, 7 de janeiro (Elton Tavares).

Reverência ao poeta Alcy Araújo

Por Fernando Canto

Alcy Araújo foi um dos nossos mais importantes poetas, e intelectual militante da cultura. Ele foi pioneiro do Território Federal do Amapá e aqui trabalhou como jornalista e servidor público, exercendo altos cargos no decorrer de sua vida profissional. Como escritor incursionou pelo campo da poesia, do conto e da crônica, entre outros.

Era compositor e chegou a ganhar os primeiros festivais de música realizados em Macapá. Mas foi a poesia que marcou definitivamente e de forma gloriosa a sua carreira. Boêmio e amigo de todos, Alcy influenciou dezenas de poetas em suas criações, desafiando-os a produzirem e se aprimorarem. Era conhecido nas rodas boêmias como “Tio” Alcy. Deixou uma quantidade incontável de textos literários que precisam ser publicados e divulgados, pois eles não perdem a atualidade.

Seus livros “Autogeografia” e “Ave-Ternura” foram publicados em 2020, pelo projeto literário “Letras de Ápacam”, da Prefeitura Municipal de Macapá. Contam com apresentação e prefácio meus e do poeta paraense João de Jesus Paes Loureiro.

Entretanto, suas produções literárias precisam ser reunidas e estudadas em várias estâncias do conhecimento, já que nem a Academia (Universidades) local, que tem o dever de preservar a arte e a memória dos escritores não o faz.

Alcy Araújo foi nossa maior referência poética. Precisa ser reconhecido cada vez mais pelo que fez e pelo legado intelectual e artístico que deixou. Por isso o Amapá tem o dever de preservar a memória criativa e cultural dos seus escritores, a fim de que eles possam ser conhecidos pelas novas gerações e pelas vindouras.

É preciso reverenciar seu legado, pois o “Tio Alcy” influenciou várias gerações de artistas e colaborou decisivamente para a formação cultural e intelectual de vários deles.

A você, poeta Alcy Araújo, a nossa gratidão!

* Alcy Araújo faleceu em 22 de abril de 1989.

Abduzidos pela floresta, meninos viram lenda em Calçoene – Crônica de Marcelo Guido

Crônica de Marcelo Guido

Depois de 19 dias, os bombeiros encerraram as buscas. Cansados, exaustos e tristes. Sem a comemoração justa de quem encara o ofício, a missão desta vez, infelizmente, não pôde ser cumprida.

Terras desconhecidas por eles e pelas vítimas. Talvez só os soberanos senhores da floresta sabem de seus segredos e os guardam a sete chaves.

Imagem ilustrativa – Foto: Márcia do Carmo

Foram em busca de açaí. Mas que tão saborosa era tal iguaria para valer esse risco? O açaí sem dono, sem grife nascido na terra alagada dos caroços regurgitados por pássaros, plantados por Deus.

Talvez fruto proibido, alimento ilustre de sabor sem igual, lembrava a maçã de Eva.

Os meninos se foram encantados pela floresta e por lá ficaram. A única testemunha do acontecido não pode falar, dizem que o cão nunca abandona o dono. O cachorro deles voltou.

Histórias como essa são escritas e descritas como lendas, viram rezas, viram estórias.

Vão ser contadas para sempre, para que nunca sejam esquecidas. Para que sirvam de lembrete.

Riscos e perigos sempre vão existir, cabe a cada um de nós desafiar.

Imagem ilustrativa – Foto: Márcia do Carmo

Fiquem em paz pequenos, encontrem a felicidade em campos verdes e sejam novos caruanas, nos vigiem de seu novo mundo, tomem posse e protejam essa área.

Olhem por nossas vidas e vivam sempre nas matas, nos imaginários todos. Sejam encantados por excelência, sejam livres como vento, dissipados como memória. Virem verde, virem terra, virem vida.

Imagem ilustrativa – Foto: Márcia do Carmo

A floresta agora é sua casa.

*Marcelo Guido é jornalista,  pai da Lanna e Bento. Como tem um filho pequeno e uma filha adolescente, ele ficou comovido, como todos nós, com o desaparecimento de Renato Siqueira de Jesus, de 13 anos, e Fabrício Oliveira Barbosa, de 14 anos, na região de floresta no norte do Amapá, em abril de 2021.

** Publicado originalmente na época do desaparecimento dos meninos.