Se vivo, o lendário jornalista Hélio Pennafort faria 84 anos hoje – Por Renivaldo Costa – @renivaldo_costa

O Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Como sou fã de escritores, compositores, músicos, poetas e artistas, republico aqui o pequeno texto do jornalista Renival Costa sobre Hélio Pennafort, uma lenda do jornalismo amapaense que eu gostaria de ter conhecido (Elton Tavares): 

Acredito que o jornalismo amapaense deve muito ao Hélio Pennafort. O Hélio nasceu no Oiapoque em 21 de janeiro de 1938, onde também começou sua produção jornalística e literária, através do Jornal Vaga-lume. Foi repórter de A Voz Católica, Rádio Educadora São José e TV Amapá além de ter publicado diversos livros e escrito e dirigido curtas metragens e documentários para televisão com temas regionais.

Hélio atuou como correspondente do Jornal do Brasil e foi colaborador do Jornal da Tarde e de O Estado de São Paulo, sem falar que foi um dos nossos maiores cronistas. Se estivesse entre nós, hoje completaria 84 anos. Você faz falta, meu amigo.

Renivaldo Costa – Jornalista.

Desfeitas & Desfeiteiras (Crônica paid’égua de Fernando Canto)

Crônica paid’égua de Fernando Canto

A desfeita era uma injúria, uma ofensa que cavalheiro nenhum levava para casa sem antes não se vingar, depois de ser recusado em seu convite para dançar pela dama escolhida. O injuriado estapeava a dama e, formada a confusão, a festa invariavelmente acabava. Pelo menos era isso que acontecia há alguns anos.

A Desfeiteira provém disso. Era uma dança praticada em quase toda a Amazônia. Os caboclos dançavam em pares ao som de um conjunto pau-e-corda. De repente a música parava e o par que ficasse perto dos instrumentistas tinha de dizer um verso, na realidade uma quadra (ou uma trova ou poesia, rimada ou não), sob pena de pagar uma prenda e ainda ser vaiado. Era uma brincadeira divertida dos lugares onde não havia aparelhagem de som que ainda ocorre em Alter-do-Chão, e ocorria no Bailique e no litoral do Amapá.

O Hélio Pennafort contava a história de um caboclo que se meteu numa Desfeiteira lá no Sucuriju. Só faltava ele dizer o seu “velso”. Não conseguia articular palavra porque estava muito embriagado. Mas o adularam tanto que ele declamou a única sextilha que sabia. E começou; “Na cidade do Irará /No interior do Maranhão/ Existia um velho sacana/ Fdp e garanhão/ Cuja pele do culão/ encobria dez colchão”. Deram-lhe uma sova de remo que ele nunca mais apareceu no lugar.

De outra feita o mesmo Hélio em suas andanças jornalísticas pelo interior me levou junto para Mazagão Velho. Fomos de jipe, da sede do município até lá. O curioso é que ninguém nunca vira o Hélio dirigir em Macapá. Chegando à vila ele chamou o dono do conjunto “Mucajá” para tocar uma festa e o finado Osmundo não se fez de rogado: botou uns três solos de clarinete para animar a moçada do lugar e o “pau comeu”. Foi nessa ocasião que ele inventou a história da moça “que só dançava abenetando”. E que eu, justo eu, a teria convidado para dançar e ela recusara dizendo que só dançava abenetando. Como eu teria insistido ao dizer que sabia dançar abenetando, ela fechou a desfeita dizendo, tímida: “- Mas a Bené num tá!” A Bené era a sua irmã mais velha.

Depois disso visitei Mazagão Velho muitas vezes, pesquisando sua cultura e sua gente. Em uma roda de Marabaixo de rua, exatamente quando se preparavam para derrubar o mastro do Divino Espírito Santo, vi uma desfeita pesada. Quase todos os dançarinos já estavam “mais pra lá do que pra cá”, no dizer deles, tanto era o consumo de gengibirra. Um rapaz queria dançar um “dobrado” que os tambores tocavam na hora. A dança é feita em pares que se agarram pelos braços e giram o corpo para a esquerda e depois para a direita. É a parte mais rápida do Marabaixo. O rapaz, visivelmente tonto, viu uma jovem senhora e disse: – Quero dançar contigo. Ela respondeu: – Comigo não, violão. Então o rapaz, aborrecidíssimo, falou; – Tomara que tu morra amanhã às seis horas da tarde! A vingança foi a praga lançada.

Guardo ainda na memória uma desfeita acontecida na sede do Esporte Clube Macapá. Um rapaz de conceituada e tradicional família, hoje ilustre advogado, era apaixonado por uma moça. Tímido, porém, não tinha coragem de falar em namoro com ela. Os amigos lhe aconselharam a tomar uma dose de uísque para criar coragem e ir até ela.

Mas ele exagerou na dose. Assim mesmo, depois que “Os Mocambos” se preparavam para tocar “Devaneio”, sucesso da época, ele atravessou o salão olhou para ela com um olhar lânguido e disse: – Bora dançar? Ela respondeu na bucha: – Eu não danço com gente bêbada. Ele ficou meio desconcertado e ainda perguntou, meio afirmando: – Quer dizer que transar nem pensar, né?!

Os Prisioneiros do Lar e a Era das LIVES – Crônica de Elton Tavares (Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Em conversa rápida com o velho amigo Werlen Leão, ele fez um comentário engraçado sobre estes tempos em que vivemos confinados (sim, pois ficar em casa é a única forma de seguir vivo), pois rememorou a antiga banda amapaense “Prisioneiros do Lar”. O extinto grupo da década de 80/90, formado por Jony, Guri, Jessi e Black (o “Black Sabbá”, de Sebastião, um dos amigos doidões porretas que fizemos nessa jornada), era Rock n’ Roll demais!

Pois bem, somos todos “Prisioneiros do Lar” nestes 2020 e 2021 tristes e sombrios.

O que a vida reservou pra gente, hein?

Estamos em um aprendizado que mistura amor e dor enquanto os dias se arrastam, cheios de perdas e notícias tristes. A nossa única válvula de escape é a arte. Talvez, depois que tudo isso passar e VAI PASSAR, eu escreva sobre esse período sofrido. O título será: “Depois do Fim do Mundo – Uma crônica para sobreviventes”.

Sobre a arte, estamos vivendo a era das lives. E falando em conversas com velhos amigos, tive um excelente papo com a Clícia Vieira Di Miceli sobre isso. Ela comentava comigo, no dia seguinte do show do seu marido, Enrico Di Miceli (foi muito Phoda), sobre o encontro e reencontro dos amigos nessas apresentações musicais on-line.

Clícia, que é uma competente produtora cultural, fez uma boa contextualização. Segundo ela, quando a pandemia passar, os artistas farão grandes shows para vendas (assim como já ocorre no Youtube com filmes e outras plataformas virtuais). Por exemplo, a apresentação que custará centavos, será assistida por um grupo de amigos. Isso cobrirá custos da cadeia produtiva artística. Ou seja, uma evolução no mercado da música.

Sim. É gente aplaudindo o artista, “chegado” que não falava com outro há tempos, referências a saudades, entre outros papos porretas – como se todos estivessem em um grande bar no mundo virtual. Pura alegria cibernética!

“Estamos curtindo a ressaca de felicidade, entre trancos e barrancos, com toda a beleza do visual da live e da competência do Enrico. Aqueles atropelos que ocorreram também fazem parte do processo”, comentou a Clicia sobre pequenas “falhas” que ocorrem em todas as lives. Afinal, é uma nova modalidade de show musical.

Tem live de todo jeito e de todo tipo. Algumas são solidárias, com causas nobres, como arrecadação de alimentos ou grana para entidades assistenciais às vítimas da pandemia. Outras são, de fato, uma possibilidade para o artista levantar recursos para cobrir suas despesas, já que a classe musical precisa de público também para se prover. E, ainda, existem aquelas que só rolam pelo simples fato do músico querer tocar e alegrar nossas noites. O que também é um motivo e tanto.

Durante essas lives, sejam de artistas locais, nacionais ou gringos, interagimos, além dos comentários no próprio perfil onde o show é transmitido, também nas redes sociais e em grupos de WhatsApp.

Nestes momentos de farra virtual, esquecemos nossas tristezas, dividimos alegrias, rimos, choramos e temos breves momentos de leveza. Hora numa paulada Rock and Roll, noutras numa roda de samba, marabaixo, MPB, MPA ou intervenções poéticas. As lives proporcionam os melhores momentos nestes tempos de solidão, dureza e prisão domiciliar.

Entre sons, emoções, lembranças e “goles”, temos um pouco de prazer virtual acompanhado de desatinos porretas. Assim, a internet e os artistas nos trazem o afeto que está tão em falta no nosso cotidiano. Decerto, a live é uma forma de estarmos juntos. Essas apresentações possibilitam a empatia.

Apesar do melancólico e inimaginável período que a Covid-19 nos impôs, as lives preenchem as vidas de nós, os ‘prisioneiros do lar’ de 2020 e 2021. E trazem a felicidade aos pedaços, como partículas de alegria cibernética. Sim, a farra, por hora, é virtual. E isso ilumina esses dias cinzentos e noites obscuras.

Elton Tavares

“A arte existe para que a verdade não nos destrua” — Friedrich Nietzsche.

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.

Programa de Recuperação de Imagem (P.R.I) – Por Cleomar Almeida

Tenho dito aqui – desde fevereiro de 2018 – que meu amigo Cleomar Almeida é cômico no Facebook (e na vida). Ele, que é um competente engenheiro, é também a pavulagem, gentebonisse, presepada e boçalidade em pessoa, como poucos que conheço. Um maluco divertido, inteligente, gaiato, espirituoso e de bem com a vida. Dono de célebres frases como “ajeitando, todo mundo se dá bem” e do “ei!” mais conhecido dos botecos da cidade. Quem conhece, sabe. Hoje ele deixa um serviço de utilidade pública, o Programa de Recuperação de Imagem (P.R.I). desenvolvido por ele mesmo. Leiam, aprendam e divirtam-se:

Programa de Recuperação de Imagem (P.R.I)

Por Cleomar Almeida

Depois de alguns eventos recorrentes de mau comportamento por mim cometidos acabei sendo impelido a participar do P.R.I – Programa de Recuperação de Imagem. Este Programa essencialmente é voltado aos maridos que, por vez ou outra acabam, sem querer é claro, cometendo faltas consideradas quase imperdoáveis por suas “Conjes”, faltas essas que de forma nenhuma serão aqui listadas. Na verdade, o motivo dessa postagem é dar conhecimento aos caros colegas do Programa e de suas implicações.

O programa basicamente é um misto de punições e restrições, dentre elas a obrigatoriedade de acompanhamento de novelas, no mínimo as três que passam a noite, de preferência sem muitas perguntas no sentido de entender o enredo. Ainda no item entretenimento, futebol e modalidades esportivas nem pensar, aliás, esqueça o controle remoto durante esse período.

Quanto à alimentação, no P.R.I. você come o que lhe for oferecido, se for oferecido, o que quase nunca ocorre, então prepare-se para cozinhar. Shakes e comida japonesa são praticamente obrigatórios em uma saída pra comer fora. O Shopping será seu habitat nessa fase difícil. Igrejas também serão usadas pra exorcizar este capeta que se apossa de você de vez em quando. Perceba aí um ponto essencial no P.R.I. , se você estiver liso nem pense em participar do Programa, o gasto com comida, passeios, com coisas que inevitavelmente irão quebrar, esbandalhar ou misteriosamente sumir da sua casa lhe darão uma despesa extra.

Comportar-se bem na frente dos parentes da madame também faz parte do pacote, mas pode ter certeza que quando você for elogiado por alguém pela boa educação e prestatividade ela revelará os verdadeiros motivos de sua boa vontade com um belo “Tá assim porque fez merda, ta tentando se limpar comigo!”, nem pense em discordar dela nessa hora ou ela conta até o que não aconteceu, vai por mim.

Os filhos são sua responsabilidade absoluta, nem parece que saíram dela, você fez, você que se vire, reze pra eles já não usarem mais fraudas.

Sexo, esqueça, ninguém participa de um P.R.I e transa, é o alicerce fundamental do Programa e pode acreditar, esposas são excelentes em seguir protocolos. Concentre-se e siga na fé, talvez ao fim de tudo você seja compensado de alguma forma, não conte com isso mas milagres às vezes acontecem.

Enfim, como dito no começo, P.R.I é punição, restrição e um pouco de constrangimento pra te fazer ver o tamanho das burradas que andas fazendo. Sem tempo definido, pode ser rápido, demorado mas nunca indolor. Eu mesmo já passei por umas três experiências e lhes digo, evitem amigos, O P.R.I é terrível!!!!

Cabuquinho, essa é pra ti – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Amo viajar, mas amo de igual modo voltar pra casa. Minhas viagens são diferentes da maioria. Não tenho aquela sanha louca de comprar, comprar, comprar, quando estou viajando. Já tive, claro, mas passou. Hoje minhas prioridades são outras. Gosto de conhecer lugares, pessoas, costumes, sabores, experimentar. Registrar. Fico que nem aquele estereótipo de turista, fotografo até pedra e mato. Mas isso é uma outra história…

Parafraseando Nelson Rodrigues, gosto de ver a vida como ela é dos lugares, não somente o belo e bom reservado ao turista, pois isso nos faz comparar com nosso lugar de origem e nos fazer sentir menores ou piores.

Todos os lugares possuem sua beleza e seus infernos, e sabê-los nos faz pesar de forma mais consciente que tudo o que é bom tem seu ruim e vice-versa, e me fez enxergar tanta coisa boa no meu lugar, que cada volta pra casa acaba sendo de descobertas locais constantes. Claro que precisamos avançar muito ainda, em vários aspectos, mas temos muita coisa boa e nossa.

Ano passado tive a honra de ser recebida pelo melhor guia turístico que poderia ter na vida em Curitiba: meu tio caçula materno, Cabuquinho, o homem mais elegante, inteligente e intenso que eu conheço e que amo de paixão que mora em Curitiba faz tempo.

Turistamos nos lugares habituais, fotos lindas, comidas, caminhos, e a cada lugar, uma história, algo que a maioria das pessoas ignora por não querer enxergar ou conhecer, mas que está ao alcance de todos, e uma minoria cheia de bastidor, essência, sentido, reservado apenas aos que viveram. Consegui fazer um cara hiperativo sentar e esperar o sol se pôr no Parque Tanguá, mais de duas horas e volta e meia ele dizia que só poderia me amar muito para estar ali parado tanto tempo, até que o sol se pôs, eu me deliciei porque sou a louca do céu e das flores e ele respirou aliviado.

Conheci artistas, de imagem e som, gente milionária e as putas e mendigos, que ele carinhosamente chama de povo da rua, do Largo da Ordem, famoso ponto turístico localizado em frente ao prédio onde ele reside (que todos os dias me presenteava com uma paisagem europeia por conta da arquitetura predominante lá). Fomos nas exposições, museus, parques, galerias de arte, feiras, lugares exclusivos, onde pessoas ao o virem entrar interrompiam a música que estavam cantando pra oferecer pra ele e anunciar sua presença. E as sempre maravilhosas Lina, Bina, Melina e Ya Tutty, amor e arte em formas humanas.

Em todos os lugares que me levou, ele, macapaense nato, leitor voraz e curioso que é, me contou a história de tudo, os por quês, quandos, quantos e comos, e eu, sobrinha e fã, babava a cada novo conhecimento, me tornando mais fã ainda.

Posso afirmar categoricamente que foi uma das melhores viagens que já fiz, pois além de conhecimento, me apropriei de todo amor que esse cara sente por mim, e ele se apropriou de todo orgulho que sinto de ser sobrinha dele. Gratidão, Cabuquinho, por tudo. Eu só queria que você soubesse disso vivo. É isso.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Lugar de maníaco é no manicômio, não na Presidência da República

O capitão Bruce Bairnsfather, que depois de participar da I Guerra Mundial virou cartunista:no Natal de 1914, pausa para celebrar a paz com inimigos, todos imersos na lama das trincheiras

Desde 1º de janeiro de 2019, entra ano, sai ano, e o Brasil – como nos versos cantados por Elis – não conhece o Brasil.

Desde 1º de janeiro de 2019, entra ano, sai ano, avançam a crueldade, a insensatez, a insensibilidade, o fanatismo e a compulsão em destruir o Brasil – ou acabar de destruí-lo.

Desde 1º de janeiro de 2019, entra ano, sai ano, e o Brasil – aquele que não conhece o próprio Brasil – chega a duvidar que este país, cantado em prosa e verso como um oásis de concórdia e de bonomia, como um país apenas do samba e do futebol, seria transformado num laboratório de sandices, em que o mais imbecil dos imbecis foi elevado, vejam só, ao status de mito.

Nos últimos dias de 2021, o emblema de tudo isso – a personificação em carne e osso, a mais perfeita tradução da crueldade, da insensatez, insensibilidade, do fanatismo e da compulsão em destruir o Brasil – protagonizou um show de horrores sob aplausos gerais de fanáticos.

Bolsonaro tirou férias, foi a Santa Catarina, andou de jet ski, dançou funk machista, deu cavalo de pau e externou uma declaração despudorada por dia.

Em meio a essa diversão dantesca, a Bahia contava seus desabrigados em decorrência de uma das maiores tragédias de sua história: até agora, 24 pessoas morreram, 53,9 mil ficaram desalojadas e 629 mil foram afetadas de alguma forma em consequência das enchentes causadas pelas chuvas.

Em meio ao seu exibicionismo de horrores, Bolsonaro recusou ajuda da Argentina e sequer dignou-se suspender um dia de suas traquinagens amalucadas para ir à Bahia para, pelo menos, apertar a mão de um dos sobreviventes.

Bolsonaro, nos últimos dias de 2021, anda de jet ski e se exibe para fanáticos, enquanto a Bahia conta seus mortos e milhares de desabrigados por enchentes: humano só na forma, não no conteúdo

É um elemento como esse que desgoverna o Brasil. É um sujeito como esse que infelicita o País. É um personagem dessa espécie que se abriga nos esconderijos indecorosos que a História reserva àqueles que, com todo o respeito, são humanos apenas na forma, mas não no conteúdo.

E tanto é assim que esse cidadão mostra-se cada vez mais infértil a mínimos sentimentos de humanidade, como os que ainda perduraram, intactos, até mesmo entre inimigos que travaram batalhas cruentas nas piores guerras a que a humanidade já assistiu.

Inimigos confraternizam nas trincheiras – Em sua maravilhosa coluna publicada em O Globo deste domingo (2), Dorrit Harazim lembra uma história comovente pinçada do livro de memórias de Bruce Bairnsfather, o capitão britânico na Grande Guerra de 1914-1918 que mais tarde se tornaria um celebrado cartunista europeu.

O Natal de 1914 era o primeiro daquele conflito que ceifou mais de 21 milhões de vidas. Bairnsfather e e seus companheiros do Primeiro Regimento Real tiritavam de frio numa trincheira enlameada da Bélgica. Por volta das 22h do dia 24 de dezembro, Bairnsfather percebeu um ruído novo no campo de batalha de Ploegsteert, vindo dos boches (como os Aliados chamavam os inimigos alemães).

Escreve Harazim:

“[Bairnsfather] Afinou o ouvido e percebeu, em meio a sombras noturnas, um murmurar de vozes. Seus companheiros também estranharam. Perceberam então tratar-se de cantorias – os temidos soldados do Exército alemão, também entrincheirados e invisíveis, entoavam canções de Natal! Os britânicos decidiram cantar de volta. E subitamente ouviram alguém do lado inimigo gritando algo confuso, em inglês carregado de sotaque germânico. “Venham para cá”, dizia o boche. Um dos sargentos britânicos respondeu: ‘Nos encontramos a meio do caminho’. E assim foi. Feito catadores de caranguejos saindo dos manguezais do Delta do Parnaíba, recrutas encharcados dos dois lados começaram a emergir de suas trincheiras e a se olhar como o que eram: apenas homens, homens jovens longe de casa mandados para a guerra. Houve apertos de mão, oferecimento de tabaco e vinho (as provisões dos alemães eram bem melhores que as dos Aliados), e as cantorias bilíngues se estenderam noite adentro. Em troca de cigarros, os ingleses cortavam o cabelo dos alemães. ‘Naquele dia não disparamos um só tiro, parecia um sonho.'”

Leram bem?

Isso ocorreu numa guerra mundial, em que mais de 20 milhões de pessoas foram mortas.
Isso aconteceu entre inimigos.
Aconteceu numa trincheira, um reduto bélico em que vale tudo – ou quase tudo, inclusive, claro, matar e morrer.
Aconteceu no Natal de 1914.
Pois é a mesma Dorrit Harazim quem conclui em seu artigo.

“O Brasil já teve um leque bastante improvável de chefes de nação – inclusive a galeria militar cujo programa de manutenção no poder incluiu matar seus adversários políticos. Ainda assim, Jair Bolsonaro consegue ser único – seu ostensivo desprezo pelo povo que governa, pela dor do outro, é maníaco. E lugar de maníaco é no manicômio, não na Presidência da República. Que venha 2022.”

É sim: lugar de maníaco é no manicômio, não na Presidência da República.
E que venha 2022.

Fonte: Espaço Aberto.

Vem, 2022. Mas vem com calma, pois 2020 e 2021 foram demais pra nós. Feliz ano novo!

2022 está ali, dobrando a esquina. Que todos nós, eu, você e demais pessoas que estão lendo este texto, assim como nossos amores, sigamos saudáveis e sejamos felizes no ano que chegará logo. A vida é boa e louca. Só é feliz quem arrisca. Vamos com toda a força no novo ciclo. E, é claro, agradecer pela vida, pois 2021, assim como 2020, foi tenebroso.

Mesmo com todos os desafios, injustiças de toda ordem, homens e mulheres que xingam em nome de Deus e são obscuros adoradores de armas, e a tristeza e tragédia – entre outras tantas coisas terríveis – que a pandemia é e nos impôs, sobrevivemos ao difícil 2021. Me solidarizo com todos que perderam pessoas. Eu perdi amigos e minha muito amada avó `Peró. Todos choramos neste ano que finda.

Sou grato aos meus companheiros de jornada, tanto os familiares, amigos e colegas de trabalho, quanto aos que me ajudaram e não estão inclusos em nenhum destes grupos citados.

Que tenhamos luz e sabedoria para encarar as adversidades e os desalmados que certamente aparecerão no novo ciclo. E que nos esforcemos para sermos pessoas melhores que em 2022, o que será desafiador.

Que em 2022 tenhamos muito boa vontade, forças positivas, disposição e autoconfiança para corrermos atrás de tudo o que desejamos alcançar. Tenho certeza de que muita alegria nos espera no ano vindouro. Pelo menos a esperança nisso não é pouca. E, sobretudo, SAÚDE!

Viverei 2022 como se fosse o último ano da minha vida, podem apostar (sempre faço isso). O ano novo promete. Que ele se cumpra então, que seja mágico/fabuloso e sem muitas aporrinhações. E quando fraquejamos, que haja amor e força para recomeçar. Que o Bolsonaro caia, pois ele é o culpado da maioria de nossas desgraças.

Tomara que eu e você sigamos lutando por uma vida digna, menos ordinária, no combate a dias e noites tediosas, e mais cheias de amor. Ou paixões. Afinal, tudo depende de você. E se possível, sem muitas “fingidades”, como dizia Guimarães Rosa. E isso sempre contou pra caralho. E continuará contando sempre!

A todos os que fazem parte da minha vida e aos leitores do De Rocha, desejo um ano novo transbordante de amor e paz. Na hora que o Ano Novo chegar, desejo que vocês estejam felizes, com boa comida, boa bebida e pessoas que amam.

O escritor Rubem Alves, no livro de crônicas intitulado “Pimentas”, disse: “a gente fala as palavras sem pensar em seu sentido. ‘Benção vem de bendição’. Que vem de ‘dizer o bem ou bem dizer’. De bem dizer nasce ‘Benzer’. Quem bem diz é feiticeiro ou mágico. Vive no mundo do encantamento, onde as palavras são poderosas. Lá, basta dizer a palavra para que ela aconteça”. Então, que Deus continue nos abençoando!

Boas energias, muita saúde e prosperidade. E que as surpresas sejam felizes, que a força se movimente em seu favor nesse poderoso universo, afinal, já disse o grande Mestre Yoda: “Difícil de ver. Sempre em movimento está o futuro”.

Vem, 2022. Mas vem com calma, pois 2020 e 2021 foram demais pra nós. Que o ano novo seja de mais leveza e paz. Feliz ano novo!

Elton Tavares

O Reconhecimento e a Universidade Equatorial – Por Fernando Canto

Foto: arquivo deste site

Por Fernando Canto

Um dia desses aceitei o gentil convite do professor Robert Zamora, diretor do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas da UNIFAP para que, enquanto artista e membro efetivo da Academia, falasse sobre o reconhecimento, em evento promovido para homenagear servidores docentes, servidores técnicos e discentes da área.

Fiquei feliz com este gesto, pois reconhecer pessoas pelo seu mérito é tê-las comprometidas e engajadas em uma rede dialética e nem sempre suave, mas que concorre para o sucesso e a qualidade da instituição e dos seus produtos, pois trabalha motivações e estímulos para elevar a autoestima e o respeito, objetivando a vontade de trabalhar e de crescer mais, com inovação, responsabilidade e espírito crítico. O reconhecimento é, então, a gratidão emanada sensivelmente para que o crescimento de todos seja uma realidade.

Unifap, Universidade Federal do Amapá, campus Marco Zero, Macapá — Foto: Jorge Abreu/G1

Acrescento, porém, que nestes momentos sombrios e estranhos pelos quais passa o nosso país, é necessário lembrar as palavras de Mahatma Gandhi quando diz: “Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo.”

Mas não se enganem: o reconhecimento e o trabalho são paradoxais. E andam juntos. Gandhi ainda diz que “O alvo está sempre se afastando de nós. Quanto maior o progresso, maior o reconhecimento do nosso imerecimento. A satisfação está no esforço, não na realização. O esforço total é a vitória total.”

Universidade Federal do Amapá teve aulas suspensas em março — Foto: John Pacheco/G1

Reconhecer pessoas é dar a elas e trocar com elas todo o arcabouço humano das informações necessárias ao seguimento da vida intelectual, acadêmica e cotidiana, onde se integram processos e valores, desde os antigos filósofos egípcios, babilônicos, chineses, gregos e árabes nas grandes descobertas das ciências para a humanidade, bem como o papel dos cientistas modernos até a grande revolução tecnológica da contemporaneidade. É bom, então, que o reconhecimento público seja celebrado, que seja ritualizado na academia como merece, ao som da “Música das Esferas” de Pitágoras que também dizia “que os números governam o mundo”.

Ao fechar minha participação li alguns textos poéticos do meu livro intitulado Universidade Equatorial – Uma Aventura Acadêmica, ainda inédito, feito em 2018 para as comemorações dos 30 anos da fundação da Unifap em março de 2020. Trata-se, também, de um reconhecimento meu a essa grande instituição acadêmica que me deu oportunidades de crescimento profissional e intelectual, e que testemunhei sua expansão, participando com meu trabalho desde bem antes de sua implantação, pois fui professor no Núcleo de Educação da UFPA, em Macapá, em 1982 e 1985. Eis os textos:

Sobre o fio que guia o coração e a busca do conhecimento

Toda memória tem um fio amarrado no tempo, mergulhado no escuro do labirinto. Todo fio tem um propósito e um elo: o odor das mãos que o teceram e o fizeram novelo. Todo novelo é um apelo finito, uma voz sem ter grito, uma pista e a certeza que voltaremos à luz.

Um novelo é um presente àqueles que se aventuram, e destemidos vão fundo tatear o oculto, procurar o inculto na escuridão de suas almas.

Mas ali no cosmo de brilhantes matérias o conhecimento estala em explosões de átomos, invisíveis nas esfinges do infinito astral.

E aqui também, na tênue luz do entardecer, mistérios nascem com a lua, quando ela surge no rio, num horizonte de marés, vindas do ventre da terra em simbiótico enlevo entre o planeta e o satélite.

Sobre um destino fundado na dúvida

E como explicar o inexplicável aos duendes que estudam as ciências? E como traduzir o óbvio aos semideuses que isolam a deidade e manipulam fórmulas genéticas?

E como, me diga, Casa do Saber, como não tocar no fio da história para acender os inefáveis paradoxos embutidos nas ciências dos homens?

Como não se submeter a paradigmas cruéis que oprimem e rasgam os instrumentos do conhecimento entre ideologias e armas nascidas do medo e da ousadia, a cada instante.

Sobre o que és

Ah, Casa do Conhecimento/ Rugosa cor de batom velho/ Escondido bicho folharal/ Sílex quebrada nos quadrantes do equador/ Áspera palavra aristotélica/ Rosácea osmose do saber.

– Teus discentes choram por tua sina.

Aldeia do cerrado/ límpido aquífero/ reserva para a sede do planeta/ precioso líquido que escorre em nossos pés.

Ainda que ferva na temperatura do equinócio da primavera e refrigere no das lágrimas de março.

Do equador és Casa de Veredas à escolha dos vendados/ Túmulo do ignóbil/ Avalanche de salsugem/ Espanto do gênero/ Fímbria opaca da espécie/ Quarto de mistério e sonhos/ República de pesadelos e prazos/ Aquário de peixes com cirrose que alimentam pássaros e mergulham na cautela do já entristecido fado, previsto há séculos por mártires sobre o estupro cometido na floresta.

 

Sobre estudos e pesquisas

E como andam teus estudos, Casa do Saber? Como saber, me diga, dos sistemas integrados de informação e dos desafios para o desenvolvimento da ciência? Dos financiamentos, da produtividade? E sobre a escusa ordem política estabelecida para conter os avanços prioritários das nossas universidades? A inteligência artificial analisará as decisões humanas?

Foto: Rodrigo Índio.

Quantas doenças se alastrarão em desproporção ao avanço dos inseticidas mais venenosos? O que dizer do condensado de Bose-Einstein, dos supersólidos, da simulação quântica e do Magnetismo Quântico?

E das doenças parasitárias tropicais? Da leishimaniose e da malária, que por séculos matam os irmãozinhos ribeirinhos que esperam tanto de ti e perdem aos poucos a esperança?

Sobre como sair da escuridão

Dentro de teus muros raras vezes o som dos tambores fecunda a identidade do teu povo, pois a fecundidade ecoa no ar e arrebata danças e sorrisos.

Dentro dos teus muros sempre a fertilidade absorve as sementes no húmus que faz nascer a luz dos teus alunos em breu.

– Alunos, a-lunos [seres sem luz], saiam da escuridão pelo poder da palavra e da indicação solene do conhecimento transmitido [como tradição iniludível da cultura e da filosofia].

– Saiam, saiam, saiam já! É a legítima ordem emanada do tempo e da necessidade, sob a quadratura geográfica do Amapá, embaixo do sol do equador.

L’acronimo ARIADNE, che sta per Advanced Research Infrastructure for Archaeological Dataset Networking in Europe

Sobre a busca da redenção

Preservar o senso de justiça, combater a ordem ultrapassada dos que querem reviver a peste, lembrar sempre do temor das guerras, desenhar a utópica felicidade… são apenas linhas que o esquadro traça, seja pelo lápis, seja pelo fio de Ariadne jogado ao labirinto.

Assim sobreviveremos. Assim caminharemos para além dos paradigmas pensando em novas formas de agir, posto que nenhuma fome espera, qualquer doença surge e toda procura fenece se não quisermos a luz que nos a-sombra e nos convida a sair pela floresta em busca de alimento e cura. Por isso vos convoco:

Foto: site da Aline Kaiser

– Saiam! Saiam!

– Festejemos nossos santos e conquistas, estendamos nossas vestes sem temores, sem esquecer, jamais, nossas tragédias, para que elas nunca mais voltem a ocorrer.

Sobre a estrada que já foi um caminho

Eu te diria ainda, Casa do Saber, que assim como o sol brilha nas manhãs ou tal como oculta a vida em suas entranhas, que permaneça claro o ímpeto de ser, de construir e preservar nossas moradas, feitas com as mãos que o trabalho exige.

E que o brilho abarcante de sua luz ilumine as consciências e a fé profunda de nossas utopias, e o desejo de construção de um mundo melhor para todos.

Antes do milênio nasceu a estrada, aquela que já fora a simples trilha e hoje serve aos passantes como garantia de que seguimos juntos em busca dos significantes sóis das descobertas.

O tempo agora é o juiz mais sábio, pois há o contratempo de secreta angústia que nos impele a cuidar da terra e do alimento antes de qualquer ação distópica que o futuro pode produzir, se formos fracos.

– Salve, então, a terra que alimenta os homens e as mulheres! Salve o novo nascer da vida! Salve o livro que ensina o verbo – a voz de quem produz e reproduz o conhecimento às novas gerações.

OBRIGADO!

*Além de sociólogo, escritor, poeta, compositor, Mestre em Desenvolvimento Regional e Doutor em Sociologia, Fernando Canto é integrante do quadro de servidores da Unifap.

2021, a minha Odisseia particular – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

Existe um filme de 1968 chamado “2001: Uma Odisseia no Espaço”, do diretor Stanley Kubrick, que fala dos efeitos e consequências dos então imaginados avanços tecnológicos e inteligência artificial. Passados 20 anos do dito ano da odisseia, eu, que até então imaginava que o meu ano de desafios e mudanças tinha sido 2020, vivi em 2021 o que eu carinhosamente batizei de Minha Odisseia Particular.

Comecei 2021 feliz, ao lado de quem me fazia muito bem, em lugares lindos, numa viagem maravilhosa, na expectativa de receber minha filha e seu namorado que viriam morar em Macapá início do ano.

Não sou muito boa com datas, e acho incrível quando converso com quem é ouvir que “tal coisa aconteceu em 27 de maio de 98” com tanta segurança que chego a ficar desconsertada, pois só sei de data mesmo os nascimentos da minha filha e o meu, e aniversário quem detém meu afeto, fora isso, eu lembro dos acontecimentos como me pareceram, sem a exatidão temporal. Sou melhor em sentir e lembrar o que marca, pois vivo dizendo que sou uma pessoa feliz, pois tenho memória ruim.

O ano seguiu e tudo seguiu tranquilo, até que vieram mais perdas de pessoas queridas, seja pela pandemia, sejam por outras causas. A própria vida afastando e unindo. Tirando e dando, numa dinâmica que pode parecer cruel, mas é necessária para nos fazer melhores quando assim o queremos.

Em algumas ocasiões fiquei na merda, mal mesmo, achando que não iria aguentar e sem compreender o motivo de tanta coisa, mas aí toda vez que eu afundava, o universo me enviava mãos que me puxavam, botes e coletes salva-vidas, e afundar ficou cada vez mais difícil, pois tais instrumentos vinham em forma de amor.

E quando falo amor, não me refiro ao amor romântico, casal, par, que envolve paixão, pele e todas essas outras maravilhas que nos tiram ou nos fazem achar os trilhos, mas de amor genuíno, de afeto, troca desinteressada, pequenos e grandes gestos e palavras que nos cercam diariamente que às vezes não nos permitimos enxergar.

O lance é que afundar mais uma vez nessa minha curta e intensa vida que já dura 44 anos me fez submergir de olhos bem abertos e sensibilidade à flor da pele. Comecei a enxergar melhor, o que já via, mas que era tão usual que sequer parava pra pensar na importância: a quantidade enorme de amor que me cerca.

E ao escrever esse texto, confesso que me emociono e meus olhos marejam, pois é lindo demais você acordar todos os dias com saúde, ter uma puta de uma mãe (não, ela não é nem tem vocação pra tal ofício, mas a associação é pra garantir a multiplicação do superlativo que a minha genitora merece). Além dela ser minha inspiração de caráter, honestidade, empatia e tudo o que há de melhor num ser humano, ela é apaixonada pelos filhos e neta de uma forma tão visceral que sim, eu acredito que ela mataria e morreria por mim. E todos os dias ela me prova isso. Tudo bem que ela pega no meu pé e às vezes eu me irrito, mas em seguida eu lembro do quanto essa mulher me ama e aí fica tudo certo. E depois quem sou eu, tão imperfeita, pra exigir perfeição de alguém, não é verdade?

Beleza, acordei com saúde, tenho uma puta de uma mãe e aí recebo um bom dia do amor da minha vida, a moleca, agora adulta, que eu pari parece que foi ontem, mas que cresceu e é um ser humano fantástico e uma profissional dedicada. Minha filha é o que eu tenho de melhor e me alimenta de amor diariamente, com palavras e atitudes. Acho lindo ela me trazer um doce toda vez que sai, como se a criança da relação fosse eu.

Aí eu lembro do meu irmão, que como quase todo homem criado por uma mãe que nem a minha, é um lorde comigo, minha filha e com sua Marcela. Nosso amor é lindo, nunca brigamos e somos super companheiros. Sei que posso contar com ele sempre e vice-versa. Ninguém solta a mão de ninguém.

E junto com esse povo que citei, vem meu padrasto que é o pai de coração da minha filha a quem eu sou agradecida por essa e todas as outras vidas que vier, vem a minha doce, calada, prendada, linda e amada cunhada já citada, que conheço só de olhar nos olhos; o namorado da minha filha e a família dele inteira, pessoas amorosas, gentis, presentes e também para quem serei grata por todas as minhas vidas pela forma com que amam minha filha.

Aí você me pergunta: mas o que foi que mudou entre você e essas pessoas em 2021, já que elas fazem parte da sua vida faz tempo? Eu respondo: TUDO. Não somente eles, mas os amigos que tenho de décadas e os que descobri caminhando recente, me presenteiam diariamente com afeto, respeito, cuidado, cor e alegria.

As perdas, dores e frustrações vividas em 2021, ao invés de me fazerem lamentar o que não tenho, me fizeram valorizar ainda mais o que eu tenho, e agradecer, agradecer, agradecer.

E antes que alguém diga: NÃO! Minha vida não é perfeita, e muito menos as pessoas que citei. NADA é. Sempre haverão dificuldades e problemas, mas conseguir enxergar todo esse AMOR faz com que nosso fardo seja menos pesado, pois temos a certeza de que não estamos sozinhos.

Gostaria de citar aqui TANTA gente que me é valiosa, mas já me alonguei demais, mas todos os que me cercam sabem o quanto me são importantes pois os lembro de vez em quando, ora com palavras, mas muito mais com atitudes e desde que me permiti enxergar, receber e devolver melhor todo esse amor, como diz um grande amigo irmão, NADA ME VENCE. Nem eu mesma. Perceber a grandeza das pequenas coisas foi a minha odisseia, que significa “longa perambulação ou viagem marcada por aventuras, eventos imprevistos e singulares”, que em resumo foi o meu 2021. Gratidão a todos os que participaram dele e os aguardo ansiosa para viver 2022.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

O 21 de dezembro e a saudade da minha avó. Feliz aniversário, Peró!

O 21 de dezembro sempre foi, desde que me entendo por gente, um dia muito feliz para minha família. Até mesmo que o natal ou ano novo. É a data em que a Perolina Penha Tavares, nossa linda e cheiros matriarca girava a roda da vida. Hoje, que ela faria 95 dezembros, as saudades deram uma apertada mais forte por conta dessa memória afetiva.

Na minha infância, eu adorava quando chegava os sábados e eu ia pra casa dos meus avós. Lá nunca faltou amor. Ao contrário, o amor sempre foi muito transbordante, sempre mais derramado pela Peró do que pelos demais.

Perdemos a Peró em março deste ano. Ela partiu sentindo que era o momento de sua passagem. A gente fica triste, às vezes até choramos por conta da falta imensa que ela faz, mas o sentimento maior é o de gratidão. Somos gratos pela longa e feliz vida que ela teve  e do quanto desfrutamos de seus ensinamentos e companhia incrível, sensacional, maravilhosa, entre outros tantos sinônimos do que a Peró foi e é para nós, sua/nossa família.

Em outro texto, escrevi: “no filme “Amor Além da Vida”, Albert Lewis (personagem interpretado pelo ator Cuba Gooding Jr.) disse: “O inferno verdadeiro é a vida que deu errado”. Vovó é o avesso e disso temos orgulho, pois a dela deu muito certo! Perolina é exemplo de pessoa bem sucedida, mulher extraordinária, uma pessoa sensacional, sábia, ponderada, discreta e bem humorada. Sempre teve muita força em toda sua delicada forma de existir”. Foi exatamente assim.

Gosto de pensar que a vovó encontrou com o vovô e com o papai. Sua ida é controversa, pois ela jamais irá embora da gente.  Penso nela todos os dias. Nosso amor vem das vidas passadas, atravessou esta e com certeza a próxima.

Gostaria de lhe dar um abraço hoje, desejar feliz aniversário e cheirar aquela linda senhora. Um beijo com gosto de neto em ti, Peró. Estejas tu nas estrelas ou em qualquer lugar, além do meu coração. Amo-te pra sempre. Feliz aniversário, vovó!

Elton Tavares

Festas, confraternizações e a hipocrisia de fim de ano – (crônica de Elton Tavares – Ilustração de Ronaldo Rony)

Há poucos dias do natal e e do fim de 2021, aquela atmosfera começa a tomar conta de tudo. Todos começam a exercitar o melhor que existe dentro de si (pelo menos é o que tentam demonstrar a todo custo), além da nostalgia latente e exagerada. Até aí tudo bem, mas é como se bastasse ser legal somente no final do ano. Não, não deveria ser assim. Pura hipocrisia.

Principalmente entre colegas de trabalho que se odeiam e familiares que não se suportam. Forçam a barra com “confraternizações”, só para dizer que os ventos natalinos causam amnésia de atos cometidos ao longo do ano. Nestes casos é mais fácil respeitar o distanciamento social por conta da pandemia.

Em todos os campos, seja no pessoal ou profissional, cruzamos com fofoqueiros, invejosos e canalhas de todo tipo. O pior para mim é quando essa gente me vem “desejar” feliz Natal ou próspero ano novo. Dá vontade de dizer: “pé-de-pato-urubu-três-vezes” ou “vá-te-retro-satanás”. Cruzes!

Bom, temos ideias novas todos os dias. Já está na hora de dizermos: “seguinte, a afinidade fala mais alto, vamos confraternizar com quem realmente importa”. Desejo um feliz 2022 (que seja realmente melhor que esse 2021 tenebroso) para minha família e meus amigos. Mas não para todo mundo, como a maioria dos “bons samaritanos fabricados” nestes dias de dezembro.

É fundamental que a frase “Bendita seja a data que une a todo mundo numa conspiração de amor”, de Hamilton Wright Mabi, seja exercida. Mas de fato, sem falsa fraternidade ou confraternização de ocasião. É isso. No mais, boas festas aos bons!

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado no dia 22 de novembro.

O pobre soberbo – Crônica/reflexão de Elton Tavares

Sabem, não que eu seja um estudioso da natureza humana, nada disso, escrevo sem propriedade alguma, somente baseado nos meus “achismos” e pontos de vista.

Bom, hoje falarei do “pobre soberbo”. Não, não sou elitista, na verdade, nunca liguei para quem tem grana ou sobrenome. Sempre andei com lisos bacanas e agradáveis desconhecidos, assim como eu. Acredito que gente legal atrai gente legal. Mas enfim, voltemos ao pobre soberbo.

Este tipo de cidadão possui uma renda mensal que está sempre abaixo do orçamento que gostaria de ter, até aí, tudo normal. O pobre soberbo costuma ter bom gosto com roupas, culinária e etecétera e tal. Mas é do tipo que gosta de manter a aparência de bacana, usar vestimentas de marcas famosas, mesmo que isso comprometa suas prioridades (como supermercado, prestações ou algo assim).

O importante para este tipo peculiar de pessoa é manter a capa. Elas costumam frequentar locais “chiques”, sempre conversando sobre futilidades e afins. Ah, os assuntos preferidos do pobre soberbo são carros e pessoas que ocupam cargos públicos. Sim, eles são afiados nessa ladainha sobre coisas e pessoas que nomeiam “importantes”.

O pobre soberbo conhece todo figurão ou seus filhos, por estudar anos a fio suas fisionomias, nas inúteis colunas sociais. Aí ele espera só uma oportunidade para “puxasaquear” o tal fulano e aplicar o seu marketing pessoal, pleiteando algum tipo de status.

Ah, quando um pobre soberbo consegue alcançar algum lugar dentro da sociedade, de acordo com sua percepção, fica pior do que os verdadeiros ricos, nojentão total. Conheci várias pessoas assim. Lembro de um figura, nos anos 90, que disse para mãe que iria se matar, se ela não comprasse um carro para ele. Lembro das meninas da faculdade dizendo: “É um Fulano do carro tal” ou “é o Cicrano, filho do Beltrano”.

Outra característica dos pobres soberbos é dizer o preço das coisas que usa: “Saca este sapato, dei R$ 500 nele”. Essas pessoas são de uma superficialidade incrível.

Estes figuras são cheios de falsas certezas. Basta o mínimo de percepção para arrancar suas máscaras. A maioria só faz figuração na vida. Parafraseando Arnaldo Jabor: “eles assumem a verdade das suas mentiras”.

Dos pobres soberbos, que não são pobres só de posses, mas de espírito, eu só sinto pena e desprezo. Deles, só quero distância.

Elton Tavares

A tradição dos Ilhéus no Amapá – Crônica de Fernando Canto

Foto: Gabriel Penha

Crônica de Fernando Canto

Apenas para complementar o meu artigo anterior, denominado “A Presença Açoriana em Macapá”, é que deixo a julgamento dos leitores a necessidade de incluir na programação dos 250 anos de fundação de Macapá a participação das autoridades madeirenses e açorianas nas comemorações de 04 de fevereiro de 2008. É uma opinião que acalento há alguns anos e vejo como positivo e saudável, a exemplo do que o Governo amapaense fez ao inaugurar o monumento em Mazagão Velho depois das descobertas de ossadas humanas, quando das prospecções arqueológicas nas ruínas da velha igreja local.

Pelo lado diplomático acho procedente a inclusão dos descendentes dos povoadores ultramarinhos nesse processo, pois assim pela primeira vez teremos oportunidade de manter uma relação diplomática e mais estreita com esses lusitanos insulares. A sua participação, poderia, inclusive, ser ponto de partida para futuros projetos de cunho sócio-cultural, quem sabe através da Fundação Galouste-Gulbekian, do Centro de Estudos de História do Atlântico e de tantos outros órgãos afins existentes em Lisboa, Coimbra, Funchal, Machico, Faial, Graciosa, etc., e ainda no Brasil como em Santa Catarina, que também foi colonizada na mesma época por esses mesmos povos.

Antiga Vila de São José de Macapá. Imagem encontrada no site “Meu Mapa na História”.

Desde que os bravos emigrantes aqui aportaram em 1752 ficou o Amapá para sempre marcado pelos seus fazeres, notadamente no aspecto religioso, administrativo e cultural. Para o historiador José Manuel de Azevedo Silva, da Universidade de Coimbra, muitos desses ilhéus ficaram marcados como pessoas bem sucedidas ao explorarem as sesmarias que lhes foram concedidas e que em pouco tempo puderam provar que pelo trabalho da terra foi-lhes permitido ganhar fortuna e status. “Alguns deles passaram a integrar o rol dos homens-bons e a saírem nos pelouros de eleições dos oficiais das câmaras municipais. É o caso da família dos Picansos, naturais da ilha da Graciosa dos Açores. Concretamente, na eleição dos oficiais da câmara da vila de São José do Macapá para o triênio de 1762, 1763 e 1764, saíram eleitos nos pelouros Antonio José Picanso como juiz e André Correia Picanso como procurador. E um tal Sebastião Correia Picanso era então procurador das dependências dos moradores de Macapá e, com o intuito de impedir que fosse transferir para outra localidade, como pretendia o governador do Pará, alegou junto do rei os prejuízos que daí lhe adviriam, nomeadamente pelo facto de aí ter dois filhos a estudar: um deles, Manuel Correia Picanso, estudava gramática, latim e retórica; o outro, Tomás Nogueira Picanso, aprendia latim e gramática”.

A festa do Divino Espírito Santo, conforme aponto em A Água Benta e o Diabo, instituída pela rainha Santa Isabel de Aragão e El-Rei Dom Diniz, no século XI, “irradiou-se por todo o território português e instalou-se com raízes profanas no arquipélago de Açores”. Mas ela também é realizada nas freguesias de Porto Santo, Caniçal e Machico, localidades da ilha da Madeira. É muito semelhante aos rituais intrínsecos a festa do Divino realizada em Mazagão em agosto e no Marabaixo de Macapá. São recolhidas as ofertas e escolhidos os festeiros. Em alguns locais era costume se organizar romarias nas igrejas levando novas ofertas para a festa. Após a missa era organizada a “Mesa dos Pobres”, quando se reuniam os doze habitantes mais pobres da região e lhes era oferecida uma refeição. Essa prática foi extinta, pois era pouco recomendável a exposição da pobreza. Então foi substituída pela oferta de alimentos ou dinheiro a esses mesmos doze pobres. Há bandeiras, coroas e insígnias do Espírito Santo e a figura do imperador, uma tradição mantida por lá e perdida em Macapá. Em setembro é realizada a festa de Nossa Senhora da Piedade na freguesia do Caniçal, na Madeira. A imagem no alto de um morro é reverenciada pelos pescadores em procissões no mar, em barcos enfeitados com bandeiras que também lembram de alguma forma a bela procissão da meia lua ocorrente no Igarapé do Lago, Carvão e Mazagão Velho, em julho.

(*) Do livro “Adoradores do Sol – Textuário do Meio do Mundo, Scortecci, São Paulo, 2010.

Sonhar vivendo – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

A maioria das pessoas, e durante muito tempo eu me incluí nisso, na vida adulta, se deixa engolir pela rotina, compromissos, boletos, problemas, trabalho, ambições e segue como se os dias fizessem parte de uma grande gincana onde cada minuto é vital para cumprir as tarefas e chegar.

Mas aí quando paramos e nos questionamos: “chegar onde?”, surgem as crises existenciais aos que se permitem. Outros sequer param, pois a urgência e importância dos afazeres estão em lugar privilegiado no ranking de prioridades, pouco sobrando para pensar em si mesmo.

Uma vez participei de um evento onde a palestrante contava sua experiência com crianças de comunidades carentes no sertão, que em seu projeto recebiam a oportunidade de participar de aulas de reforço na alfabetização, teatro, pintura, desenho, música, com o objetivo de fortalecer o lado lúdico e alimentar o sonho dos pequeninos que ali residiam, já tão maltratados pela seca, ausência de energia elétrica, água encanada e outras dificuldades que somos sabedores.

Ocorre que em seu relato, o que mais me chamou atenção foi quando ela falou que em um momento de intervalo, quando todos estavam lanchando, perguntou aos infantes quais eram os sonhos deles e as respostas foram das mais variadas: alguns sonhavam em tomar banho de chuveiro, estudar em escola melhor, ter um sapato, tomar uma Coca-Cola sem dividir com ninguém, e pasmem!, a grande maioria, crianças entre sete e nove anos, afirmou não ter sonho algum.

E eu, na plateia da palestra, tocada pelas respostas que para mim são atividades rotineiras, passei a me perguntar qual era o meu sonho, e depois de muito pensar cheguei a triste conclusão de que minha vida estava tão triste e automática que eu sequer me permitia sonhar.

Se por um lado me sentia privilegiada por ter acesso a maioria dos “sonhos” elencados sem qualquer dificuldade, por outro me senti miserável por não ter um sonho, e isso me incomodou, gerando uma mudança de comportamento que me trouxe grandes benefícios pessoais.

Decidi a partir daquele momento, que seria mais generosa e amorosa comigo mesma. Que me permitiria o ócio, eu que sempre fui uma máquina de trabalhar, sem dia ou hora, e tal ócio me permitiu grandes descobertas. Passei a viver o momento, sentir os cheiros, gostos, sensações e um tomar um banho, ler um livro, gargalhar com os meus, tomar um sorvete, passaram a ser experiências muito mais deliciosas.

Não quero de forma alguma instigar ninguém a achar sua vida ruim, pelo contrário, mas justamente achar a beleza que se esconde todos os dias de olhos ocupados e distraídos. Encontrar satisfação, realização, relevância e sentido. Encontrei meus sonhos justamente aí: nos detalhes e na simplicidade. E hoje posso dizer que os tenho, os vivo diariamente e estou aberta e ter cada vez mais novos sonhos. Experimenta aí! Vale muito.

Telma Miranda

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.