Coxinha – Por Marcelo Guido

Por Marcelo Guido

A miss das estufas, o limiar perfeito, forma arredondada, com biquinho que chega a ser saliente, traços obscenos misturados a sabor inconfundível.

Coxinha é um símbolo nacional, iguaria brasileiríssima iguala classes sociais, todos, ricos e pobres , esquerda, direita, homem, mulher, todos se rendem ao quitute.

Clássica de frango, mas tem de camarão, já vi com queijo, de charque, jabá para os íntimos, caranguejo aí chamamos pelo apelido carinhoso de ” unha” ,  até de pato, gourmet mas igualmente  deliciosa. De carne não, aí a gente não aceita. Coxinha de carne, já diz a convenção Internacional  “Coxinha de carne é Risoles”.

A massa, de macaxeira, aipim pra quem prefira, de batata, gosto peculiar e a clássica de trigo, um sonho. Não mexa com os clássicos, mas prefira sempre o seu sabor.

A coxinha de um 1 quilo, que encontrei uma vez, adentra meu imaginário de boas lembranças, aquilo foi um verdadeiro desafio, que não ganhei, uma das derrotas mais felizes da vida.

Decepção, foi a de ovo, alguém deveria pagar muito caro, em um inferno de Dante por tal sacrilégio.

Tentaram manchar sua reputação, nomeando uma turma do mal com seu nome, como seu defensor não aceitou. Deixe essa turma do marreco e do ordinário como gado mesmo.

A coxinha define seu dia, pode se estragar um bom dia em uma mordida ruim, ou em uma que não esteja boa. Vai por mim, isso acaba com a alegria de viver.

Incautos desavisados, ou rebeldes sem causa ou apenas infelizes na vida estragam o momento, a primeira mordida e na bundinha, o bico fica para o final.

Melhor combinação, Coca cola, aceitamos Pepsi mas já disse, não mexa com clássicos, sempre um par, duas para ser mais preciso.

Experimente, sentar sem compromisso em qualquer lugar, é preciso um esforço para fazer dela algo ruim, a primeira mordida, lembranças boas de uma festa de sabor em sua boca.

Coxinha, é a dimensão ” salgadológica” do próprio amor.

Mestre, me veja essas duas…

*Marcelo Guido é pai do Bento e da Lanna, marido da Bia. Saiu hoje para comer um salgado.

**18 de maio é o Dia da Coxinha. 

Verde esperança: “Pedra de Rio”, o disco/coroação da trajetória da cantora Oneide Bastos – Por Elton Tavares e Yurgel Caldas – @CaldasYurgel

Foto: Elton Tavares

Por Elton Tavares e Yurgel Caldas

Ontem (14), tivemos a oportunidade de participar, no Jardim da Flor, da audição do disco Pedra de Rio, da cantora Oneide Bastos. Também estiveram presentes alguns jornalistas, produtores culturais e, é claro, outros músicos e intérpretes do quilate de Finéias Nelluty, Paulo Bastos, Enrico Di Miceli, Patrícia Bastos e Renato Braz. O álbum, que estará disponível no próximo dia 20 de maio, nas plataformas digitais, foi contemplado pelo Rumos Itaú Cultural, traz 10 músicas lindas, carregadas com toda energia vibrante da cultura musical amazônica.

Dante Ozzetti – Foto: Dani Almeida

O disco é produzido pelo renomado músico Dante Ozzetti, e traz, na linda voz de Oneide, toda a cultura dos interiores do Norte do Brasil. Impressiona a forma como as músicas do álbum ajudam a criar imagens amazônicas entre o perto e o longe, entre o reconhecível e o misterioso – num agora da música que recupera passados e gera sentimentos tão diversos quanto próximos, assim como a saudade e a melancolia. Os timbres e os arranjos do disco abrilhantam a identidade, a ancestralidade, a cultura e a tradição popular nortista com força e ternura ao mesmo tempo.

Com as canções, Bastos narra as alegrias e as dores de seu tempo de uma forma espetacular. Essa memória afetiva da qual, nem que quiséssemos, não poderíamos nos desprender passa pelo canto de Oneide, que se descortina limpidamente do início ao fim do disco Pedra de Rio. Além da produção, Dante Ozetti assina os arranjos e o violão das músicas, concebidos justamente para privilegiar a voz de Oneide. Com um olhar atento da metrópole para com a musicalidade ribeirinha, soa até redundante dizer que esse paulistano é gênio, pois com muita sensibilidade e talento, ele conseguiu, juntamente com uma seleção de músicos fantásticos, fazer um disco paid’égua demais!

Por meio dessa experiência maravilhosa da audição de Pedra de Rio, estamos cada vez mais convictos de que o Amapá precisa preservar, reconhecer e homenagear seus grandes nomes em todas as áreas de atuação. Como somos fãs de Oneide Bastos, que segue cantando, dançando e gravando suas músicas para as novas gerações em alto estilo, o nosso aplauso.

Com composições de Pedra de Rio (Luhli e Lucina), Jurupari (Oneide Bastos), Taemã (Enrico Di Miceli e Antônio Messias), Voou (Paulinho Bastos e Osmar Júnior), Alto Mar (Dante Ozzetti e Luiz Tatit), Congá (Paulinho Bastos), Batuqueiros (Paulinho Bastos), Suprema (Joãozinho Gomes e Lula Barbosa), Puçangueira (Joãozinho Gomes e Eudes Fraga), Sereia do Rio-Mar (Joãozinho Gomes, Eudes Fraga e Paulo Oliveira), o disco é simplesmente lindo. Muito porreta mesmo!

O disco conta com: Oneide (voz), está acompanhada por Dante Ozzetti (violão, guitarra elétrica), Fi Maróstica (baixo), Guilherme Held (guitarra elétrica), Guilherme Kastrup e Nena SIlva (percussão), Hian Moreira (bateria), Luiz Amato, César Miranda, Soraya Landim, Andreas Uhlemann, Amanda Martins, Caio Santos, Alex Braga e Guilherme Peres (violinos), Emerson De Biaggi, Elisa Monteiro e Fábio Tagliaferri (violas), Adriana Holtz e Jin Joo Doh (cellos), e Marco Delestre (Contrabaixo). Na faixa “Batuqueiros”, Oneide conta com a companhia preciosa da voz de Ná Ozzetti.

Aliás, destacamos aqui um trecho de Congá: “Peço passagem para esse esquadrão de visagem e proteção ao Rosário/ Batuqueiro não pode parar”. Esse canto de passagem, de trânsito – quase transe – e de respeito à ordem do invisível, que tem o poder de mostrar o Norte, mostra onde estamos e para onde vamos. Sensacional!

Eu (Elton Tavares, na direita), Oneide Bastos e Yurgel Caldas (esquerda), meu parceiro neste relato.

Em resumo, Pedra de Rio representa a coroação da trajetória de 50 anos de carreira de uma cantora incrível, batizada pelos artistas do Norte de “Rainha da Amazônia”, com o toque magistral de Dante Ozetti. Ambos seres da música que solidificaram suas carreiras nesse universo singular.

À Oneide, a “Mulher suprema, Luz que se agiganta”, nosso desejo de ainda mais sucesso e gratidão por tudo.

*Yurgel Caldas, meu parceiro nesta resenha, é professor de Literatura da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGLET) da mesma instituição. Além de amigo deste jornalista e editor do De Rocha (Elton Tavares).

**Fotos: Dani Almeida.

Canção do Filho Agradecido* – Crônica linda de Fernando Canto para sua mãe

Por Fernando Canto

Minha mãe está ali, do outro lado da rua ao lado de minha irmã, me olhando. Mas eu não posso atravessar porque muitos veículos passam constantemente em alta velocidade. A alegria de reencontrá-las é grande e o coração palpita na possibilidade de abraçá-las, afinal faz tempo que eu não as vejo.

Elas estão lá e esboçam sorrisos de ternura, como que convidando para uma conversa longa ao redor da mesa onde um café fumegante feito em casa, saindo do coador, explode em seu odor. Os carros não param. Não há semáforos nesse cruzamento. Elas percebem meu desespero e espalmam as mãos pedindo calma, porque é perigosa a travessia e eu devo esperar o movimento dos veículos para poder passar. Fico agoniado e não tiro os olhos delas. Mas os carros dão lugar à manadas de animais em estouro, e quando a poeira passa, um trem se segue em seu lugar. É grande o movimento. E agora uma chuva fina molha os caminhões em comboio veloz no meio da rua, ensopando o som de suas buzinas barulhentas. Do outro lado da rua duas figuras diáfanas desaparecem progressivamente, indiferentes ao meu chamado, enquanto os obstáculos móveis pouco a pouco somem da minha vista.


Então eu acordo com os batimentos cardíacos fora do normal e uma imensa saudade rompe abruptamente os globos dos meus olhos embotados, formando milhares de gotículas cristalizadas no chão. É um dia de sol e chuva, mas de luz intensa varando os vapores no céu azul equatorial.

Sobra um espanto materializado na parede do quarto. Fecham-se as cortinas…

Restou-me a sensação do nada, um vazio cheio de alguma coisa, o sentido da ausência, não da falta, pois “não há falta na ausência”, diria Drummond inventando exclamações alegres por aí. Ficou ainda a lembrança das criaturas que desafiaram a vida e puseram filhos no mundo, predispostas que estavam a romper círculos enfadonhos e mesmices tentaculares que enredam a normalidade do ciclo vital.

Fernando Canto, quando garoto.

E no interlúdio do sonho e da memória, do nascimento e da morte, do dia e da noite, uma canção renova-se mergulhada na saudade da planta e da flor. Uma canção encarna a melodia magnificamente soprada pelas ruas, onde só a escuta quem tem o ouvido treinado para ouvir sob o barulho dos carros da cidade. Dentro dessa canção se pronuncia o amor, palavra-escritura indecifrável para alguns ou guardada nos bolsos de outros. É uma canção que se inscreve em mosaicos, que venta e fustiga esconderijos de metal e é tecida com agulhas de ouro. Quem assobiá-la será feliz e descansará em macias almofadas de seda do oriente, recheadas de penas de ganso.

Por garantir essa promessa é que me alardeio proprietário de palavras inventadas, de músicas compostas em nome do amor e da memória. Eu narro essa façanha improvisada de fazer-me condutor do lume da saudade, a fim de vê-lo sempre aceso dentro do coração.

Inominada rutilância és tu, Mãe. Anjo astral, iluminadora. Grato eu sou pela concessão da espada nesta onírica epopeia inacabada em que me encontro e venço diariamente. Agradecido fico pelo indisfarçado crescimento das abelhas que colhem o pólen das hortênsias, dos jasmins e das papoulas que ainda florescem em teu jardim. Aqui teu filho lavra a terra, planta e separa o trigo onde lhe salpicam o joio. Aqui teu filho ainda pule a pedra bruta posta ao meio do caminho. Aqui ele canta a canção que lhe ensinaste para limpar os obstáculos e carregar os fardos inevitáveis que surgem nas ruas por onde passa.

Inefável rutilância tu és, Mãe. Fulcro lírico, bálsamo dos dias funestos, porto necessário ao barco sem destino. Grato eu sou pelos rios que atravesso nas pontes que me ensinaste a desenhar e transpor. Agradecido fico pelas metáforas da vida que Deus mandou-me e que eu, por ti, pude interpretar.

*Publicado em 2008, no Jornal do Dia. Macapá-AP.

Saco de frases – Crônica sensacional de Fernando Canto

Meu amigo Fernando Canto quando moleque. Foto encontrada no blog Canto da Amazônia

Crônica de Fernando Canto

Cresci num bairro segregado na geografia da minha cidade em formação. Era um local de densas matas e lagos de águas verdes abundante de aningas e buritis. Enquanto nossos pais trabalhavam nas repartições públicas, nós, crianças, jogávamos bola nas ruas empiçarradas, ou caçávamos com tiros certeiros de baladeiras os pobres passarinhos. Crianças implacáveis!

Macapá antiga. Foto: arquivo do jornalista Edgar Rodrigues

Entre as aulas e as brincadeiras, porém, eu andava pela doca da fortaleza, e pelas ruas do comércio vendendo jornais, escutando histórias e as aspirações das pessoas. A cidade tinha grandes esperanças. Mas de vez em quando eu ouvia vozes reclamantes tirarem seus lençóis sujos e descobrirem seus ranços pelos coaradores dos quintais: “caboclo preguiçoso”, “velho caduco” “Japonês é traiçoeiro”, “juiz ladrão”, “branco ensebado”, “preto retinto do Laguinho”, “mulher burra”, “arigó assassino”, “prefeito ladrão”, “judeu sovina”, “índio fedorento”, “moleque safado de uma figa”, “todo político é corrupto”, “puta escrota”, “libanês esperto”. Pessoas se xingavam, se machucavam.

Um dia comecei a ordenar essas frases e perguntei a uma freira o que significavam. Ela pediu que eu escrevesse uma a uma em pedaços de papel de embrulho, que as pusesse num saco e que o levasse até a lixeira para queimar. No trajeto o saco foi ficando cada vez mais pesado e eu sem forças. Só consegui arrastá-lo. Mas ele foi se gastando e se rasgando e algumas das frases saíram pelo rasgo e se perderam voando com o vento. Ao chegar à lixeira o saco estava leve. Só consegui incinerar umas poucas.

Hoje, quando percorro pelo antigo local da lixeira, sempre espero que o vento deixe pousar na minha frente uma daquelas frases escritas para que eu possa queimá-la, e assim extirpar do universo mais um preconceito que eu não deveria ter tido na caminhada da vida.

*Publicado no livro EquinoCIO – Textuário do Meio do Mundo, Ed. Paka-Tatu, Belém – PA. 2004 e utilizado no vestibular da Universidade Estadual do Amapá, em 2008.

Há nove anos: trampo e pororoca no Araguari, uma aventura no “Rio Encantado”

Há nove anos, viajamos, eu e a fotógrafa Márcia do Carmo, juntamente com uma equipe de técnicos da Prefeitura Municipal de Macapá (PMM) para as localidades do Igarapé Novo e Bom Amigo. Essas duas comunidades, apesar de fazerem parte do território da capital do Amapá, ficam isoladas, localizadas no Rio Araguari.

A expedição foi denominada “Pororoca Solidária”, pois consistiu em ações sociais da PMM, em parceria com um grupo de surfistas da onda (fenômeno natural) homônima a missão nas referidas localidades. Duas embarcações fazem parte da ação, um barco de madeira de porte mediano e uma balsa, onde os surfistas nos seguem.

O barco, nomeado “Renascer I”, partiu para a foz do baixo Rio Araguari com 13 pessoas, sendo três homens na a tripulação (comandante Celso e os embarcadiços “Farinha” e “Botinho”) e a equipe da PMM (eu, Márcia, Gláucia, Renata, Sandro, Diléia, Adélia, Galma, Roberta e Débora) – pessoal gente boa, com quem dividimos trampo, andanças por quilômetros em pura lama, comida, água, picadas de mosquito, entre outras coisas.

A viagem de ida foi um pouco tensa, por conta de um estranho nevoeiro que surgiu às 4h da manhã . O piloto me disse que nunca tinha visto algo parecido e a visibilidade estava comprometida. Como se já não bastasse, a profundidade, cerca de 23m, não permitiu que o comandante ancorasse o barco, o que nos fez seguir – com velocidade mínima – totalmente cegos, pelo Rio Amazonas (por onde navegamos antes de chegar ao Rio Araguari). Mas correu tudo bem.

Eu e Márcia fizemos fotos lindas. As imagens vão desde a alvorada no Rio Araguari aos guarás (pássaros da região). As noites foram longas, muitos mosquitos. Haja repelente! Foi osso!

Fomos até a comunidade de Igarapé Novo. Andamos cerca de 1,5 km (distância para ir e o mesmo para voltar ao barco) com lama até o joelho até chegar às casas dos ribeirinhos onde distribuímos alimentos e fizemos o recadastramento deles no programa Federal “Bolsa Família”. Além disso, cruzamos com a TV Amapá (Globo local), que também cobriram a ação social da sexta-feira, na comunidade Bom Amigo. O dia foi proveitoso!

Após as missões de trabalho, a ansiedade de ver a Pororoca tomou conta da maioria de nós.

Na manhã de sábado, pela primeira vez na vida, vi e vivi a Pororoca. A grande onda dos rios da Amazônia. Foi muito melhor que eu imaginava. Eu, a fotógrafa Márcia do Carmo e três colegas esperamos a onda na “curva da onça”, local onde a Pororoca arrebentou sobre nós. O fenômeno nos atingiu e logo alagou a enseada onde estávamos. Aliás, ficamos em um local bem de frente para a onda. Foi sensacional!

No domingo, fomos novamente acompanhar a Pororoca, mas agora, de cima da lancha “voadeira”. Ficamos muito perto da grande onda. Pena que eu e Márcia fomos em embarcações diferentes. A que eu estava deu problema no motor e logo mudei para a lancha pilotada pelo prático Riley.

Já a que a Márcia estava, encalhou e foi pega pela onda. Graças a Deus ninguém se machucou. A adrenalina de estar na crista da Pororoca, mesmo em uma lancha, é incrível! As fotos falam mais que palavras.

Nosso retorno à Macapá ocorreu após o almoço de domingo. Todos extasiados pela visão e sacodes da Pororoca. A viagem de volta não foi tão tranquila, pois a maré estava revolta, mas chegamos bem.

A expedição foi uma experiência de vida inexplicável e única, que adorei ter vivenciado. Aprendi muito naqueles oito dias. Tudo bem que nem tudo foi como eu pensava nesta viagem. Mas nossa missão foi cumprida.

Obrigado a todos que viveram esses momentos comigo, pois foi demais paid’égua e inesquecível. Saio dessa odisseia maravilhado com a beleza da região, com a Pororoca e peculiaridades do Araguari que como cantou Amadeu Cavalcante: é um rio encantado! É exatamente isso!

Parafraseando outro poeta, Gonzaguinha (que hoje completa 31 anos de embarque para o além) disse: “o movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual”. É isso! Modéstia à parte, monotonia é algo que não está incluso na minha rotina de jornalista. Já estou com saudades de uma aventura dessas . Boa sexta-feira pra todos nós!

Elton Tavares

*Adaptado e republicado por motivos de saudades dessas coisas.

Amor que nunca morre – Parte 1: Rejane – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

Tenho amigos de uma vida toda. Pessoas que conheço desde sempre. Alguns falo todos os dias. Outros o contato é mais espaçado, mas eu me sinto uma privilegiada de ter os amigos que eu tenho.

Claro que a maioria das pessoas já virá com as dez pedras do cancelamento nas mãos afirmando que o que se tem são conhecidos, que amigos se contam nos dedos de uma só mão e todo aquele enredo conhecido de que “nem todo mundo que está ao seu lado é seu amigo”, etc.

Para diminuir a polêmica, vou agora falar de uma em especial que conheço desde os nove anos de idade, quando voltei pra Macapá e caí na turma dela no segundo semestre, terceira série da professora Gil na escola O Pequeno Polegar, minha médica favorita Rejane.

Rejane era uma das melhores alunas DA ESCOLA, sempre atenta e aplicada, com uma letra linda que até hoje não mudou, e com quem, eu, CDF como sempre fui, me identifiquei de pronto. Branca, dos cabelos bem negros, eu sempre soube que ela seria enorme e acertei em cheio em minhas previsões.

Sempre passávamos de ano antes do quarto bimestre. Junto com o Ricardo (sobre ele escreverei em breve, meu amigo irmão que amo tanto e me faz chorar cada vez que ouço a música Não Vou Sair do Nilson Chaves, pois está nos EUA há mais de duas décadas) e tantos outros queridos e queridas, aprontamos muito! Quebramos ovos na cabeça uns dos outros nos aniversários, apresentamos os melhores trabalhos de grupo, organizamos levantes para tirar professor que a gente não gostava da aula, esperávamos ansiosas a festa junina, nos apaixonamos na mesma época pelo mesmo garoto e ainda riamos disso, fizemos primeira comunhão juntas na igreja Jesus de Nazaré e temos tantas memórias afetivas juntas que tem gente que acha que a gente é irmã, como acontece com a Priscylla, sobre quem também escreverei.

Estudamos desde então até quando chegou a hora de optar, já no Colégio Objetivo, qual seria a nossa área no terceiro ano: eu, SEMPRE de humanas, ela, brilhantemente biológicas. Ela foi pra Belém estudar medicina, eu virei mãe da Laís aos 18 anos, formando mais tarde. Ficamos uns tempos sem contato, mas TODAS as vezes que nos encontrávamos, era como se ainda estudássemos juntas: afeto, respeito, admiração mútuas e MUITAS gargalhadas.

Rejane sempre me considerou alguém à frente de meu tempo, mesmo sendo CARETA, por ter sido criada pela minha mãe, Dona Dalva, mulher ativista, extremamente politizada, feminista e motoqueira. É, mamãe andava de moto quando eu era criança é isso não era muito normal na época para mulheres. Claro que só descobri que a Rejane era fã da mamãe depois de adulta, a gente batendo papo e tal. É engraçado como geralmente a gente nem pensa que o que pode ser normal pra gente é super admirado pelo outro. Eu, em contrapartida, acompanhava de longe as conquistas da Rejane, e comemorava todas (e não foram poucas!) vitórias dela.

A vida adulta nos pegou, com boletos, filhos, casamentos, separações, conquistas, fracassos, e de uma forma misteriosa, pois nossa convivência era pouca, sempre estivemos ligadas e nos apoiamos. Ela me entende e conhece e vice versa, sem julgamentos. Tenho um orgulho tão grande dessa mulher que se ela soubesse me daria o título de presidente do fã clube dela, pois ela consegue ser mãe, filha, irmã, amiga, médica e tudo o que ela precisar ser, de forma visceral, apaixonada, intensa e bem feita. Nisso somos BEM parecidas. Carregamos a bandeira da liberdade, intensidade e felicidade. Somos subversão e revolução, sem pudores, reservas ou medos. Expressamos uma à outra nossos medos, fraquezas, frustrações. E sempre nos reinventamos.

E por isso que sempre que falo com ela, eu digo que a amo e escuto que ela me ama, e isso me alimenta a alma, juntamente com tantos outros amores que carrego e tenho. Minha amiga Rejane salva vidas, é uma profissional invejável, com treinamento e capacidade que a fazem única e mesmo assim ela continua ela: simples, enorme e pura força e amor, como uma tempestade que arrasta e não se explica, apenas se admira e respeita. Essa foi outra forma de te dizer que te amo e o quanto você é importante em minha vida e história.

Que a gente consiga ficar velhinhas do jeito que já conversamos e gargalhamos tantas vezes: próximas e cúmplices.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Paralelidades – Texto Poético de Luiz Jorge Ferreira

Imagem: Noticias Plu7

Por Luiz Jorge Ferreira

Putins eu lhes odeio.
Torço para que suas almas destroçadas pelas garras da solidão e ruídas em suas datas singulares de Natais entre as silhuetas magras de suas mães famintas lhes amamentando com o mecônio podre de uma loba cega…lamentem por suas entranhas agora pasto de abutres e hematófagos, que estes esqueçam o que é compaixão e lhes esfreguem o âmago contra a parede áspera da eternidade e que antes de todos os bilhões de bilhões de anos luz estejam esquecidos no interior da inexistência do tempo sua existência inadvertidamente humana.
Seja amaldiçoada pela perpétua palavra Maldição.

25 anos de Amapá e o agradecimento do meu grande amigo Fernando Bedran – @BedranCoelho

Hoje o Rosa Cruz, degustador de heinekens enevoadas, presidente da Divisão Internacional da Vida Alheia (D.I.V.A.) no Amapá, recordista intergaláctico de gente bonisse, mestre em paidéguice boemia, fabricante da Pimenta Brimo, administrador comercial, fã dos quadrinhos de Asterix, amante de boa música, locutor e DJ da Rádio Fuleiragem, ilustre morador de Santana, melhor papo de bar que conheço, além de querido amigo, Fernando Bedran, comemora e agradece os 25 anos completados em terras amapaenses. Saquem:

“Gratidão, celebração, alegria…e muito mais…hoje celebro um grande evento na minha jornada, um marco divisor…A minha chegada no Amapá, uma segunda-feira 21 de Abril de 1997,por volta das 12h, me despedia de minha eterna amada mãe fisicamente.

Nem imaginava que seria a última vez que lhe abraçaria ,sentindo seu cheiro cheiroso único de amor puro e incondicional, também por situações que só muito tempo depois entendi,lá apareceu nos visitando meu amado irmão mais velho, Paulo Sérgio, que estava de passagem por Belém (PA). Meu amado irmão subiu pra ver Mamãe ano passado. Recebi as bênçãos que estão comigo hoje e sempre estarão!

Gratidão é sentimento, muito acima da palavra escrita, um bem estar…E assim ,estendo essa gratidão e bem estar A Todos!

A Deus Pai /Mãe que me concedeu a vida e a luz que a faz vibrar, a minha família, a inúmeras famílias que me acolheram, Aos Amigos Amados Amigos, todos sem distinção, aos muitos que já subiram pro andar superior ,jamais serão esquecidos ,contabilizando os Amigos que compartilham a jornada comigo, minha companheira amada, filhos, enfim todos que acolhem, me aceitam com os defeitos e falhas ,possíveis virtudes, indignações, tolerância e intolerância. Meu muito obrigado!

Aqui sou feliz ,sou grato,e persevero no Amor, a maior dádiva que Deus nos concede!

Saudades da minha terra ?sempre ! Porém Aqui também me sinto em casa,pois a cada dia reconheço a como minha terra também, plagiando meu amado hermano xará Canto

– Aqui peguei de galho!

Finalizo meu agradecimento com um brinde , uma boa golada de cerveja, um almoço em casa, uma boa mini lapada numa pinga mineira e, como sempre, música!” – Fernando Coelho Bedran.

Calma, gente! Tô em transição! – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Selfie de Telma Miranda que causou questionamento por parte de algumas pessoas.

Crônica de Telma Miranda

Postei uma foto nas minhas redes sociais onde meu cabelo está solto e espalhado na cama, e as raízes brancas ENORMES geraram muitos questionamentos. Pessoas querendo saber o motivo de eu “estar assim”, se ainda vou pintar, se estou bem, etc. Vamos então, por partes, explorar a pauta.

Tenho 44 anos completados em dezembro, logo, na época de aparecerem os cabelos brancos que a tantas mulheres apavora pelo aspecto de “desleixo” que emite e tanta gente acha lindo em homens.

Meus cabelos são grisalhos desde que tenho cabelos. Nasci com um sinal na cabeça enorme na parte de trás e ao redor dele os cabelos sempre cresceram brancos. Antes dos meus 30 anos eu já estava uma grisalha completa e fazia uso de tintura sem amônia, por ser alérgica.

Toda vez que chegava na casa da minha avó Amélia, no Trem, quando eu retocava as raizes , ela logo falava: “Menina, essa química ainda vai te matar!”, e eu, sempre com uma resposta na ponta da língua, devolvia: “Pode até matar, vó, mas estarei belíssima no caixão!”, cruzando os braços no peito e ela apenas sacudia a cabeça como se soubesse o que aconteceria num futuro próximo.

Meus avós maternos tinham os cabelos bem branquinhos, quase prateados. Meu vô Miranda usava sempre cortado ao estilo militar, bem curtinho, e a vó Amélia com seus cabelos brancos e longos até a cintura, usando-os trançados ao costurar, externava a pouca vaidade que tinha ao soltá-los e penteá-los sempre com muito cuidado.

E cá eu, grisalha e com uma alergia cada vez mais agressiva com o passar dos anos, que não é à amônia, mas ao pigmento, ou seja, qualquer substância que eu use que contenha cor vai causar reação, cada vez que retocava minhas raízes ultimamente, quando ficava com meu couro cabeludo em ferida aberta por mais de uma semana, acompanhado das glândulas do meu pescoço inflamadas, que impediam de mexer a cabeça e também causavam muita dor, junto com as orelhas, olhos, boca e pele inchados, lembrava de quem?!?! DA VOVÓ FALANDO QUE A TINTA IA ME MATAR! E gargalhava sozinha e pensava que ela não ia desistir enquanto eu não parasse de pintar meu cabelo.

Mas como eu vou parar? Vão me chamar de relaxada, vai me envelhecer, vou ficar feia, ser julgada, medida, sofrer bullying, preconceito. Pensei nisso? NÃO!!! Somente um dia decidi que não queria mais sofrer esse processo de adoecimento que o retoque de raiz me trazia. Simplesmente parei. E assim tem sido. Parei e tô deixando meus cabelos crescerem. Já cortei duas vezes desde que parei de pintar. Hoje eles alcançam minha cintura. E eu lembro da velha Amélia falando e abro um sorriso.

Meu sorriso se deve ao fato de que em momento algum, por todas as perguntas e comentários que meus cabelos causam, sejam na minha frente ou não, eu pensei em desistir, mesmo que não seja fácil. Não é fácil você ouvir da sua mãe que conhece uma tinta vegana que pode não te fazer mal, da sua amiga que você fica mais bonita de cabelo pintado, ver os olhares que principalmente outras mulheres lançam que praticamente dão pra ler a legenda de julgamento e diminuição.

Eu não preciso agradar ninguém se eu estiver feliz e para isso não invadir espaços alheios. Eu me aceito, com a idade que tenho e as marcas que ela traz, pois junto com cada marca vem experiência, aprendizado, melhoria. O pneuzinho cada vez mais difícil de sair, a celulite, a estria, os cabelos brancos, as rugas, a flacidez: tudo isso faz parte do processo. Claro que podemos retardar muita coisa com os avanços estéticos. Os 50 hoje são os 30 de ontem.

Mas independente do investimento na prevenção ou cuidado, o tempo passará para todos nós. Uns mais belos por dentro que por fora, outros o oposto. Haverão os belos por dentro e por fora e os que pouco terão o que oferecer. Não importa. Cada um que siga o caminho que escolheu e que isso seja respeitado. Respeitar as escolhas do outro é muito importante para que as pessoas possam fazer o que gostariam de fato, pois nem todo mundo nasceu com aquela tecla “F” ligada ininterruptamente como eu.

Sou uma jovem senhora de um metro e meio, agora grisalha, que toma shake todos os dias, brigando com a balança, que pratica esporte, mas depois do COVID ficou mais tola, que não ultrapassa limites ou faz loucuras para ficar linda, perfeita e admirada. Pelo contrário.

Sou imperfeita. E nessa minha consciência de imperfeição, tem dias em que acordo linda, diva, irretocável, a mulher mais gostosa das galáxias e em outros (poucos, confesso!), nem quero me olhar no espelho ou me arrumar por estar me achando um lixo, mas a grande maioria dos dias me sinto bem e feliz, ou seja, coluna do meio. Feliz por ser exatamente quem eu sou, e vou continuar sendo independente da cor que meus cabelos estiverem.

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Dia do Jornalista – Por Dulcivânia Freitas – @DulcivaniaF

A querida jornalista Dulcivânia Freitas, em uma redação de jornal em 1996 – Belém (PA) – Foto: arquivo pessoal da Dulci.

Por Dulcivânia Freitas

Já que hoje é Dia do Jornalista, #tbt de uma redação raiz de jornal em 1996, em Belém . Essa é do tempo que não tinha Google, e a gente fazia apuração in loco, e só ficava no computador pra escrever mesmo, e no sábado a noite tínhamos síncope se não encontrássemos o jornal do domingo em alguma esquina da cidade. E bote escrever viu, eram páginas e páginas, e numa ligeireza que nem sei como era capaz. Só os entendedores entenderão. Acho que por isso me dei bem nas provas discursivas do concurso da Embrapa. E na redação raiz produzíamos tudo do nosso quengo mesmo, tendo como base a apuração de outrora, claro.

Do tempo que eu pensava que assessoria era um setor só pra agendar entrevista, nem imaginava que jornalista não tinha folga no feriado, me espantei com a jornada especial, e ainda pensava que jornal era somente um meio de informação. Sabe nada inocente.

Hoje vamos de SEO, hiperlink, multimídia, postagem quase em tempo real nas redes pessoais e corporativas (de certo mesmo jornalista agora é notícia também), mas uma coisa jamais muda: ser jornalista é saber hierarquizar, saber apurar e possuir uma compreensão aguçada do contexto. Em tempos de salários cada vez mais aviltantes na média, ataques (com nuances de fascismo) às atividades voltadas ao pensamento, reflexão e criação, mais do que nunca é importante ter noção da importância do jornalismo profissional.

Infelizmente não temos Conselho, sindicatos sempre com pouca representatividade e poder de mobilização, mesmo assim parabéns a esta categoria que ainda, no geral, precisa enxergar-se como classe trabalhadora e provedora de um insumo fundamental à democracia: a circulação de ideias e pensamentos plurais.

Meus parabéns e saudação aos colegas de ontem e de hoje. E deixo as boas-vindas aos meus primos da nova geração, que se enveredam agora pela melhor profissão do mundo, nas palavras do admirável Gabriel García Márquez. beijos!

Das boas surpresas que o fluir traz – Crônica de Telma Miranda – @telmamiranda

Crônica de Telma Miranda

Não lutar contra a própria natureza e a dos outros é o melhor que podemos fazer. Não significa que devemos estacionar na zona de conforto. Jamais! Isso nem saudável é, mas fazer cobranças exacerbadas, querer ir além e além e além, competir consigo mesmo e ser seu próprio algoz não nos torna nem melhores e nem super-heróis, então o segredo é, em primeiro lugar, conhecer a si mesmo.

Quando nós nos conhecemos de verdade, sabemos nossos potenciais, limites, fraquezas, e assim podemos estabelecer metas factíveis e caminhar (ou correr!) até elas, e até mesmo nos superar a cada dia.

Quando mais nova, 84 anos atrás, eu achava que deveria fazer tudo logo, avocava responsabilidades alheias, achava que poderia dar conta de tudo e quando não dava me sentia o retrato do fracasso, a personificação da incompetência, uma total incapaz. Não que isso tenha mudado muito, pois continuo workaholic confessa, mas aprendi com o tempo a pegar mais leve comigo mesma e a me perdoar.

Ao contrário de querer morrer como antes, hoje eu paro, penso em toda cadeia de acontecimentos, verifico o que dependia de mim e o que não dependia, mas principalmente, o que a situação está querendo me ensinar. Claro que esse processo não foi do dia pra noite e sofri muito até aprender que não preciso dar conta de tudo, não sou infalível, que preciso saber esperar o tempo das pessoas e dos processos.

Essa forma de pensar me ajuda diariamente a levar uma vida mais leve. Continuo a maria-das-listas, anoto tudo, avalio minha produtividade, desempenho, mas mesmo que a minha linda cabeça não pare um minuto sequer e não esvazie, sigo me impondo momentos meus, de ócio, pra pensar e falar bobagem, relaxar e me permitir exercer o egoísmo.

O mais engraçado disso tudo é que agora, anciã e em processo de transformar as experiências em sabedoria para futuramente achar minha caverna e com meu cajado oferecer conselhos, consigo enxergar nitidamente que as coisas acontecem como tem que acontecer, que as pessoas são como são e que cabe unicamente a mim extrair o melhor das minhas vivências, e exercendo este “aceite” diário o viver flui e acredite, me surpreende todos os dias. Tente!

* Telma Miranda é advogada, fã de literatura, música e amiga deste editor.

Há 24 anos, morreu meu pai, Zé Penha Tavares (o meu herói)

Meu pai, Zé Penha. Um cara sensacional!

Um discurso que sempre pautou a minha vida foi o amor pela minha família. Há exatos 24 anos, em uma manhã de segunda-feira cinzenta, no Hospital São Camilo, morreu José Penha Tavares, o meu pai. O meu herói. Já que “Recordar, do latim Re-cordis, significa ‘passar pelo coração”, como li em um livro de Eduardo Galeano e dito também em outro texto pelo amigo Fernando Canto, passo pelo meu essas memórias.

Filho de João Espíndola Tavares e Perolina Penha Tavares, nasceu no município de Mazagão, em 1950, de onde veio o casal. Era o primogênito de cinco filhos.

Ele começou a trabalhar aos 14 anos, aos 20 foi morar em Belém (PA), sempre conseguiu administrar diversão e responsa, com alguns vacilos é claro, mas quem não os comete? Na verdade, papai nunca se prendeu ao dinheiro, nunca foi ambicioso. Mas isso não diminui o grande homem que ele foi.

Após o seu falecimento, li no jornal da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA), onde ele trabalhava: “Feliz, brincalhão, sempre educado e querido por todos. Tinha a pavulagem de só querer menina bonita a seu lado, seja em casa ou entre amigos, mas quem se atreve a culpá-lo por este extremo defeito?”.

Zé Penha pode não ter sido um marido exemplar, mas com certeza foi um grande pai. Cansou de fazer “das tripas coração” para os filhos terem uma boa educação, as melhores roupas e bons brinquedos. Quando nos tornamos adolescentes, nos mostrou que deveríamos viver o lado bom da vida, sacar o melhor das pessoas, dizia que todos temos defeitos e virtudes, mas que devíamos aprender a dividir tais peculiaridades.

Papai e mamãe, em 1990.

Penha não gostava de se envolver em política. Ele gostava mesmo era de viver, viver tudo ao mesmo tempo. Família, amigos, noitadas, era um “bom vivant” nato. Tinha amigos em todas as classes sociais, a pessoa poderia ser rica ou pobre, inteligente ou idiota, branca ou preto, mulher ou homem, hétero ou homo, não importava, ele tratava os outros com respeito. Aquele cara era extraordinário!

Esportista, foi goleiro amador dos clubes São José e Ypiranga, dos times do Banco da Amazônia (BASA) e Companhia de eletricidade do Amapá (CEA) e tantos outros, das incontáveis peladas.

Atravessamos tempestades juntos, o divórcio, as mortes do Itacimar Simões, seu melhor amigo e do seu pai, João Espíndola, com muito apoio mútuo. Sempre com uma relação de amizade extrema. Ele nos ensinou a valorizar a vida, vivê-la intensamente sem nos preocuparmos com coisas menores a não ser com as pessoas que amamos. Sempre amigo, presente, amoroso, atencioso e brincalhão.

Com ele aprendi muito sobre cultura, comportamento, filosofia de vida, e aprendi que para ser bom, não era necessário ser religioso. “Se você não pode ajudar, não atrapalhe, não faço mal a ninguém” – Dizia ele.

Acredito que quem vive rápido e intensamente, acaba indo embora cedo. Ele não costumava cuidar muito da própria saúde, o câncer de pulmão (papai era fumante desde os 13 anos) o matou, em poucos meses, da descoberta ao “embarque para Cayenne”, como ele mesmo brincava.

Serei eternamente grato a todos que ajudaram de alguma forma naqueles dias difíceis, com destaque para Clara Santos, sua namorada, que segurou a onda até o fim. E, é claro, minha família. Sempre que a saudade bate mais forte, eu converso com ele, pois acredito que as pessoas morrem, mas nunca em nossos corações.

Zé Penha, com as mãos nos ombros da Clara (sua namorada na época), eu (em pé com a mão no ombro do meu irmão) e Emerson. 1997.

José Penha Tavares foi muito mais de que pai, foi um grande amigo. Nosso amor vem das vidas passadas, atravessou esta e com certeza a próxima. Ele costumava dizer: “Elton, se eu lhe aviso sobre os perigos da vida, é porque já aconteceu comigo ou vi acontecer com alguém”.

Meu mais que maravilhoso irmão, Emerson Tavares, disse: “Papai nos ensinou o segredo da vida: ser gente boa e companheiro com os que nos são caros (família e amigos). Sempre nos espelhamos nele. Para mim é um elogio quando falam que tenho o jeito dele, pois o Zé Penha foi um homem admirável, um verdadeiro ser humano!

“Quem já passou por essa vida e não viveu, Pode ser mais, mas sabe menos do que eu”. A frase é do poeta Vinícius de Moraes. Ela define bem o meu pai, que passou rápido e intensamente por essa vida.

Queria que o Zé Penha tivesse vivido pra ver a Maitê, pra sacar que consegui me encontrar e ser um bom profissional, pra ver o grande cara que o Emerson se tornou. Enfim, pra tanta coisa legal. Também faço minhas as palavras do escritor Paulo Leminski: “haja hoje para tanto ontem”.

Ao Penha, dedico este texto, minha profunda gratidão e amor eterno. Até a próxima vez, papai!

Obs: Texto republicado todo ano nesta data e assim será enquanto eu sentir saudade. E essa saudade, queridos leitores, nunca passa!

Elton Tavares

A infinitude da pressão estética: porque nunca vamos ser bonitas o “suficiente”

Por Fernanda Fonseca

Acho que muitas pessoas já devem ter escutado ou lido algo sobre o Mito de Sísifo, mas para aqueles que não estão familiarizados com o nome, vou tentar resumir a história: Sísifo era um rei da Grécia que após desafiar os deuses repetidamente (incluindo Zeus e a própria Morte), foi condenado a empurrar uma pedra até o cume de uma montanha por toda a eternidade – e eu falo em “eternidade” porque toda a questão desse mito é que quando Sísifo achava que estava chegando ao topo, a pedra rolava para baixo novamente. O que os deuses queriam era castigar Sísifo com uma tarefa fútil e sem sentido, já que não importava o que o rei fizesse, a pedra sempre rolaria para a base da montanha e ele teria que começar tudo de novo, dia após dia.

Esse mito pode ser usado como uma alegoria para várias coisas: relações de trabalho, capitalismo e etc., mas hoje eu quero falar de como a pressão estética também tem muito a ver com Sísifo e sua pedra.

Para começar, pressão estética é (resumidamente) os padrões de beleza que são impostos às pessoas – principalmente mulheres – de como sua aparência deveria ser. Esse falso ideal de beleza cria uma imagem do peso, pele, cabelo e altura desejáveis, tendo como referência o que está sendo disseminado pela mídia. Como eu já mencionei em um texto anterior sobre o livro O Mito da Beleza, da escritora americana Naomi Wolf, diariamente somos bombardeados por essas imagens de beleza que dizem como a nossa aparência deveria ser e o que devemos fazer para chegar lá. Dietas, remédios, cirurgias e produtos estéticos são apresentados como salva-vidas milagrosos capazes de sumir com todas as imperfeições que você nem sabia que tinha. E isso não tem fim. Constantemente, somos apresentados a novas tendências estéticas que dizem o que é bonito e o que deixou de ser, convencendo-nos a novamente sair em busca de algum padrão recém inventado.

E é nesse ponto que mora a similaridade com o Mito de Sísifo: a continuidade de uma tarefa que não tem fim e que mesmo depois de nossos esforços, obriga-nos a começar de novo. O que a pressão estética faz é se reinventar conforme o período e as mudanças do próprio mercado. Durante a década de 50, por exemplo, as revistas femininas enchiam suas páginas com anúncios de maquiagens, mostrando modelos extremamente produzidas e as associando com os ideais de feminilidade que eram esperados das mulheres nessa época. Hoje, o que a mídia anuncia são rostos com “menos” produtos, aplaudindo uma suposta beleza natural que se restringe apenas àqueles com a pele sem nenhum resquício de imperfeições – sem acne, sem manchas e sem falhas. E é através dessa narrativa que o ciclo da pressão estética se retroalimenta, desbloqueando novas inseguranças e alimentando um mercado que irá lucrar com esse processo.

E coisas novas surgem o tempo todo. Você navega pelas redes sociais e descobre novos padrões de beleza a serem almejados e o que fazer para conquistá-los (e geralmente esse processo de conquista envolve dinheiro, poder de compra e tempo). Lembro de quando vi numa rede social que a nova característica física que estava na “moda” eram os chamados “fox eyes” (olhos de raposa), que incluía truques de maquiagem e até cirurgia para dar um aspecto mais alongado aos olhos. Além de todo o debate sobre racismo e apropriação de traços comuns em pessoas asiáticas pela mídia mainstream, a questão é que esse também é um exemplo de como o mercado está constantemente a procura de novas características para usar como um padrão estético a ser desejado. E a mídia é central em todo esse processo: segundo o site da revista Vogue, em 2020, vídeos com a hashtag “fox eyes” geraram mais de 74 milhões de visualizações para a plataforma do TikTok e o mesmo fenômeno também pode ser visto no YouTube, com tutoriais de maquiagem e vídeos que incentivam o procedimento cirúrgico reunindo milhares de curtidas e visualizações.

Constantemente, esses novos padrões aparecem na mídia e tentam nos convencer de que precisamos alcançá-los: ter aquele corpo, pele, cabelo, etc. Isso movimenta o mercado e também aprisiona as mulheres e todos aqueles que sofrem com a pressão estética em algum grau. Ela nos faz acreditar que se nos esforçarmos o suficiente – comprando produtos, fazendo regimes, etc. – vamos chegar lá, conseguindo, enfim, levar a pedra até o topo da montanha. Mas ficar presa em uma rotina que consiste em se esforçar para alcançar um padrão de beleza, para logo em seguida ter que começar novamente por que algo novo apareceu, é cansativo, desgastante e caro.

Então, assim como Sísifo, voltamos repetidamente para a base da montanha, olhando para o cume e imaginado se um dia vamos conseguir quebrar esse ciclo. Mas até lá, seguimos empurrando nossas pedras.

*Fernanda Fonseca é amapaense e acadêmica da Jornalismo na UnB.

Fonte: Escrevi Elas.

Estamos cheios de vida. Então, bora viver! – Crônica de Elton Tavares – (do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Estamos cheios de saudades difíceis de matar, memórias tristes e felizes, milhões de possibilidades, bagagem de vivências passadas, conhecimento adquirido na caminhada e muita vontade de driblar adversidades. Temos poucas certezas, sem grandes promessas, mas o trato de evitar o tempestuoso e cólera.

Inevitavelmente, sofremos de arroubos de entusiasmo, preguiça e euforia digna de uma análise Freudiana. Sim, é muita liga! Estamos cheios de afeto, contradições, neuroses e poucas explicações. Estamos cheios da boa maluquice, de corações abertos. Estamos a desatar amarras e atentos para não pirarmos, pois estamos cheios deste tipo de loucura. Estamos cheios de luz e felicidade.

Estamos a descartar polêmicas ou manifestações exaltadas, daremos uma bicuda nas controvérsias, pois vamos desengarrafar sonhos. É, estamos cheio de vida. Então, bora viver!

Para você que leu, que a Força esteja contigo!

Elton Tavares

*Do livro “Papos de Rocha e outras crônicas no meio do mundo”, de minha autoria, lançado em novembro de 2021.