Richarlyson, um tapa na cara do conservadorismo dentro do futebol – Crônica de Marcelo Guido

Crônica de Marcelo Guido

Ao ser assumir bissexual o ex -jogador quebra barreiras, chama para o debate e da um verdadeiro tapa na cara de toda uma estrutura machista , homofóbica e conservadora no futebol brasileiro.

Richarlyson é um ex futebolista brasileiro, que brilhou nos campos sua carreira teve muito destaque no São Paulo, pelo tricolor paulista foram três títulos brasileiros, um Mundial de clubes, pelo Galo Mineiro veio a Libertadores da América, além de estaduais (dois), o Paulistão pelo Ituano, fora os prêmios individuais, vestiu a Canarinho. Currículo invejável dentro das quatro linhas.

Sua força, rigidez, categoria o faziam ser sempre demostrado como acima da média para um volante, a evolução para “meiuca” foi natural, Richarlyson o filho do Lela Careta ( Campeão brasileiro de 1985) era de certo um jogador fora de série, daqueles que não precisaríamos de muito para concordar que o cara era foda.

O cidadão Richalyson, agora um ex- futebolista deu uma verdadeira aula de coragem, ao se assumir bissexual, talvez o maior premio que o mesmo já tenha ganho, o apoio de muitos clubes e de muitas pessoas já era esperado, a evolução que a nossa sociedade vem passando já permite que o assunto venha a tona, sim a sexualidade do atleta não o impediu de exercer seu talento de forma alguma. Seria natural, mas estamos falando do futebol.

Futebol, esporte mais popular do mundo, onde vemos torcidas apaixonadas vivendo o dia a dia do clube, transformando vidas, sendo democrático, futebol é jogo, nada é certo, nada é exato, o futebol é bem diferente da realidade.

A realidade é que vivemos em um país extremamente homofóbico, onde os crimes de ódio contra a comunidade LGBTQI+ ainda tem índices alarmantes e absurdos, onde a segregação social destes seres humanos é clara e parece não incomodar, é preciso ser muito homem para ser gay no Brasil.

O futebol, ou melhor, o preconceito já vitimou Justhi Fashanu, inglês , atacante o primeiro a se assumir, tirou a própria vida ao ver a carreira degringolar e a depressão tomarem conta depois de um grito de liberdade. Eram outros tempos, mas já sabíamos que machucávamos quem era diferente. Richarlyson, mesmo um vencedor, conviveu com gritos homofóbicos das torcidas adversárias e muitas vezes da própria torcida, mas isso não o fez baixar a cabeça. Um exemplo.

O ex jogador, apenas sendo natural, com uma declaração entrou de carrinho na hipocrisia, deu um drible seco na homofobia e marcou um verdadeiro golaço contra a caretice, se fez presente, chamou para as críticas e recebeu todo apoio merecido, o futebol que mais de uma vez se demonstrou a válvula de mudança em muitas ocasiões vai ter mais essa missão.

O cara foi homem pra caralho em mostrar a cara e dar esse verdadeiro tapa na cara do conservadorismo dentro do futebol.

Que muitos outros sigam o exemplo, não só futebol ou nos esportes, que as famílias sejam mais receptivas e aprendam a lidar com essas questões, que mercado de trabalho também abra suas portas e que o melhor que ninguém seja julgado por seus gostos e afins.

Que todos possam conviver bem e que cada um cuide da sua própria vida, que com isso possamos melhorar como pessoas e construir assim um mundo melhor.

Que venha um tempo que podemos falar “Richalyson é bissexual e dai ? O cara era foda em campo e é ídolo do futebol”.

Parabéns Richarlyson, que tua coragem sirva de exemplo, e que muitos como tu possam surgir e que daqui a um tempo essa pauta não cause estranheza, susto ou o que quer que seja.

Tu foi campeão dentro e fora de campo.

Tu é foda.

*Marcelo Guido é Jornalista, pai da Lanna e do Bento e maridão da Bia.

O Torcer para o Fluminense – Crônica de Marcelo Guido

Crônica de Marcelo Guido

O torcedor do Fluminense é um ser astuto, leva no coração as três cores que traduzem a tradição.

Tem com ele a paz, a esperança e o vigor unido e forte, faz do branco verde e grená do pavilhão o verdadeiro sentido da vida.

O torcedor do Fluminense esta do lado dos grandes como Mario Lago,  Paulo Gustavo e Cartola levando para eternidade a honra de torcer para o clube tantas vezes campeão.

O torcedor do Fluminense é tricolor noite dia, é vencedor por merecimento, tem um time de guerreiros que honra nos 90 minutos pelos gramados as lágrimas e suor de sua torcida.

O tricolor dá elástico nos problemas como Rivelino, bate no peito como um coração valente de  Washington e leva  a vida como um sorriso de Fred.

Se revigorar com conquistas e vitórias, lembrar-se dos períodos difíceis para que nunca sejam repetidos e ver a perfeição como um passe de Conca.

É vibrar em um Maracanã lotado do mesmo jeito com a pintura de Dodô e a barriga de Renato, lembrar da máquina que tinha um certo Aldo, Dom Romeo e Branco.

O Tricolor tem a avidez de quem usa um terno feito sob medida e sabe quem tem que correr é a bola assim como já dizia o canhoto Gerson.

O tricolor vibra na humildade, com a segurança de Félix , com a rigidez de Ricardo Gomes e a elegância de Edinho , sempre visando conquistas capitaneadas pelo Super Ézio , sabe ainda vão ser muitas, pois olha para o passado e sabe que seu destino é a glória.

O Torcedor do Fluminense é um fascinado pela disciplina, sabe que quem espera sempre alcança  e com o sangue do encarnado sob as bênçãos de João de Deus faz a torcida vibrar de emoção com o tricampeão.

*Texto dedicado aos meus Tios Ênio, Evaldo e Rodolfo.
**Marcelo Guido é Jornalista, pai da Lanna e do Bento e maridão da Bia

“Querem cafezes”? disse a olavista (Deuses me livrem!) – Por Jorge Herberth

Por Jorge Herberth

A “borra” sujou o teu Café com espinha de peixe e ‘falsa filosofia’. Por isso que só frequento bares e não “cafezes”, como disse a gentil e linda moça ao servi-lo a políticos e comitiva em uma comunidade bem ali, ela que já foi transformada em uma das centenas de personagens do escritor Fernando Canto. O escritor teve duas obras censuradas pela ignorância, por uma ilustre desconhecida, e seu séquito, em Macapá, em uma banca de ‘cafezes’.

À toa! Fernando Canto é bem maior que ela e os ‘cafezes’ servidos por lá. Imagina-se que um lugar desses, ou café cultural como escrito na placa, seja realmente um lugar de cultura. No sentido mais amplo, incluindo democracia e liberdade para todos os títulos e escritores de verdade e de qualidade. Até podem oferecer títulos de ‘cafezes’. Faz parte do negócio, dizem os tolos. E quando carrega uma identificação cheia de ancestralidade espera-se, mais ainda, que seja responsável e respeitoso com a cultura que tenta expressar, já que não é com todos os escritores do Amapá. E nem com o código de postura, pois cercou a calçada. Alô prefeitura!

Pois bem. Não foi respeito que tiveram com o escritor Fernando Canto, maior que tudo isso e bem maior e melhor que todos eles, os ‘cafezes’. O falso “pajé” deveria ser outra coisa como um vendedor da cultura, porque não é como os verdadeiros pajés e os xamãs da rica e linda história do Amapá. O “pajé” dos ‘cafezes’ vacilou feio com Fernando Canto, escritor mais que representativo da Amazônia e do Amapá, onde fincou pés e raízes, onde tem a cabeça única e exclusivamente voltada para a cultura de nosso estado.

Poucos estudam e conhecem a gente do Amapá e sua cultura, como o escritor, sociólogo e doutor Fernando Canto. O resultado desse trabalho e pensamento são seus mais de 16 livros (Desde os poemas em Os periquitos comem manga na avenida; Fedeu, Morreu; Água benta e o diabo; Equino Cio; Adoradores do sol; Contos Insanos; O Bálsamo; entre outros de poemas e contos). Além de jornalismo e artigos científicos.

“Fortaleza de São José de Macapá: vertentes discursivas e as cartas dos construtores”, seu trabalho resultado de pesquisa para tese, a obra mais extensa, densa e importante do ponto de vista histórico, antropológico e sociológico sobre esse patrimônio do povo do Amapá, candidata a monumento da humanidade, é destaque entre obras grandiosas do Brasil. Está publicada na biblioteca do Senado Federal.

Sobre os dois de seus belos livros de contos, Mama Guga, lançado inclusive em feira internacional onde milhares de jovens circularam e consomem, e O Centauro e as amazonas, foram “dispensados” pelo tal “cafezes” sob justificativa de “não recomendável para os jovens”. E descobrimos mais ainda como justificativa, ouvida dento do local: “não eram moralmente grandiosos” (sic….. pois o são e muito!). Moralmente pra quem? Aos que pregam mentiras baseadas em farsas filosóficas, como os olavistas, oportunistas, os das fakes e do falso moralismo de um mundo (de farsa religiosa) para ovelhas? Ou como a censura pregada na ditadura, que torturou e matou inocentes? O café borrado chegou atrasado e frio. À toa! Fernando Canto é maior e melhor ‘que vocês tudinho junto’, diria meu amigo Muleira, o Luiz Façanha.

Porque Fernando Canto, desde o início de sua carreira como um dos melhores e maiores compositores do Amapá, vencedor de festivais e fundador do Grupo Pilão ao lado do Bi Trindade e Juvenal Canto, seu irmão, passou pela censura dos milicianos e militares, foi torturado psicologicamente e preso mais de dez (10) vezes, quando inclusive um coronel dos crimes da ditadura obrigou que um parente dele lhe servisse ‘cafezes’, lá no quartel. Um torturador! Mas felizmente, para nossa grande alegria, está conosco e com a literatura da Amazônia brasileira como um dos melhores. E foi com luta, trabalho e enfrentamento. Mesmo com esse fato do ódio e outros sentimentos escrotos, atitudes e política medíocres como as desse momento contra a cultura e os artistas, Fernando Canto é e sempre será bem maior que todos os ‘cafezes’ da censura, passados em coador furado, com espinha de peixe ou bala. Nunca mais atravessarão nossas gargantas e nem a liberdade da cultura e nem da obra do Fernando Canto.

Vale lembrar que essa obra, e seu autor, circulam livremente pelo Brasil. Fernando Canto é um autor debatido por jovens em escolas por todo o estado, seus textos são utilizados em provas de vestibulares e concursos, debatidos nas universidades e faculdades do Amapá, onde milhares de jovens estão. Pena que além dos ‘cafezes’, também assistimos entristecidos a falta de solidariedade de muitos escritores, jornalistas e advogados do Amapá, que nas igrejas, cultos e academia arrotam cultura e vaidade por uns escritos quaisquer. À toa! Porque Fernando Canto é um escritor de encantarias e amuletos, de histórias de gente de verdade, transformadas em literatura da melhor qualidade.

Elton Tavares (editor deste site) em pé, com Jorge Herberth (camisa vermelha) e Fernando Canto.

Ave, meu amigo! Com uma boa dose de cachaça pura, transparente e honesta. Salve o escritor Fernando Canto!

*Jorge Herberth – Jornalista

A fonte da velhice – Crônica de Ronaldo Rodrigues

Crônica de Ronaldo Rodrigues

– Como? Cinquenta e seis anos? Nem parece!
Ele ouvia sempre isso quando o assunto idade vinha à baila.
– Tem cara de 42, por aí.
Quando tinha 15 anos, achavam que ele tinha 9. Aos dois anos de idade:
– Nossa! Parece recém-nascido!
Era barrado constantemente em festas. Nem mostrando a carteira de identidade se livrava do estigma:
– Você não pode entrar! Essa carteira deve ser falsa! Vá embora já, senão vão te prender! Falsificação de documento é crime!
Quando tinha 25 anos quis namorar uma menina de 18. Ela foi categórica:
– Não namoro com garotos de 14 anos. Não insista!
Aquilo já estava se tornando paranoico. Aos 56 anos, sem rugas, sem um fio de cabelo branco e com muita disposição, ninguém poderia supor que ele já ultrapassou a marca de meio século. Nem a barba, que deixava crescer de vez em quando, conseguia conferir à sua aparência um pouco mais de idade.
Foi então que, ao contrário de Ponce de León, navegador espanhol que partiu pelo mundo à procura da Fonte da Juventude, ele começou uma jornada a fim de encontrar um meio de aparentar a idade madura que tinha, o que ele achava que poderia atrair mais respeito para a sua pessoa.
Eis que, passados alguns meses longe dos amigos, ele apareceu com um visual bem diferente do que o havia marcado até então, com muitas rugas ao redor dos olhos, na testa e nas mãos, e os cabelos completamente brancos. E foi logo explicando, diante dos olhares de espanto:
– Algumas vezes, na história e na literatura, pessoas reais ou personagens da ficção fizeram pacto para manter eternamente a juventude. Eu fiz um pacto ao contrário, para me tornar mais velho, ou, pelo menos, que minha aparência faça jus à idade que tenho. Procurei um cirurgião plástico. A princípio, ele estranhou alguém no mundo recorrendo a um cirurgião plástico com a intenção de envelhecer. A maioria, na verdade a totalidade das pessoas, quer rejuvenescer. Ele relutou em fazer a cirurgia e eu mostrei todos os argumentos e o principal deles era:
– Doutor! Eu estou de saco cheio de ouvir as pessoas falando que pareço ter menos idade do que realmente tenho!
Ele falou isso com as mãos agarradas ao colarinho do médico, que foi convencido a fazer a cirurgia graças a um bem-vindo reforço de capital, alguns reais acima do valor que ele costumava cobrar.
Foi então que o nosso personagem concebeu mais um mito em torno da questão do passar inexorável do tempo. Ele criou a Fonte da Velhice, uma fonte da qual ninguém quer chegar perto, mas todo mundo se encaminha para ela e há de encontrá-la um dia.

Com emenda de Randolfe, Macapá tem 1o Festival da Cultura Gospel

A Praça do Barão será o palco, nos dias dias 15 e 16 de junho, da primeira edição do Festival da Cultura Gospel. O evento é resultado de emenda parlamentar do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e será realizado pela Prefeitura de Macapá.

Serão 20h de programação cultural e religiosa envolvendo os artistas que foram contemplados no edital 001/2022 de chamamento gospel.

“Finalmente poderemos aproveitar o festival”, disse o senador. O evento deveria ter acontecido em fevereiro, durante a programação em comemoração ao aniversário da Macapá, mas foi suspenso em função do aumento de casos de coronavírus no Amapá.

O senador Randolfe fez a destinação de R$ 150 mil para a realização desta edição, que passará a compor o calendário municipal. “A nossa ideia é incentivar e fomentar a cultura gospel no nosso Estado”, explicou o parlamentar.

Assessoria de comunicação do senador Randolfe Rodrigues

A Simples Beleza – Crônica de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Crônica de Lorena Queiroz

Sim, caros amigos leitores, afetos e desafetos ( se bem que nem tenho tempo mais para tê-los) estou bêbada. Acabo de chegar em casa após um dia inteiro na companhia de meu mais sincero amigo alucinógeno. Olhei para meu PC e senti vontade de vomitar em vocês o que se passou entre meus devaneios do dia. Vocês já sabem, essa cabeça aqui anda por lugares inesperados, quase sempre e, abastecida de álcool, vai a lugares que só os fortes ou os loucos tem coragem de entrar. Então vamos lá para mais uma efeméride da vez.

Hoje, enquanto eu estava em uma feliz e apropriada bebedeira, recebi um vídeo feito por minha filha adolescente. Ela fez uma junção de várias fotos minhas com a famosa música do nosso saudoso poetinha. O trecho que ela usou foi : “ Ah, se ela soubesse que quando ela passa, o mundo inteirinho se enche de graça e fica mais lindo por causa do amor”. Ela escreveu caridosamente no vídeo: “ A mulher mais linda do mundo: Minha mãe”. Quando eu vi o vídeo, meu coração (de mãe, pois o outro desconfio que levaram quando me tiraram a vesícula) esquentou e derreteu no exato momento. Eu nunca me achei uma mulher bonita e, quem me conhece sabe, nunca achei que a beleza fosse um atributo que sustente por muito tempo.

Admirar pessoas sempre foi meu maior tesão. Não serei hipócrita ao ponto de não admitir que tal atributo não te abra o apetite, mas sustenta por pouco tempo. Meu foco sempre foram os fodedores de mente. Nós, mulheres, não somos tão visuais como os homens são desde a tenra idade, inclusive, uns dias atrás, após fazer um ensaio fotográfico, recebi elogios de uns amigos de minha filha, nada mais do que esperado vindo de pequenos punheteiros adolescentes cheios de hormônios. Homens exercendo suas características desde miúdos. Mas, no momento que eu li e maturei o agrado de minha filha, me veio na mente o conto de nosso velho safado, A mulher mais bonita da cidade. Conto que você encontra no livro Crônicas de um amor louco, de Bukowski. Cass, a mulher mais bonita da cidade, se punia pela beleza que tinha. Preferia os feios e desvalidos, e ela , dentro da visão do autor, era aquele tipo de pessoa que valia à pena estar perto. Percebem toda a metafísica da coisa? O que seria o conceito de beleza? Segundo nosso amigo dicionário, Beleza é um substantivo feminino que expressa a qualidade do que é belo ou agradável. E sendo tão subjetivo tal conceito, visto que o que é belo para mim pode simplesmente te amargar os olhos, dá para concluir que o belo, por concreto, não existe. Ao menos não dentro de um senso comum.

Então, após uma boa bebedeira e com meus sentidos alterados, fico com a visão da minha filha e, talvez com a minha. Crendo que o belo está nas coisas que te fazem vibrar, que te fazem crer que ainda há algo que nessa vida te vire o pescoço, aquilo que te dá um sorriso malandro no canto da boca, ou simplesmente refazer passos na memória pelo simples prazer da lembrança. Ou melhor, dentro da visão Socrática, sendo esse atributo não associado à aparência, mas o quão proveitoso é, pois, como dizia Sócrates : “”A beleza é uma tirania de curta duração”. Agora vou beber água, passar meu renew e dormir.

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além disso é escritora contista e cronista. E, ainda, mãe de duas meninas lindas, prima/irmã amada deste editor.

Giovanni : “ O Messias da Vila” – Crônica de Marcelo Guido

Quando os deuses da bola revolvem conceder talento eles geralmente não brincam sem serviço. Talvez estivessem cansados de ver o comum tomando conta do meio campo, ou queriam apenas ver alguém brincar com bola nos campos, como se estivesse no sonho e assim, magistralmente concederam o dom para Giovanni Silva de Oliveira, um dentre muitos Silvas no futebol.

Revelado pela gloriosa Tuna Luso, passou por Remo, Paysandu, São Carlense, Barcelona – ESP, Olympiacos – GRE , dentre outros, mas eternizou-se em três passagens pelo Santos.

Na Vila Belmiro fez sua morada. Inteligente conquistou a torcida com passes precisos e gols, muitos gols.

A facilidade com que deixava os companheiros na cara do gol era algo extraordinário, que deixava boquiaberto os felizardos que o viram vestir o branco da baixada santista.

Elegante, conseguia abrir o peito e matar a bola com uma envergadura ímpar de 1,90 metros. Levou o despretensioso time do Santos de 1995 à final do campeonato nacional ao lado de Robert, Jamely e Marcelo Passos. O título acabou faltando, coisas do futebol.

Inesquecível na semi- final daquele ano contra o Fluminense de Renato e Joel Santana, só não fez chover, aliás fez. Uma chuva de gols, uma atuação de gala que lhe fez render a bola de ouro, e o prêmio de melhor jogador do campeonato.

Partiu para conquistar o velho mundo, foi ídolo da torcida Catalã. No Barcelona fez dupla com Rivaldo, meio campo que fazia tremer os adversários. Em seis anos de clube, seis canecos levantados. Chega na Grécia, e a terra de Zeus conhece um semideus da bola, o penta campeonato nacional atuando cinco anos em solo helenístico.

O meio campo era uma salão de baile, onde os craques disputavam a dama “bola” para lhe ser concedida uma dança, e o Messias estava sempre de terno. A pelota sua amiga corria em seu lugar. Ela tinha que correr.

Os críticos de seu futebol o diziam ser “lento”, mas a inteligência e a sapiência em saber os caminhos do campo o faziam diferenciado. Defendia a tese sagrada que o futebol não podia ser comum, não pode ser feijão com arroz, futebol e ousado tem ser tentado mesmo que se perca o lance.

Chegava na hora certa, decisivo, enganava adversários que não acreditavam que ganharia o lance, era craque que além de dar o espetáculo sabia fazer gol, e foram muitos.

Pelo Santos, 3 passagens, 3 faixas no peito. Os Paulistas de 2006 e 2010 e a Copa do Brasil de 2010 e a idolatria eterna de uma torcida que não via sua 10 vestida tão bem desde Pelé.

Solto, tendo o gol como objetivo, ereto, com a cabeça erguida sabedor dos caminhos, aproveitava tal abençoada técnica e tamanho para destituir sem culpa adversários. E vestindo seus pavilhões, como um messias sabia levar seus times a o caminho das vitórias.

Felizes foram aqueles que foram Testemunhas de Giovanni, que jogou em um tempo que bom jogador e futebol brasileiro eram pleonasmos.

*Marcelo Guido é Jornalista. Pai do Bento Guido e da Lanna Guido. Maridão da Bia.

Desconfortáveis encontros casuais – Crônica de Elton Tavares – (do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”)

Ilustração de Ronaldo Rony

Encontro um velho conhecido.

Ele: “cara, você tá muito gordo!”. Eu, (em pensamento, digo eu sei caralho, vai tomar no cu!): Ah, cara, sabe comé, sem exercícios físicos, sem tempo pra muita coisa, muita cerveja e porcarias gordurosas (que amo).

Sem nenhum assunto, fico em silêncio.

Ele: virei médico e você?

Eu: sou jornalista.

Ele: ah, legal (com um ar de desdém que vi ao encontrar outros velhos conhecidos advogados, administradores, contadores, ou alguma outra profissão mais rentável).

Aí um de nós subitamente diz que está atrasado e marca uma gelada qualquer dia com nossas respectivas esposas ou namoradas e vamos embora. Com certeza, passaremos mais 10 anos sem nos falarmos, graças a Deus.

Elton Tavares

*Texto do livro “Crônicas De Rocha – Sobre Bênçãos e Canalhices Diárias”, de minha autoria, lançado em setembro de 2020.

Há 13 anos, meu avô foi homenageado no Mazagão

Fotos: Elton Tavares

Há exatos 13 anos, a Loja Maçônica ‘Francisco Torquato de Araújo’, do município de Mazagão, comemorou 20 anos de fundação. No evento, a instituição homenageou seus fundadores, entre eles o patriarca da minha família paterna, João Espíndola Tavares. O venerável e orador da cerimônia, José Odair, mazaganense e grande amigo do vovô, não escondeu a emoção ao tocar no nome do nosso “Juca”.

Na ocasião, nossa matriarca, Perolina Penha Tavares, também foi honrada. Ela recebeu o “Ramo das Olivas”, uma espécie de broche, que seria destinado somente às esposas dos maçons daquela casa. Foi uma experiência emocionante, diferente, contagiante e extremamente familiar.

Honrar é preciso. A história, a memória e o legado, que também é de amor. Repetir, ou melhor, re-cordar, é dar cor novamente ao que nos constitui como pessoa. Viajar por essas lembranças é Re-unir a todos os que amamos: os que estão aqui e os que nos encontrarão ‘nos tempos da delicadeza’.

Aquele sábado terminou com uma boa ruma de geladas na casa da vovó, como não poderia deixar de ser. Valeu tia Maria, tio Pedro, tia Lúcia, tio Paulo e Adriano, familiares que além da vó (saudades sempre), viveram aquele momento comigo.

“Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles terão ido embora, de vez” – Trecho do poema Filtro Solar, de autor desconhecido. Isso também serve para seus avós ou afetos em geral. Esse texto é uma memória afetiva de uma reunião porreta de minha família.

Elton Tavares

Os Caminhos de Hanne – Por Fernando Canto – @fernando__canto (sobre os 14 anos da passagem da jornalista)

Hanne Capiberibe – Fotos do antigo blog Canto da Amazônia, de Fernando Canto.

Por Fernando Canto

A filósofa espanhola María Zambrano, um dos pilares da luta contra ditadura franquista, dizia que o tempo é o único caminho que se abre ao inacessível absoluto, e que um caminho, porém, não circunda ou atravessa simplesmente um território. Ele é uma realidade mediadora que retém ou evita alguma coisa do lugar onde ele está sendo aberto. Ele cumpre, assim, o seu papel que é conduzir aquilo que, sem ele, não teria a menor possibilidade de existência: um ser que se encontra inelutavelmente em um lugar onde não pode instalar-se.

Eu diria que Hanne foi esse caminho. Porque o caminho também é um certo vazio (como o que fica, como o que foi aberto). E para se fazer um caminho sempre há necessidade de destruir, de arrancar o que se encontra de frente, pois o tempo também passa arrancando o ser, o ser como tal e o ser daquele que passa por ele, que é o homem. Mas se um caminho cumpre a sua função de mediador, se ele é verdadeiramente um caminho, ele terá feito a sua destruição apenas para criar uma relação diferente, uma relação possível e válida, adequada ao ser do homem, para quem o caminho se abre.

Hanne Capiberibe – Fotos do antigo blog Canto da Amazônia, de Fernando Canto.

Então os caminhos de Hanne foram feitos para os outros em inquestionável lição de amor aos seres humanos que a circundavam. Os caminhos abertos por ela com seus gestos delicados e postura firme (ambigüidade alternada em cenários diferentes), se deram como ácido em terreno de ferro, pois há sempre um resquício de mistério nas atitudes de quem ousa escolher a direção daquilo que se quer construir. E se os caminhos são estradas prestes a se abrirem pela ação de quem assim o deseja, se os caminhos são destinos, tempo, espaço ou poesia, não há dúvida que ela experimentou ser a destinatária privilegiada de uma solene, oculta e bela investidura desenvolvida com o consentimento inelutável das pessoas que vieram a ser tornar suas amigas. Mas a despeito de situações ou problemas políticos oriundos de sua família (inevitável carma de quem detém o poder), Hanne multiplicou sua capacidade de absorção da realidade cartesiana, num tempo sucessivo, para juntar pedaços de seres e fatos em sua caminhada pré-determinada, agindo sobre uma realidade amapaense aparentemente surda, fragmentária e descontínua.

Hanne Capiberibe – Foto do acervo do Renivaldo Costa

Assim como a via-láctea se torna um caminho em que viajamos sem percebermos, a presença de Hanne no cosmo decerto já sabe a resposta do destino que nos aguarda no mundo astral, nesse plano sem volta que os homens e mulheres mitificam e acreditam. Assim como as águas do Amazonas se misturam às do oceano sem que saibamos do seu limite exato, Hanne já percebeu no seu mergulho ao profundo pélago equatorial que ali a vida surge, explode e renasce quando o sol flutua sobre as mágicas manhãs de nossa terra, espalhando fótons e almas voláteis em busca da vida verdadeira.

Guardarei comigo a túnica cuidadosamente desenhada por ela para o desfile dos Boêmios, pois um desfile se faz por uma passarela, uma via, um caminho, aberto também pelo sonho de sermos seres humanos melhores. Os tambores do marabaixo e do samba repercutirão enquanto soubermos a lição de sua humildade. E não importa que resvalemos na vida, que sonhemos ou não: devemos exigir o despertar, porque o ser pesa e comprime, mas tem que sair do seu recinto original, das túnicas que vestimos para desfilar, para abrir caminhos além daqueles que nos são permitidos. A vida é dádiva para quem vive e nela existe o sonho numa vasta panóplia de representações em que estão os amigos, as raras pessoas como Hanne, que abriu caminhos, portas e portos. E viveu humanamente.

*Canto me enviou este lindo há alguns anos. Não convivi com a jornalista Hanne Capiberibe, mas muitos amigos meus, como Fernando e Gilvana Santos, como 100% da imprensa amapaense, fala que ela foi uma excelente profissional e ser humano. Republiquei em homenagem, já que completam 14 anos que ela partiu (Elton Tavares).

Tomei uma com Zaratustra – Crônica de Lorena Queiroz – @LorenaadvLorena

Crônica de Lorena Queiroz

Eu gosto é de paz, mas minha cabeça insiste em viver na porrada. Socos que são trocados todos os dias. Um ringue montado ao fim do dia e que se estende por horas ininterruptas. É uma merda, mas a vitamina de meus neurônios mais brigões é o álcool. É como se essa substância quase indigna fosse o Duke do Apollo. (Não é problema meu se tu não sacar de Rocky Balboa, te informa). Nos últimos tempos não estava conseguindo escrever.

Os pensamentos vinham e eu os sufocava ao invés de levá-los para dançar no papel. Não queria nada difícil. Não queria organizar a quebradeira que tomava conta da minha cabeça. Não estava bebendo e se, fosse fazê-lo, queria coisas simples. Fui beber com uma amiga que, aparentemente, tinha os pensamentos e uma vida mais organizada que a minha. Com ela seria simples, seria leve.

Mas é aí que a gente encontra o engano. Subestimamos as pessoas. Temos a péssima mania de concluir coisas pela superfície. Eu pude sentir o tapa da Clarisse Lispector no pé da minha orelha, dizendo; ‘’ Decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender”. E na realidade não é assim com tudo na vida? Uma sequência de boas e más surpresas mescladas tanto por nossa inocência quanto por nossa soberba.

Eu e minha amiga começamos a beber. Foi a primeira caixa de cerveja. Logo já estávamos trazendo a segunda e, quando chegou a terceira, foi quando eu soube mais sobre quem me fazia companhia. É engraçado como a mesa de bar se torna um divã, onde as dores aparecem e a gente percebe que cada vida tem uma boa dose de alegria e uma maior de tragédia.

Aquela mulher risonha com quem eu só falava de futilidades e os preços das coisas, me trouxe a sua história e que, para minha surpresa, havia mais desgraças do que eu poderia ter imaginado um dia. O Duke vestido de cevada então entrou em ação e eu tentava entender como ela havia se tornado a pessoa que é, mesmo tendo comido um caminhão de merda oferecida pela vida. Foi nesse momento que o inevitável paralelo e as associações começaram a surgir, eu estava bebendo com Zaratustra!

Ela havia passado pelas três transformações: foi um camelo submisso, rebaixado e humilhado. Durante as porradas da vida se transformou no leão, uma combatente. E agora, o leão se transformava na criança que é inocência, o esquecimento que recomeça. Enfrentou seus demônios e afirmou a vida. E mesmo com toda a dor, ela amou a guerra, pela consciência de que nos tornamos mais fortes com a dor. Ela entendeu que o esforço é contínuo. Me ensinou que o caminho é seguido não largando tudo, mas transformando a dor e o sofrimento em força. Não tenha pressa na hora de viver, o mundo está cheio de gente querendo te foder.

Eu não sou uma pessoa de certezas, aliás, ultimamente o que mais tenho são dúvidas, mas mesmo com toda minha ignorância e imperfeição, sei que é possível descer a montanha, mesmo que esteja bêbada de álcool, verdades ou dor.

Bebemos por mais de dez horas e eu consegui entender mais coisas sobre minha própria vida do que em dez horas de terapia. Não estou desmerecendo nenhum psicólogo, apenas enaltecendo a didática desses momentos e as pessoas que podem sentar contigo em uma mesa de bar, onde o álcool e a embriaguez podem te despir da armadura que a vida e as dores te colocam. Eu sou uma pessoa torta e não seria uma surpresa que eu aprenda da maneira menos usual para os retos. E por fim, como disse Zaratustra: ‘’ Recebe ordem aquele que não sabe obedecer a si próprio”.

*Lorena Queiroz é advogada, amante de literatura, devoradora compulsiva de livros e crítica literária oficial deste site, além disso é escritora contista e cronista. E, ainda, de prima/irmã amada deste editor.

Escrotos legais, falsos bacanas e a velha conveniência – Crônica de Elton Tavares (ilustrada por Ronaldo Rony)

Um dia, durante uma conversa com uma amiga, ela disse: “existem pessoas com grandes qualidades, que abafam seus defeitos, mas ninguém está imune de ser escroto”. Concordo plenamente! Não que eu possua conhecimento amplo sobre a natureza humana. É só meu achômetro mesmo.

Não sou santo. Procuro não fazer mal a ninguém. Meu falecido pai sempre dizia: “Não faça mal a ninguém e já estará fazendo o bem”, e tento me nortear por essa filosofia. Mas muitos me acham escroto – ledo engano. Só sou autêntico e sei dizer não. Também não faço média, não me iludo ou me empolgo facilmente.

Sei que é preciso respeitar a liberdade, seja das ideias, artística, comunicação, etc. Até aí, tudo bem. Pois discordar é preciso, afinal, o debate de ideias é que formula teorias e métodos para o desenvolvimento humano. O problema é a minoria impertinente e maldosa. Esses me deixam aporrinhado.

Acredito que existem pessoas más tentando ficar boas e que figuras que foram legais a vida toda se tornam babacas, da noite para o dia, muitas vezes por conta de motivos pífios.

Como eu já citei em outro texto, em um de seus contos, o escritor alemão Franz Kafka disse uma vez: “existem bestas-feras”, que detonam tudo, ferram com a sua vida. Mas mesmo sendo feras, não deixam de ser bestas”. Cirúrgico!

Por exemplo, muitos, que não me conhecem, pensam que sou um boçal. A quantidade de amigos que tenho (e me gabo sempre disso), que são muitos, desmente tal discurso. Tudo bem, às vezes sou insolente, pois nunca fui dado a hipocrisias e acredito que, em dadas ocasiões, uma porrada é mais do que justificável.

É com coração entrecortado de tristeza que vejo pessoas queridas embarcarem na onda desses vermes numa passagem subterrânea escurecida. Um dia esse show de horrores acaba por si só. Pois esse pessoal não consegue fingir pra sempre. Esse texto é um recadinho para os que acham que não sei das coisas. Detesto meias verdades e mentiras sinceras. E isso é coisa séria. Muito séria.

Conheço muitos escrotos legais, que são turrões, geniosos e até mal educados, mas possuem boa índole e falam tudo pela frente. Mas também saco falsos bacanas, que distribuem simpatia, fazem sala, capa e demais artifícios comportamentais para algum tipo de proximidade. Estes são verdadeiros mestres em sua escrotidão.

Enfim, bondade e maldade são trabalhadas de acordo com seus respectivos interesses e conveniências. Mas fica a dica: eu sei!

Quem só tem martelo pensa que tudo é prego.” – MARK TWAIN.

Elton Tavares

Tcherere tchê tchê / Tchereretchê / Tchê, tchê, tchê – Cachê da Prefeitura, mas só critico a Rouanet

Eu não conhecia, não sabia quem era Gusttavo (com dois tês mesmo) Lima.

Podem me chamar de idiota, mas confesso que não o conhecia. Isso até uns dez dias atrás.

Quando vi esse nome citado numa profusão de manchetes envolvendo dinheiro público, cheguei a pensar que o personagem fosse um antigo jogador do glorioso Combatentes, aquele time que despontou aqui em Belém até o início dos anos 1970. Mas logo concluí que o Combatentes nunca teve nenhum Gusttavo Lima em seu plantel. Então, tratei de conhecer quem é essa celebridade de quem tanto falam.

O cara é fera mesmo. Antes de mais nada, é bolsonarista (Heil, Führer!).

Cantor, compositor, produtor e arranjador, ele também é multi-instrumentista. Toca tudo, menos banjo. O resto, ele traça tudo. Também vi que num dos seus shows recentes, em Londres, vários jogadores do Chelsea estiveram na plateia. Inclusive o zagueiro Thiago Silva.

Aí, continuei a conhecer melhor Gusttavo Lima e deparei-me com um de seus maiores sucessos. Chama-se Balada. É uma composição de singeleza e profundidade comoventes. Só tem três estrofes – portanto, só duas a mais, por exemplo, que o Parabéns pra você.

A música, que você pode ver no vídeo acima, se é que já não a viu há muito tempo, resume-se a isto:

Eu já lavei o meu carro, regulei o som / Já tá tudo preparado, vem que o brega é bom / Menina fica a vontade, entre e faça a festa / Me liga mais tarde, vou adorar, vamos nessa.

Gata, me liga, mais tarde tem balada / Quero curtir com você na madrugada / Dançar, pular que hoje vai rolar

O tchê tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê / Tchereretchê / Tchê, tchê, tchê / Gusttavo Lima e você.

Pronto. Acabou a música. É só isso mesmo!

Assim, numa interpretação livre, digamos assim, Tchê tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê pode ser tudo. Como também pode não ser coisa nenhuma.

Tipo assim: pode ser uma noite de prazeres inenarráveis com a gata que ligou. Como também podem ser imoralidades indescritíveis feitas com o dinheiro público. Fica a critério do entendendor descobrir o sentido do Tchê tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê / Tchereretchê / Tchê, tchê, tchê.

E na real?

Na real, o Ministério Público de Roraima apura o pagamento de um cachê de R$ 800 mil a Gusttavo Lima para um show no município de São Luiz. Considerando a população do município, de 8.232 pessoas, cada cidadão estaria pagando cerca de R$ 97 pelo show.

Na real, a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro (MG) resolveu cancelar um show de Gusttavo Lima, que custaria aos cofres da cidade o valor de R$ 1,2 milhão. O contrato previa que a prefeitura pagasse a hospedagem de 40 pessoas da equipe do cantor “no melhor hotel da região” e se responsabilizasse com os gastos diários de alimentação, fixados em R$ 4 mil. Além disso, o executivo deveria fornecer o transporte do local para o artista, músicos, técnicos e produção.

Na real, vejam só, o deputado e pré-candidato à Presidência da República André Janones (Avante) destinou uma emenda de R$ 7 milhões ao município de Ituiutaba (MG). Desse valor, R$ 1,9 milhão será destinado à feira agropecuária do município. Entre os vários shows agendados, estava um de Gusttavo Lima.

Tem mais.

Na real, Zé Neto, também bolsonarista que faz uma dupla sertaneja com Cristiano (também cheguei a pensar que fosse uma velha dupla de área que jogou no extinto Júlio César, mas não era), disse o seguinte, há umas duas semanas, durante show no Mato Grosso:

“Estamos aqui em Sorriso, no Mato Grosso, um dos estados que sustentaram o Brasil durante a pandemia. Nós somos artistas e não dependemos de Lei Rouanet, nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou não. A gente simplesmente vem aqui e canta e o Brasil inteiro canta com a gente”.

A referência à “tatuagem no ‘toba'” foi uma provocação à cantora Anitta.

Pós é.

Zé Neto tem razão. “Nosso cachê quem paga é o povo”.

Que o diga Gusttavo Lima.

Tchê tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê / Tcherere tchê tchê / Cachê da Prefeitura, mas só critica a Rouanet.

Fonte: Espaço Aberto.

O Fernando de todos nós – Crônica porreta de Carlos Bezerra (*) sobre Fernando Canto

Fernando Canto, com o título de Cidadão Amapaense – Foto: Sônia Canto

Por Carlos Bezerra (**)

Sou um homem de sorte, para a tristeza dos meus inimigos, que eu os tenho e muitos., pois não aceito compactuar com a lassidão moral que devasto o mundo no geral e o Brasil no particular, recusei-me a morrer há uns anos atrás, de modo que continuo vivo, lépido e lampeiro.

Graças a isso tive o privilégio de participar do lançamento do livro “O Bálsamo e Outros Contos Insanos”, do escritor amapaense (o Pará das nossas origens que me perdoe) Fernando Canto.

Fernando Canto – Caricatura do artista plástico e ilustrador J. Márcio. Colorida pelo designer Adauto Brito.

Foi uma noite de gala para a nossa incipiente, mas nem por isso, menos viçosa Cultura. Presentes, amigos de todos os naipes. Escritores, compositores, poetas e cantadores, alguns já de renome, outros nem tanto, mas todos, ímpares nos seus campos de atuação. Uma noite de alegria, de confraternização, de fé e de esperança nos destinos da nossa tão maltratada terra. Noite de música. O Grupo Pilão, impecável como sempre, nos remete para a beleza e a angústia das nossas florestas ancestrais. A presença de Manoel Sobral, Zaide, Obdias, Jamil, Luiz Guedes, Hélio Pennafort, Bomfim Salgado, Isnard Lima, Graça Vianna, Manoel Bispo, Vitória, Hernani Guedes, Zé Miguel, entre tantos outros, nos dá ideia dos que compareceram para levar o abraço, o carinho e o incentivo ao nosso escritor do qual o Brasil ainda ouvirá falar. É possível que esteja possuído do puxa-saquismo mais deslavado mas, um dos meus credos é o de que os meus amigos não têm defeitos. Quanto aos inimigos, se não os tiverem, eu arranjo um.

Fernando Canto é uma das mais belas páginas do livro extraordinário chamado Amapá. O Amapá das ruas poeirentas, do motor de luz na praça da igreja, do Trapiche Eliezer Levy, da Doca, do Merengue, da Piscina Territorial, da nossa juventude perdida que não voltará jamais, nem ela nem as ruas seguras e casas idem, pela ausência de maldade dos macapaenses de então. Fernando torna mais verdadeira a afirmação do nosso poeta maior, Álvaro da Cunha, quase esquecido mas nem por isso menor: “A lua minguante do Amapá, brilha mais do que a lua cheia de qualquer outro lugar”.

Jornalista Carlos Bezerra – Foto: Tribuna Amapaense.

O Brasil e o mundo tiveram muitos Fernando: o Noronha, o Católico, O Lopes, o Dias, o de Magalhães, o de Melo e atualmente o Cardoso. Nós, amapaenses, tivemos mais sorte. O nosso Fernando é Bálsamo, é literalmente Canto.

(*) Crônica publicada no jornal Diário do Amapá. Macapá, sexta-feira e sábado, 18 e 19 de agosto de 1995.
(**) Jornalista e cronista amapaense, in memoriam.