PSB e PDT – Uma história de amor e desamor – Por @alcinea

Foto: Daniel de Andrade (encontrada no Blog da Alcinéa).

Por Alcinéa Cavalcante

A história de amor e desamor do PSB com o PDT começa em 1988 quando coligados disputaram a Prefeitura de Macapá e venceram, com a chapa encabeçada por João Capiberibe (PSB) tendo como vice o advogado Antonio Cabral de Castro, do PDT.

Seis anos mais tarde, em 1994, ainda em clima de lua-de-mel PSB e PDT – juntos com PT, PCdoB e PV – formaram a coligação “Tudo por Nossa Terra”, que elegeu Capiberibe governador do Amapá, derrotando Jonas Pinheiro Borges (PTB), que era o candidato do governador Anníbal Barcellos (PFL)

Waldez Góes, do PDT, foi eleito deputado estadual e assumiu a liderança do governo na Assembleia Legislativa. No entanto, poucos meses após a posse, ainda no primeiro semestre de 1995, os dois romperam. Góes renunciou ao cargo de líder do governo dizendo-se desrespeitado por Capiberibe, que exonerou seus companheiros pedetistas sem sequer avisá-lo.

Em 1996, Góes lançou-se candidato a prefeito. O PSB coligou com o Prona, tendo como candidata Telma Gameleira (Prona). Na reta final da campanha, o PSB abandonou Telma e resolveu apoiar Waldez Góes para impedir a eleição de Anníbal Barcellos. Tarde demais! Barcellos foi eleito prefeito.

Em 1998 Capiberibe e Waldez Góes se tornaram adversários ferrenhos. Os dois disputaram o governo. Capiberibe derrotou Góes no segundo turno.

Em 2002 Waldez Góes candidata-se mais uma vez ao governo. O PSB lançou Cláudio Pinho quando o esperado era que o partido apoiasse Dalva Figueiredo (PT), que era a vice-governadora e tornou-se governadora em abril daquele ano quando Capiberibe desincompatibilizou-se do cargo de governador para disputar uma vaga de senador. Pinho não passou para o segundo turno. Dalva passou. Mas o PSB sentia-se traído por Dalva e pelo PT e para derrotá-la subiu no palanque de Waldez Góes ajudando-o a eleger-se governador.

Em 2006 lá estavam de novo PSB e PDT em palanques diferentes. Capiberibe candidato a governador. Waldez disputando a reeleição venceu no primeiro turno.

Em 2010, Capiberibe foi eleito senador e seu filho, Camilo Capiberibe, governador. Waldez Góes foi derrotado para o Senado.

Em 2014, Waldez Góes elege-se governador derrotando no segundo turno Camilo Capiberibe, que buscava à reeleição.

Arte/Foto: Blog do Cleber Barbosa

Agora em 2018, mais uma vez os dois monstros (no bom sentido) da política amapaense voltam a se enfrentar. No primeiro turno Waldez Góes teve 33,55% dos votos e Capiberibe 30,10%.

Fonte: Blog da jornalista Alcinéa Cavalcante

VInte e quaTro cARAS – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Vinte e quatro ladrões deidéisalheias, vinte e quatro Karaikos sem identidade, vinte e quatro alimárias, vinte e quatro fedegosos, vinte e quatro desativos, vinte e quatro legistijolos, vinte e quatro esbugalhados, vinte e quatro moscamortas, vinte e quatro sanguesugas, vinte e quatro harpias, vinte e quatro térmitas, vinte e quatro algoterríveis, vinte e quatro dãoecomis, vinte e quatro manganeses, vinte e quatro poluídos, vinte e quatro deolhonodinheiro, vinte e quatro aves de rapina, vinte e quatro cabrassafados, vinte e quatro esconjurados, vinte e quatro trajanotraidores, vinte e quatro povoenganadores, vinte e quatro zangarrilhos, vinte e quatro ligeiros, vinte e quatro enviados do Fute e uns três ou quatro separados do veneno.

Vinte e quatro pinguinsebosos, vinte e quatro festativos, vinte e quatro silvériosdosreis, vinte e quatro ferrabrases, vinte e quatro alucinados, vinte e quatro curupiras, vinte e quatro bestas do apocalipse, vinte e quatro pseudoretardados, vinte e quatro vampiros da floresta, vinte e quatro carcinomas metastásicos, vinte e quatro xixilados, vinte e quatro decadentes e uns dois ou três que ainda tem olhos.

Vinte e quatro bobovelhos, vinte e quatro morcegos hematófagos, vinte e quatro reiscaldeira, vinte e quatro bailesdemáscas, vinte e quatro ratosdeesgoto, vinte e quatro judas, vinte e quatro traíras, vinte e quatro solipsos, vinte e quatro surucucus, vinte e quatro lacraus, vinte e quatro pretensos nababos, vinte e quatro pantagruélicos, vinte e quatro onívoros, vinte e quatro lambe-sacos-e bigodes, vinte e quatro pantófagos, vinte e quatro pinóquios, vinte e quatro febres quartãs, vinte e quatro cleptomaníacos, vinte e quatro xerimbados, vinte e quatro blefadores, vinte e quatro assimdeolho, vinte e quatro oxiúros, vinte e quatro cabas-de-igreja, vinte e quatro nanicos anatematizados e um ou dois votovencidos.

Você não sabe escolher, é o que pensam! – Por Vladimir Belmino de Almeida

Por Vladimir Belmino de Almeida

O professor José Jairo Gomes sempre prestou grande serviço ao Direito Eleitoral, seja por seu vasto conhecimento e experiência na matéria, seja por sua honestidade intelectual na exposição de seus motivos. No artigo “O problema do financiamento público a candidaturas natimortas” (ConJur, 11.9.18), ele tenta justificar a negativa de vigência ao artigo 16-A da Lei n° 9.504/97, a Lei das Eleições. O que merece ser anotado por dois pontos, minimamente, posto que conclui a partir de premissas falsas.

Defende o prof. Jairo, por meio de digressão processual civil como sucedâneo do direito Eleitoral, que “o pedido de registro de candidatura desprovido de fundamentos jurídicos razoáveis evidencia-se inútil e protelatório, destinando-se apenas a promover vaidades individuais, manipular a boa-fé do eleitor pela eventual continuidade do futuro candidato substituto e viabilizar dispêndio estéril de escassos recursos públicos”.

O primeiro ponto é que os recursos públicos utilizados podem ser recompostos aos cofres da União por meios próprios de cobrança se a candidatura for indeferida em definitivo, O segundo, é que o financiamento público é a principal fonte de campanha eleitoral, senão única, de quase a totalidade dos candidatos.

Esquece o professor que a “tela azul” na propaganda eleitoral também é paga, às vezes pelo simples fato do partido não entregar a mídia e isso não é apenado aos partidos, tampouco lhe cobrado por ação própria. Não há certa incongruência neste ponto? Por certo que sim. Vai da interpretação legislativa à aplicação jurídica do que se quer por mera conveniência, convicção de ocasião. É duro, mas é verdade.

Ao se privar candidato de utilizar o fundo público de campanha não se está protegendo o erário, ao impedir que candidato participe dos programas de rádio e TV está a se prejudicar a Democracia como um todo. Quem perde com a pouca exposição de candidatos é o cidadão, que tem diminuído seu poder de escolha democrático.

Chega de tutelar o eleitor, ainda que com censura vestida de legalidade e de processo!

* Vladimir Belmino de Almeida, membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, membro da Academia de Letras Jurídicas do Amapá e membro da Academia Amapaense Maçônica de Letras.

19 anos de Macapá (joia, minha pérola, minha Gotham. Minha cidade) – Por Pat Andrade

Por Patrícia Andrade

Eu vim para Macapá em junho de 1999. Vim passar dez dias, curtir um pouco a cidade e voltar para a Cidade das Mangueiras, minha terra natal… Pois bem, estou aqui há 19 anos!

Muita gente me pergunta por que?

Digamos que foi paixão à primeira vista. Fiquei encantada com o Amazonas, com sua imensidão, sua cor e sua força, batendo no muro de arrimo na enchente da maré.

Me encantei com a quantidade de praças existentes na cidade. Cada uma mais bacana que a outra. Amo árvores e espaços verdes. A Floriano sempre foi a minha preferida…

Me encantei com os sabores, principalmente os que podiam ser degustados na Dedeka’s; maniçoba e pato no tucupi. Melhores, se tem, ainda não provei…

Me encantei com a música, com os ritmos, com o colorido do marabaixo, com a zonzeira da gengibirra, a rima dos ladrões e com a simpatia dos brincantes. Eu não perdia uma roda de marabaixo…

Me encantei com as canções que falavam daqui de suas história e encantos, e de como as pessoas aqui viviam. Que vida boa, sumano…

Me encantei com o Vou vivendo e o Maresia’s, bares que tinham um bom atendimento, garçons como já não se fazem mais e a melhor música da antiga currutela que era a atual Beira Rio.

Nesses 19 anos, muita coisa mudou. Eu mudei. Macapá mudou. Não vou dizer que pra melhor ou pra pior, porque depende muito do contexto e da companhia (se é que me entendem…)

Só sei que é diferente, mas ainda pretendo viver aqui por muitos e muitos anos com meu filho tucuju….

E batalhar, de todas as maneiras e com todas as armas para que o lugar em que vivo se torne cada vez melhor.

Macapá. Minha joia, minha pérola, minha Gotham. Minha cidade.

A SUCURI – Conto indígena de Fernando Canto

 

Era ainda princípio de mundo quando Ianejar já havia criado os seres que mais tarde iriam compor o conjunto de animais sobre a terra. Todos eles tinham a mesma aparência, falavam a mesma língua e não mostravam nenhuma diferença nas suas práticas e conhecimentos da vida. Tinham música e flautas do turé para realizarem seus rituais, mas não possuíam cores.

Só a floresta tinha cor. Coube, então a Ianejar, durante uma grande festa, promover a separação entre homens e animais, para os quais destinou um espaço diferenciado para organizar, assim, a vida em sociedade. Na festa os homens e animais cantavam e dançavam, até que uma grande parte desses primeiros seres que dançavam caiu no rio e se transformaram em peixes, que passaram daí em diante, a servir de pasto aos homens. Outros viraram cobras aquáticas que continuaram vivendo no fundo dos rios, e só se comunicavam com os pajés, porque continuavam gente.

No local em que viviam havia uma enorme caverna sob uma montanha de pedra, onde morava um ser muito temido e que foi morto pelos humanos. Ao cair na beira do rio eles lhe abriram o ventre e extraíram seus excrementos, que eram todos coloridos. Então fizeram outra grande festa e se pintaram com as cores deixadas pelo ser. Não perceberam, entretanto, que no ventre do cadáver do poderoso ser eclodia o ovo de uma enorme sucuri que foi crescendo, crescendo, durante a festa que realizavam.

De repente ela surgiu afugentando os convidados que partiram voando para o céu se tornando os primeiros pássaros. Alguns se embrenharam em todas as direções da floresta e viraram caititus, antas e capivaras, veados e jacarés.

A cobra-grande jurou se vingar dos homens e de qualquer animal que se pusesse em sua frente, furiosa porque mataram seu pai primordial. E se foi na direção do sol poente, levando águas e terras até fazer sua morada em um lago escuro, de onde sai de tempos em tempos, quando uma estrela de cauda aparece no céu da noite. Ela vem silenciosa para destruir o que os homens construíram às margens dos rios, sejam aldeias, cidades ou fortes de pedras. E no seu caminho em direção à foz do Grande Paraná, para onde vai trocar de pele, vai deixando escamas sobre as construções que destrói na trajetória avassaladora de sua eterna vingança. É por isso, então, que para se protegerem de si mesmos e dos perigos da floresta, até hoje os homens só constroem suas casas umas juntas das outras nos lugares onde ficaram as escamas deixadas pela sucuri.

O DITADO – Conto de Luiz Jorge Ferreira

Conto de Luiz Jorge Ferreira

Minha tia morreu jovem aos oitenta anos de um parto prematuro. Minha mãe morreu velha aos 16. Eu sobrevivi até hoje. Sobrevivi, porque Deus adoeceu e não viu que eu me escondia debaixo deste assoalho de tábuas podres onde eu moro. Eu e meus três cavalos: Açaí, Bacaba e Tucumã. São três belos cavalos garanhões, fogosos e brabos.

As proximidades do outono, Bacaba pariu um potro albino que eu chamei de Tucuxi. Uma anciã, que jogava búzios, disse-me que ele era filho de boto. Um velho Saci Pererê, que vinha lavar a ferida da perna no córrego, onde lavo os meus cavalos, disse-me ser ele filho de seu próprio pai. Um índio da tribo dos Tumucumaque, que eu conheci salgando peixe-boi no Porto de Santana, disse que ele era fruto dos sêmens trazidos pelas correntes marinhas, oriundos das noitadas dos marinheiros de Ulisses, que o engravidara assim como acontecera com Helena. O fato é que me afeiçoei tremendamente ao potro Tucuxi e ele a mim. Com a chegada do desmatamento e a transformação da floresta em pastagens, Tucuxi começou a se afastar e procurar ser aceito pelos bandos de cavalos que pastavam do outro lado do córrego, agora um rio de águas amareladas.

O clima começou a mudar e as noites foram ficando mais longas. O córrego onde eu lavava Açaí, Bacaba e Tucumã salgou-se. Um mateiro, cego de um olho, disse que isso tinha sido feito por um índio que salgava peixe-boi. O soldado, que patrulhava a fronteira entre o Amapá e a Guiana Inglesa, disse que foi o azougue. E um regatão, vendedor de perfume francês de duas cores e chita colorida transparente, disse que foi o Tsunami em Macacoari.

O fato é que com a transformação da água doce em água salgada, Açaí, Bacaba e Tucumã envelheceram, perderam os dentes, os pêlos, racharam as patas e encolheram as pernas traseiras. Em vez de relinchar apenas miavam. Tucuxi parecia uma canoa. Ficava flutuando como uma toiça branca pela extensão do córrego, agora um pequeno rio-mar.

Toda à noite de lua cheia, eu saia um pouco debaixo do jirau de tábuas podres e olhava para o firmamento. Como não via os olhos de Deus procurando-me, ia ao rio e lavava-me sob a intensa dor provocada pelo sal das águas na minha carne avermelhada e nas feridas aberta nos meus pés. Eu já estava criando cascos. Descobri olhando os rastros que eu deixava na lama da margem. Em mim, também, nasciam asas. Isto eu descobri pela grande quantidade de penas no rio. Estava translúcido, de pele muito alva, resultado do enorme tempo que vivia debaixo do jirau de tábuas podres. Escondido dos olhos de Deus.

Tucuxi ficava horas comigo. Eram dois albinos tomando banho despreocupadamente. Talvez pai e filho. Talvez anjos caídos. Talvez cavalos. Deus quando me encontrou morreu. Fiquei órfão. A lavadeira que batia as roupas esfarrapadas de encontro às pedras porosas do rio, disse para eu rezar. A bota que expelia óvulos debaixo da folha do mururé, para que o sol os fecundasse, disse para eu beber Andiroba. A brisa que acariciava o dorso das Cobras e Poraquês deu-me de costas. A prostituta, que se dependura na beirada dos barcos para vender-se em poucos minutos, ficou com pena de mim e deu-me um Curumim que, hoje, é: – Quem escreve o que falo.

Um belo exemplo de honestidade: estudante encontra dinheiro dentro da escola e devolve ao dono

No último sábado (11), quando foi comemorado o Dia do Estudante, o adolescente Adison Leandro, 13 anos, deu um belo exemplo de honestidade e cidadania ao devolver uma boa quantia em dinheiro encontrada no chão da Escola Estadual José Pestana, em Santana, onde estuda há um ano. O montante pertencia ao microempresário Raimundo Coutinho da Silva, 65 anos, que fornece lanche para a cantina escolar.

O estudante relembra ter visto quando o dinheiro caiu do bolso de Raimundo e imediatamente pegou a quantia e saiu correndo para devolver. “Meu pai, que é cobrador de ônibus, não vive mais com a minha mãe há dois anos, mas é presente em minha vida e sempre me ensinou que qualquer coisa que eu encontre no chão devo procurar saber quem é o dono para devolver. E foi isso que eu fiz”, explicou Adison Leandro.

Raimundo Coutinho disse ter ficado surpreso com a atitude do estudante. “Estava com cerca de R$ 400,00 e havia muita gente na hora, naquela correria de intervalo, e nem percebi quando caiu do meu bolso. De repente, esse menino bateu no meu braço e me devolveu o dinheiro. Fiquei muito emocionado. É bem difícil esse tipo de atitude. Tinha tanta gente no corredor, que seria fácil se ele quisesse levar o valor com ele”, contou o microempresário.

Adison fez questão de relatar, ainda, a reação de sua mãe quando ele chegou em casa e contou a história. “Ela ficou orgulhosa de mim e eu me senti muito feliz”. O estudante tem dois irmãos mais jovens e juntos vivem sob os cuidados da genitora no bairro Remédio II, zona periférica do município.

Tudo começa com pequenos gestos

Os personagens dessa história reconhecem que agir corretamente, com ética e honestidade é o comportamento desejável a todos em sociedade, mas, o que deveria ser regra, acabou virando uma exceção.

“É tanta corrupção e tanto roubo, que só tenho esperança em Deus para que possa iluminar o coração desses homens. Devia ter mais gente com a consciência desse menino. Acho que a maioria não tem preocupação com o próximo. Foi, sem dúvida, um gesto de grandeza”, acrescentou Raimundo Coutinho.

A coordenadora pedagógica da Escola José Pestana, Maria de Jesus, disse estar orgulhosa do comportamento dos seus alunos. “Para nós é uma emoção muito grande saber que podemos contar com os nossos estudantes. Foi uma atitude nobre e nos sentimos honrados. Estamos mais motivados para darmos continuidade nos projetos desenvolvidos com o Ministério Público”.

Para a professora de educação especial, Lau Pires, é importante destacar o papel da família. “Infelizmente observamos uma desestrutura familiar, mas, ainda assim, muitos pais procuram orientar seus filhos quando estes se deslocam para a escola, para que respeitem os professores e tomem boas atitudes. Por isso, parabenizamos essa família. Isso faz toda a diferença”, pontuou.

MP vai à Escola

O Ministério Público do Amapá é um antigo parceiro da escola. Além do trabalho desenvolvido com o Núcleo de Práticas Restaurativas de Santana, que tem contribuído para melhorar as relações entre alunos, professores e a família, este ano foi lançado (https://goo.gl/py1Qw7) o projeto de prevenção primária à corrupção, o MP vai à Escola. A ação visa estimular uma série de atividades pedagógicas voltados voltadas ao tema , em dez unidades de ensino de Macapá e Santana.

A escola José Pestana tem 1.000 alunos, do ensino fundamental ao médio, incluindo Educação de Jovens e Adultos (EJA). São mais de 100 funcionários, sendo 60 professores. Está localizada em uma área considerada de vulnerabilidade social, em razão da influência do tráfico de drogas na região. A unidade de ensino atende a comunidade de seis bairros carentes e só conseguiu iniciar o ano letivo de 2018 após a intervenção do MP-AP junto ao Executivo.

SERVIÇO:

Ana Girlene
Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Amapá
Contato: (96) 3198-1616
E-mail: [email protected]

DINHEIRO PERDIDO – Crônica de Fernando Canto

Crônica de Fernando Canto

Um dia desses, quando eu passava na Avenida Santos Dumont, vi um homem idoso com dificuldades para andar. Ele se apoiava em uma bengala esperando o ônibus que já se aproximava do ponto. Notei que caíra um papel do seu bolso. Pela cor parecia uma nota de vinte reais dobrada. Tentei avisá-lo antes que ele entrasse no ônibus, mas os vidros do meu carro estavam fechados, o sinal estava vermelho e havia uma grande tensão no trânsito, devido o horário. Acompanhei pelo retrovisor sua dificuldade para entrar no coletivo, e ninguém, nem sequer o ciclista que esperava para atravessar a rua, ali próximo, percebera o que eu havia visto. O sinal abriu e eu fiquei angustiado. Pensei: alguém terá a sorte de achar esse dinheiro por causa do azar do homem velho, que talvez só tivesse aquele dinheiro para almoçar ou para comprar remédio. Tive a ideia de retornar, “dando o balão” até o ponto, mas desisti em favor da minha pressa e por deduzir que àquela hora alguém já teria achado a cédula. E depois, o que eu faria com ela se a encontrasse? Como devolveria? A quem?

Muita gente já achou dinheiro na rua, pois muitos obviamente também já perderam. Um bolso furado, uma troca de objetos, esquecimento e tantas outras formas de perder já aborreceram milhares do mesmo jeito que fizeram o sorriso de outros. Para os que perdem só resta se lamentar, porque dificilmente o achador vai entregar o que achou a quem não sabe que perdeu. Para os que acham, resta dizer que a sorte lhes sorriu e gastar o dinheiro na primeira oportunidade. Claro que há casos de muito dinheiro achado, carteiras porta-cédulas recheadas que foram devolvidos por pessoas honestas na polícia ou diretamente a seus verdadeiros donos. Alguns achadores ganham notoriedade pelo papel cumprido como cidadãos, outros são obrigados a devolver o que acharam pressionados pela família ou por grupos ao qual pertencem. Mesmo assim são criticados por aqueles que sempre vão dizer que o achador que devolve é um “otário”, um “babaca”, uma “besta”, além de outras expressões que tentam por em dúvida o dever ético do cidadão, principalmente pelos exemplos corporativos de impunidade que a toda hora testemunhamos no Brasil.

Claro que ainda convém falar, neste momento, sobre os conceitos que rondam as cabeças da juventude brasileira, dos políticos e da população em geral que acompanhou ou não, nas ruas das principais cidades do país, os protestos indignados. Esses fatos foram amplamente debatidos, mas não exauridos, porque ainda falta muita pressão popular e mudanças oriundas dela. Lógico que não podemos nos apartar dos acontecimentos nem esquecer que votamos nos legisladores e governantes.

A vigilância democrática não é um mero contrato de prestação de serviço terceirizado, que acaba num prazo determinado. Mesmo que o tempo passe é necessário orientar sistematicamente as novas gerações para que todos tenham seus direitos constitucionais garantidos. Se o Brasil desperta, certamente desvendará as incertezas do horizonte e procurará, pela insistência dos seus habitantes, aproximá-lo da realidade, com olhos mais argutos e mãos mais experientes, para evitar a corrupção que assola o país e deixa um grande contingente populacional sob a miséria inclemente.

Olhando o Brasil vejo que a gente quase nada faz para evitar que ele sofra prejuízo. Na verdade, ainda que não queiramos, deixamos que os oportunistas de plantão se aproveitem das coisas que não damos valor e os chamamos de sortudos e inteligentes. E quem garante que os que chamam os outros de “babacas” porque devolvem o “dinheiro achado” vão mudar seus conceitos sobre ética e moral? Talvez seja por isso que não conseguimos matar a fome de milhões de irmãozinhos brasileiros nem suprir a todos com remédios e serviços básicos de educação e saúde. Parece que nos apoiamos em bengalas, perdendo dinheiro, quando pegamos o ônibus da história que até agora ainda é visto pelo retrovisor.

Porque escrevo (Fernando Canto) – Por Fernando Canto

Escrevo porque o ato de escrever é aprendizado “imparável”, constante, é forma de enclausuramento voluntário, evocação de mistérios que instigam a (re)criação da (i)realidade. É como navegar, no dizer de Pessoa. Mas necessariamente, contatar o estranho, rir do absurdo e ultrapassar barreiras que o real não permite. O escritor tem passaporte para qualquer lugar porque escrever é processo conduzido pelo voo imaginativo. É flecha, é corredeira, é bólido que tem destinação. É paradoxo porque cada frase sua pode ser recriada ou refeita pelo leitor.

Escrevo porque posso fotografar na minha mente formas, ambientes e personagens; diluir e transformar sonhos e expressar várias visões de mundo através deles.

Escrever é ato libertário. Deve-se escrever para ser lido, óbvio, mas, sobretudo para ser debatido, criticado, odiado, amado; para provocar reações e sentimentos diversificados. Escrever é como produzir fluidos no corpo e fazê-los sair pelos poros da alma.

Fernando Canto – Escritor (o maior do Amapá), jornalista, compositor, sociólogo, meu amigo e um cara paid’égua.

Antídoto – Por Mayara La-Rocque

Por Mayara La-Rocque

É linda a página em branco. Há infinitas formas dizer o que não sei dizer. Acho que Luiza teve Malu. Olho a contraluz do tempo refratada sobre nós. Há algo de manga chupada, esgarçada aos sulcos na incidência dos trópicos e do verão. Essa mesma claridade de um astro tremeluz sobre meus pais depois da sombra de meus avós. Algo incide sobre a memória e o horizonte. Ao longe, não há idades, o que passou não foram os anos, os noticiários, as estatísticas, as planilhas, as ferrovias, os lucros, as moedas de troca, as crises, os golpistas, o intelecto e os lutos. Nada disso é palpável. O que se inclina sobre a guilhotina dos cronômetros, relógios sem ponteiros nem mesura, é um perfume de pétala caída, um barulho de folha seca pisada, tronco de árvore esfacelado pelo sol e pelos tantos meios-dias. Vejo velhos em beiras de estrada de terra seca; quantas vidas percorridas, quantas atravessadas! A maturância não vem com as idades. É algo a mais que o tempo. Não é saber ler a bula, nem entender a posologia. Está no antídoto.

*Mayara La-Rocque é paraense, educadora, escritora. Publicou a plaquete literária “Uma luminária pensa no céu”, pela Editora Escriba, em 2017. (além de velha amiga minha e colaboradora deste site).

AMOR, POESIA E PRECONCEITO (carta colhida por Hélio Pennafort) – Fernando Canto

A pena do Hélio parece voar por aí reportando as histórias dos ribeirinhos da costa setentrional do país, onde suas pegadas ainda resistem à chuva.

A pena do Hélio. Apenas ela sabia da grandeza da alma do dono da pena. Sabia de uma alma grandona que não esperava marés e atravessava jardins de espuma sem jamais ter se perdido nos escantilhões deste mundo.

Fernando Canto

AMOR, POESIA E PRECONCEITO (carta colhida por Hélio Pennafort)

Querida Noca,

Escrevo-te somente esta porque não agüento mais a cuíra de saber de nossas difíceis notícias, Noca.

Domingo, no ucuubal, como eu te mandei dizer, não deixa de falar comigo, porque eu quero falar contigo, Noca.

Eu gosto do teu amor, da tua paixão, dos teus carinhos, tão bem como o buritizeiro que adora a mãe lua, quando ela tange com seu clarão as nuvens que não querem deixar o seu luar tocar os brotos das palmeiras, mexer com o siriubal ou alegrar o furo do Jenipapo.

Ainda me lembro, Noca, da primeira vez que te vi na reza da casa do tio Macário. Enxerguei teus cabelos, Noca, clareados pela lamparina, mais bonito do que os cabelos das espigas de milho da roça do Zé Manduca. Teus olhinhos, Noca, eram uma graça… brilhavam mais do que duas porongas de pesqueira, na noite escura, chuventa e panema de peixe…

Tudo em ti é belo, linda Noca, por isto eu gosto de ti. E tu também gosta de mim? Quando já… Eu não sou suficiente nem tenho competência para possuir o amor da garota mais faceira que existe em toda a extensão do Cassiporé. Mas espero um dia ao menos poder te tocar, te acariciar, te cheirar, te beijar… Noca.

*Texto de Fernando Canto, publicado no livro Equinócio – Textuário do Meio do Mundo. Ed. Paka-Tatu. Belém-PA: 2004

OS VELHOS E “O VELHO”, DE RUI GUILHERME – Crônica de Fernando Canto

Por Fernando Canto

O livro “O Velho” (Scortecci. S. Paulo, 2009), de Rui Guilherme, traz à tona um problema que atinge alguns milhões de brasileiros, com suas mazelas pessoais e o drama do abandono, no conto que dá título à obra.

O autor toca num ponto crucial ao falar das doenças da velhice e dos episódios de saudade que o principal personagem sofre no contexto ficcional, desenvolvido em flash back. Aliás, o verbo lembrar, recorrente no texto, demonstra sempre situações de relações sociais “do tempo do velho”, como os divertimentos e lazeres e formas meio puritanas de falar: um certo estado de pureza, mormente quando a paixão retraída fazia do velho “um menino com um coração de poeta”, diz o autor.

A trágica situação psicológica vivida pelo personagem, como veremos adiante, remete à situação de que o mundo está envelhecendo rapidamente devido a diversos fatores. Dados do IBGE (PNAD:2003) demonstraram que a população brasileira, a partir de 60 anos ou mais representava 9,6% da população total. As projeções demográficas para 2020 sugerem que o Brasil terá 32 milhões de idosos, ou seja, 15% de seu contingente. Com isso, atualmente se desenvolvem inúmeros processos que fazem da velhice um quadro estonteante.

A mídia, por exemplo, lança o estereótipo de que o idoso é um sujeito emancipado e com o espírito jovem. Daí o cuidado com o corpo se torna a principal preocupação dos indivíduos, que por isso vão buscar uma “aparência mais aceitável”. Assim, se concebe a ideia de que a velhice não é mais uma condição física, biológica e psicológica, mas uma questão de escolha, coisa que pode ser evitada a todo custo.

Para Santos, Moreira e Moreira (Unisuam:2008) a nova relação com o corpo propicia uma nova significação com o envelhecimento e, consequentemente, com a longevidade. Há, segundo esses autores, um intenso movimento de “retorno à jovialidade”, que assume um papel central nessa nova identificação para o idoso. Esses “jovens velhos” ganham perante a sociedade uma nova representação que difere explicitamente daquela elaborada em décadas anteriores.

Não é o caso do personagem do conto de Rui Guilherme que, aborrecido com o mundo, joga os exames geriátricos no lixo e quebra o cartão do plano de saúde. A realidade, hoje, é que os consultórios médicos do mundo inteiro estão repletos de idosos que procuram não só a medicina terapêutica, mas também soluções estéticas. É crescente o número de idosos que se submetem às cirurgias plásticas guindados pela mídia. Ela reforça o comportamento dos idosos ao relacionar beleza, juventude e vigor. E o capitalismo tomou essa parcela da população como um forte mercado consumidor, cuja demanda por produtos estéticos, sexuais e por novas maneiras de prolongar a vida é cada vez maior.

O velho, simples em seus hábitos, convivia com fantasmas. Desprezava os sonhos míticos da humanidade tais como a imortalidade e a eterna juventude, ao passo que os idosos atuais vivem num período em que a expectativa de vida cresceu e que a longevidade está relacionada a condições de vida saudáveis, como as práticas de esporte, alimentação saudável, e de novas formas de lazer e entretenimento.

“O Velho”, de Rui Guilherme, talvez retrate uma faixa de pessoas que certamente abandonaram suas famílias, em vez de serem abandonadas por ela. É a história de um aposentado que queria a morte, pois achava que não valia mais a pena viver. É uma história do ponto de vista psicológico um tanto cruel, centrada num episódio fisiológico, traumático para o velho, que pode acontecer com qualquer um. Fato real, mas trágico. Daí a sacada do autor para enfatizar o aspecto mnemônico do personagem e com isso chamar a atenção para o tema da velhice.

Quase coloquial devido às falas e diálogos dos personagens, o texto é permeado por uma narrativa densa e rebuscada, mas que se comunica com o leitor e o leva a procurar saber o desfecho do drama. Os outros contos, tangentes à vida e aos sonhos do autor, também refletem/refratam as (des)memórias do cotidiano e as (i)realidades (im)possíveis. Leia. Faz bem. Você vai gostar.

Um “Fora Temer” em mensagem subliminar na segunda temporada da série 3%, da Netflix

A série 3%, primeira produção totalmente brasileira da Netflix, é excelente. A segunda temporada, lançada em abril passado, é ainda melhor que a primeira, que estreou em 2016. Até aí, todos que assistiram sabem.

Uma curiosidade sobre o final da segunda temporada (acabei de assistir hoje, com minha namorada, Jaci Rocha), Pedro Aguilera, criador e roteirista da atração, deixou uma mensagem subliminar (nem tanto), na última cena: um “Fora T”, pichado no edifício em que os protagonistas estão.

Certamente, o Fora Temer na ficção retrata a realidade, já que a série é uma metáfora da nossa realidade e a maioria de nós não está no “Maralto”, mas “Lado de Cá”.

Elton Tavares

NA TRAVESSIA, DENTRO DA NOITE FEIA – Conto de Fernando Canto

Conto de Fernando Canto

“Sim sinhô, tamos saindo de novo de mais um porto de carga, partindo em busca de um outro no constante vai – e – vem que a nossa vida comanda. Nós aqui que se defenda do destino! Se a gente come ar, água barrenta e jabá com farinha é porque Deus tem querença e nós só temos que obedecer, rezar sempre que puder pra não ter a sorte de peixe na rede do pescador.

“Já é noite velha e fechada por um tempo enegrecido com cara de tempestade. Já é mais uma entre tantas a deslizar nas águas benditas destas paragens que nos servem pro trabalho e pros despachos das coisas que não precisamos mais. É noite fechada, é sim… sem hora, descaminhada, prenha de vento forte e que judia a solidão mais amiúde que um homem saudoso tem…

“Sim sinhô, é duro ter mãos calosas, pé rachado e cicatriz das cargas que bem carrego, desde jito, lhe asseguro, pensando e Ter bem dinheiro pra dar uma casa ao pai na velha Vila Formosa de Bom Jesus do Anaju. Minha vida é o que carrego cada vez que o barco sai, toda vez que o barco chega e toda vez queu me arrependo.

“Saudade não tenho tanta da minha infância, eu agaranto. Sempre fui acostumado com a dureza do trabalho, mesmo ficando aos poucos taludo, entanguido e forte, mas-porém malandro e astuto desde as primeiras pontes, canoas e remos de tábua.

“Tenho visto muita coisa neste mundo encarquilhado, coisa do arco-da-velha e cores desencardidas. Só não vi padre fuder freira nem piramutaba ovada. Mas visage, isso então… Nem lhe conto, pra que não pense o sinhô queu sou desses mentirosos. Desde jito, quero que Deus me cegue… vi mato pegando fogo nas ribanceiras dos rios, gente gritando muito debaixo da chuvarada de bala da jagunçada que vagueia atrás de sangue a mando dos coronéis. Vi muita lepra perversa em forma de home comum aumentando dia-a-dia nos trapiches que aportei, como uma vez na Estrada Nova quando pediram um cigarro pro dono do barco Olavo, da terra de Cametá. O rapaz que nem fumava morreu de treze facadas só porque não tinha pito e nem pôde se arrepender.

“Não senta na minha ilharga gente malina e rude. Eu olho logo de esguelha, desconfiado do besta que procura confusão. Eu tomo minhas cachaças sem ter preferência à marca, todavia, lhe garanto, nunquinha caí de porre.

“Dei serviço em muito barco, já tive muito patrão, faz quase quarenta anos que rolo por cima d’água. Não quis me casar, o sinhô sabe, meu tempo foi pro trabalho, e mesmo eu não tenho casa e a maorparte dos meus parentes já foram encontrar com Cristo na morada celestina, onde só tem convite que foi nesta vida humilde. Assim nunca me arrependo de não ter me amasiado com rapariga festeira nem com mulher assanhada. Umas três já declararam que ficaram prenha deste, pois eu lhe conto, não nego, que também não sou santinho. Só sei que nunca fui pai nem padrinho de menino nos lugares onde parei pra carregar esses trabalhos, descarregar minha gala, trocando o óleo da pomba… Humrum! Molhar o osso, seu menino, é preciso praticar, senão a cabeça endoida, fica bilé, bilé. A gente fica mofino, não dá atenção pras coisas e com calo na mão não presta bater punheta nas folgas. Vara de macho escroto precisa de bem carinho e basta só um pouquinho pra entrar nas perseguidas e se lambuzar de prazer.

“Sim sinhô, tô divagando… Me adesculpe se lhe enjôo com esta conversa fiada. É queu vivo me acercando das coisas do meu redor como desta noite feia. Arrepare que tem lua pra nascer daqui a pouco, minguando, mais ainda grande, que vai ajudar com imenso nossa longa travessia por cima desta baía. Vigie ali rés à mata a chegada de um clarão: é ela empurrando as nuvens pra cair logo uma chuva e o barco seguir em paz. Antes que a chuva venha, se ajunte mais pra dentro deste comando apertado, se aproteja do frio que judia a gente e dos solavancos das ondas que neste vento paresque até banzeiro espumante do catamarã da Enasa. Depois da procela forte vem um pouco de chuvisco e as ondas vão se acamar, daí chega a lua branca e eu ainda posso ver á frente sem precisar de farol. Eu moço já andava em barco que não tinha nem motor, nem bússola ou farolete, daqueles movido a vento, onde a gente se guiava pelos lugares que via. Só conhecendo, velava e se livrava dos troncos arrancados dos barrancos.

“Inda mais… Me lembro que já passei por maus momentos, indizíveis, apelando para a Virgem na hora da morte certa, como daquela vez, paresque numa baía chamada Curralinho, quando o casco do barco abriu ao bater numa jangada de troncos, solta e perdida no negro da escuridão. Dessa vez não teve tempo pra desviar do perigo. Morreram cinco pessoas. Consegui salvar só duas que levei lá pra beira em cima de um camburão de óleo combustível.

“Meu parente, se não é a Virgem no céu, os marítimos se estrepam aqui na terra. Coisa ruim só acontece conosco, gente sofrida do mar. Perdi muitos companheiros que foram pras profundezas destas águas amarelas onde vive boto e Iara, boiúna e cobra Sofia.

“Mas quando já…! O sinhô pode pensar. Não creio nessas conversas. Há de dizer o parente. Mas lhe garanto uma coisa: este rio tem tanta água como ente que judia. Já vi coisas, seu menino, que penso não acreditar, por isso prefiro a morte que me arrepiar de medo quando enfrentasse, ‘sconjuro, gente que não desse mundo.

“Espie só a chuva passando. Agora que só tem lua e um mar calmo pela frente é que vem na minha mente uma figura ‘stimada de um homem sempre presente no meu imparável trabalho.

“Não arrepare se eu falo assim meio ‘stúrdio, mas dentro de mim vem uma dor afogalhada toda vez queu cambo meu pensar pra esse lado. Talvez o sinhô tenha tido algum patrão na vida. Não sei se lhe importa eu soltar minhas mágoas que me atormentam benzinho no fundo da minha alma. Tome um café, me escute e não arrepare essa dor.

“Tordia fiquei macucando… pensando na minha vida, no meu destino de boto que paresque é fazer as coisas e desaparecer nas águas. Já vi que tem parecença com as ondas e com tudo do meu redor. É como se eu fosse mururé dançando n’água, planta que tem flor roxa e folha verde e se assustenta do rio. Vai pra onde a maré bate, mas continua pelo rio até bater numa praia, se dividir ou se somar nos troncos da aningueiras ou na hélice do barco despedaçar de vez.

“Não quero ter descamaradagem com a figura do patrão, porém já sofri bastante vendo ele ficar alegre ao conferir o dinheiro que o nosso trabalho dá. Queria ver eles sem nós. Só com seu barco, só ele navegando por aí, debaixo da tempestade. Tá, cheiroso! Eu ia dizer, vendo a sua cara torta. Te vira, seu porcaria… Eu ia era rir. Hum, ele não teria mais aquele riso indecente cheio de dentes de ouro nem os olhos miudinhos que brilham tal quando conta o lucro que o nosso trabalho dá. Disse ao sinhô queu ‘stimava a figura do patrão, mas ora já penso certo, acho que ele não merece queu pense dessa maneira.

“Muitas vezes ouvi no rádio que o Brasil era gigante, acho que é isso mesmo, devido ter viajado, conhecido muitas terras só aqui na região. Isso me faz pensar nas coisas deste mundão onde tudo é muito grande, mas os homens são sempre pequenos. Ninguém segura essa terra, disseram também no rádio, e largaram ela pruns homens de fala e de corpos estranhos. Era pra gente ir frente que a vida ia melhorar, mas só nós, os que navegam, nunca melhoram na merda desta vida, nem seguro dela tem, ganham salário mínimo, o menor, eu acho sempre, pois não dá nem-nem pra sacanagem nos puteiros de Belém, inda mais se, por exemplo, eu tivesse uma família pra assustentar por aí.

“Sim sinhô, me apustemo de trabalho, só vejo trapiche e cais nas margens que descarrego de um lado e doutro do rio. Tô ficando aporrinhado, tô me sentindo um ladrão querendo roubar as coisas, mas preso porque não roubou. Não digo que matei gente, mas minha vontade é enorme de arrancar os dentes todos do ‘stimado patrão. Égua! Égua! Se aguento tudo isso é porque não tenho estudo nem registro e a carteira da Capitania dos Portos. Não tive oportunidade nem incentivo pra essas coisas do ‘stimado patrão, que ganha nas nossas custas tudo aquilo que queremos pra gente viver um pouquinho sem depender de ninguém.

“Não tenho inveja, agaranto, e quero que me adesculpe se falo assim do patrão. Minha sina está nas águas deste rio que bem conheço, que é meu amigo bacana, mas-porém que é traiçoeiro quando a gente nem espera… Hum. Minha sina está com ele, o rio de toda uma vida, a única coisa viva que mais arrespeito e amo, meu calmante dessas horas de aporrinhação.

“Meu parente, eu falei muito das coisas que tanto vi, como da lua minguante que ora ilumina a nós e da figura ‘stimada do proprietário do barco que a gente navega aqui. Antes de acabar meu turno, antes de ir descansar, quero apenas lhe dizer que a minha vida é assim mesmo, paresque noite vergada, com vento e luar minguando, se acabando para o dia que vem chegando benzinho, trazendo o sol que só engelha o resto da dor da gente”.